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O Pavio Curto

por Fernando Zocca, em 25.12.12

 

 

 

 

 

Tenho escrito aqui, desde há muito tempo, que fazer o mal para os outros não é nada salutar. Não é saudável principalmente para os que agem assim movidos pela vingança.


É sabido que pagar o mal, que se recebe, com o próprio mal, seja característica bem humana. Pagar o bem com maldade é típica ação demoníaca; mas pagar a maldade recebida, com ações benéficas é divino.


A frustração pode fazer ebulir tanto ódio numa pessoa que ela simplesmente, perdendo o controle, esquecendo os bons ensinamentos, desandaria a tentar destruir as supostas fontes dos seus sofrimentos, usando meios bastante desumanos.


Perceba que as personalidades formadas com mimos excessivos teriam o limiar da frustração bem baixo, limitadíssimo, (pavio curtíssimo), que proporcionaria reações descabidas, violentas e muito danosas.


Não nos esqueçamos de que tudo o que fazemos aos outros será também feito a nós mesmos. Inclusive aquela maldade financiada em resposta ao suposto mal que nos teriam causado.


Você pode notar meu querido leitor, que ao agir desejando destruir os supostos autores dos seus supostos males, a pessoa estará entrando numa "corrente" negativíssima onde se devolve o mal com maldades piores.


Essas ações podem não ter um fim efêmero, mas perdurar por várias e várias gerações.


Então seria bastante insensato nos mantermos nesta postura destrutiva, ao percebermos que a roda maligna da vingança, poderá estar girando, até mesmo depois de termos partido desta vida.


Para algumas pessoas torna-se dificílimo deixar de sentir a ira quando algo as faz recordar as supostas injustiças recebidas.


De fato, não é nada fácil suportar o que pode ser considerado provocação, sem ter aqueles ímpetos de vingar-se.


Penso que seriam nesses exatos momentos que as ideações devolutivas das maldades, deveriam converter-se em atitudes positivas, abrangentes dos supostos autores das tais façanhas maldosas.

  

Já disse e repito: não é nada fácil agir assim. Mas sabedores de que Deus nos abre várias outras portas, quando uma nos é fechada, seria bastante propício o momento para, aproveitando a crise, desenvolver novos e lucrativos talentos.

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publicado às 19:55

O Casaco

por Fernando Zocca, em 13.06.11

 

 

                     - Tia trouxe para a senhora este corte de flanela. Acho que dá pra fazer uma blusa grande.

                    Edileuza colocou o pacote, embrulhado com papel cor de rