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A Verdade Sempre Aparece

por Fernando Zocca, em 18.11.09

 

                     Van Grogue bastante apreensivo naquela manhã de quinta-feira, 10 de Dezembro, caminhava lentamente pela rua central de Tupinambicas das Linhas. As notícias dos jornais e das rádios preparavam a população para algo que há muito se projetava no cenário político Tupinambiquence: pelos desmandos, equívocos e desvios das verbas públicas o mandato de Jarbas, o caquético seria cassado.
 
                        Os noticiários davam conta de que o prefeito já fora condenado em primeira instância a deixar o cargo, mas aguardava ansioso o desfecho do próximo julgamento. Tendes Trame, o Fuinho Bigodudo, tia Ambrosina e outros integrantes da seita maligna, que se aboletaram no poder, torciam para que os julgadores se enganassem, livrando a todos da confirmação do castigo.
 
                        Van percebeu a intensidade dos raios solares incidindo sobre a cachimônia exatamente no momento precedente à sua chegada no bar do Maçarico. Ao entrar notou que, além do proprietário, não havia mais ninguém. Sentindo-se aliviado pela sombra refrescante, ele foi logo dizendo:
 
                        - O mandato do prefeito será cassado. Você ouviu as informações Maçarico?
 
                        - Ouvi sim. Está em todos os noticiários das rádios e o Diário Tupinambiquence, geralmente capenga, também confirmou. – respondeu o velho Maçarico limpando o balcão com o guardanapo alvo.
 
                        Com um gesto discreto Van Grogue fez com que o homem lhe servisse antes uma dose média de pinga, e em seguida a cerveja geladíssima.
 
                        Acendendo um cigarro Van de Oliveira preparava-se para expor o que sabia sobre o assunto quando percebeu a entrada afoita do Pery Kitto.
 
                        - Quanta mentira sobre o pobre Jarbas! Vocês não têm mesmo piedade. Imagine só dizer que ele falseia licitações, que prejudica o estado superfaturando ambulâncias, mas isso é um absurdo. – despejou o Kitto pedindo uma cerveja.
 
                        - Constataram que Jarbas, Tendes Trame e o Fuinho Bigodudo, que já têm mais de vinte anos de ocupação nos cargos públicos eletivos, receberam milhares de votos de eleitores fantasmas. – acrescentou Van Grogue à fogueira que se iniciava.
 
                        Maçarico notou que o rosto vermelho e suado do Pery Kitto contraiu-se à semelhança da face do boxeador que recebe um golpe violento no baço.
 
                        - Ninguém tem provas de nada. O povo fala, a imprensa publica, mas não há provas que garantam ser isso tudo verdade. – afirmou com segurança o Kitto.
 
                        - Mas onde há fumaça há fogo. – rebateu Virgulão que chegava com um jornal dobrado debaixo do braço esquerdo. No bolso traseiro direito havia também outro exemplar.
 
                        - Fala Virgulão! Ai está o homem que vende geladeira pra esquimó! – recepcionou Van de Oliveira.
 
                        - Todo mundo comenta que a turma do Jarbas sacaneou os cofres públicos e que está com medo de ser condenada a deixar o governo. – concluiu Virgulão.
 
                        - É. O conceito dos caras ruiu. Eles vão terminar num lugar bem medíocre no ranking dos mais produtivos; da opinião dos eleitores. – arrematou Maçarico abrindo a cerveja do recém-chegado.
 
                        - Vocês estão todos loucos. Ninguém pode afirmar que a vovó Bim Latem, que o Tendes Trame, que o nosso querido Fuinha Bigodudo estejam envolvidos nas fraudes das eleições. Como provarão que eles se valeram de eleitores fantasmas para se manter no poder por tanto tempo? – Pery Kitto era o único que ousava defender a turma do Jarbas.
 
                        - Sabe o que eu acho? Eu acho que existe uma onda muito forte indicando irregularidades na prefeitura de Tupinambicas das Linhas. E não é de hoje. Faz tempo que isso ocorre. O problema, como sempre, é que ninguém consegue sustentar a tese até uma condenação final. Esse é o problema. – Falou Grogue bebendo um gole de cerveja.
 
                        - Esse era o problema! Porque agora eu mesmo vou contar a verdade pra todo mundo. – Depôs com firmeza o Zé Lagartto que chegava pisando com o pé direito a soleira do bar.
 
                        O pessoal todo se espantou com a declaração abrupta.  Silentes eles voltaram-se para o informante  que prosseguiu:
 
                        - É verdade. Fiz parte dessa turma e a ajudei em duas eleições, mas agora cansei. Esse governo do Jarbas é um governo para os ricos. Na sua frente eles são de um jeito, mas às ocultas demonstram outra personalidade. São hipócritas, insinceros, fariseus, incoerentes.Posso dizer que eles têm traços consideráveis da esquizofrenia. Vocês sabem né? Eu manjo dessas coisas. Eles negam merenda escolar e até passe de ônibus para os alunos que residem distante dois quilômetros  das escolas. Assim não dá. Assim não pode. Vou contar tudo.
 
                        - Lagartto, você enlouqueceu! Onde já se viu isso? Um vereador conhecido como o braço direito do prefeito dizendo disparates. Mas você bebeu demais, mano!- Pery Kitto estava indignado.
 
                        - Nada disso. Estou são. Um pouco fora de forma, bastante pesado, mas são. A bem da verdade e para a alegria do povo contarei tudo o que sei sobre as tretas do Tendes Trame, do Fuinha e do Jarbas.  – confirmou Lagartto.
 
                        Pery Kitto, demonstrando muita contrariedade, tirou com um gesto grosseiro o dinheiro do bolso pagando sua conta. Em seguida, bufando, saiu sem dizer nada.
 
                        Van Grogue, Virgulão, e Maçarico felizes da vida,  comemoraram a vitória:
 
                        - Lagartto! Lagartto! Lagartto!
 
 
 
 
Fernando Zocca.
                       
                       

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publicado às 13:58

O Maior Vendedor do Mundo

por Fernando Zocca, em 11.11.09

 

                       Virgulão considerava-se o melhor vendedor que Tupinambicas das Linhas jamais tivera em toda sua história. Diziam que o “turco” vendia até geladeira pra esquimó e máquinas de bronzeamento nas praias mais bem frequentadas do Brasil.
 
                        O homem se estabelecera na região central da urbe no início dos anos 1940 e muitos apostariam que ainda hoje, época dos computadores, ele seria capaz de vender milhares de máquinas de escrever pras repartições públicas.
 
                        - Só se for o Jarbas o responsável pelas compras – dissera mal humorado o Pery Kitto já cansado de ouvir as loas que se faziam ao caixeiro sedentário.
 
                         Pery Kitto e Adam Oly bebiam aproveitando a modorra que dominava a manhã da terça-feira ensolarada no bar do Maçarico quando adentrou ao recinto o  festejado Virgulão. Ele trazia debaixo do braço uma coleção de partituras de chorinhos.
 
                        - E ai, mano, vai ter espetáculo no saguão hoje? – perguntou Pery Kitto ao ver o homenzarrão entrar boteco adentro.
 
                        Virgulão pediu uma cerveja ao Maçarico e, sentando-se ao lado dos colegas informou:
 
                        - Pretendo montar uma gráfica lá naquele prédio. Imagine que hoje em dia dá o maior lucro fazer talonário de notas fiscais.
 
                        - É mesmo? – Adam Oly demonstrava interesse sincero.
 
                        - Mas você já tem o seu comércio de relógios de ponto e material pra escritório. O que mais vai querer? – quis saber o Maçarico trazendo a cerveja e abrindo-a à vista do freguês.
 
                        - Eu preciso arrumar uma ocupação pro meu filho. Ele tem mania de poeta. Vive escrevendo umas besteiras. Ele tenta levar pro dono do Jornal de Tupinambicas das Linhas, mas eles não publicam. – confidenciou Virgulão.
 
                        - Mas o menino escreve muito mal? – quis saber Adam Oly.
 
                        - Ah, você sabe né? Vate geralmente carece de parafuso, às vezes de porca e arruela também. Mas não quero contrariar o moleque. Se precisar, eu compro até um jornal pra ele.
 
                        - Isso é que é gostar do menino, hein seu Virgulão! – sorriu o Maçarico passando um guardanapo sobre a mesa vizinha. 
 
                        - Os médicos disseram, quando ele nasceu, que era down, que tinha essa síndrome. Mas eu não acredito. Imagine o Zé Cílio retardado. Nem pensar! – indignou-se Virgulão ingerindo o seu primeiro gole de cerveja.
 
                        - Ah, mas você sabe né Virgulão, que essa oposição existente aqui na cidade é coisa de gente das trevas. Essa cidadezinha não deslancha no cenário nacional exatamente por causa da política mesquinha dessa turma do pavão louco, que se aboletou no poder e não deixa mesmo o osso, nem com reza brava. -  ensinava Adam Oly.
 
                        - Olha Virgulão, você precisa de cuidado pra não ferir as suscetibilidades, se não fica mais difícil driblar o miserê. Entendeu? – aconselhou o Pery Kitto.
 
                        - Acho que o menino tem mesmo um parafuso solto quando afirma haver a necessidade de se fantasiar, fantasiar, e fantasiar, criando ilusões pro povo. Será que ele está certo?- a dúvida do Virgulão era sincera.
 
                        - Eu acho que é por isso que o Jarbas, o Tendes Trame, Zé Lagartto, Fuinho Bigodudo, vovó Bim Latem e titia Ambrosina conseguem desancar os cofres dos dinheiros do público e ainda permanecerem sem castigo. É a lorota que eles criam que os protege das punições, das garras da lei. Agora imagine você um escândalo público sendo amenizado por gabolices difundidas pelos jornais. Seria o fim do estado. Não sobraria a falange, nem a falanginha e muito menos falangeta. – ponderou Pery Kitto.
 
                        - Ah, mas o que é de gosto, não deixa mesmo de ser o regalo da vida. Seu eu puder vou dar um jornal pro Zé Cílio. Ele merece. – garantiu Virgulão levantando-se.
 
                        - Mas é cedo ainda. Onde vai com tanta pressa? – perguntou Adam Oly.
 
                        - Tenho gaiolas e uma população imensa de periquitos no saguão do prédio que comprei. Preciso alimentar os bichos. Faz tempo que não ganham nada. Um abraço pra vocês.
 
                        Ao sair Virgulão, com um gesto conhecido, indicou ao Maçarico que anotasse no rol dos seus débitos, a despesa que pagaria no fim do mês.
 
 
 
Fernando Zocca.
 

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publicado às 12:57


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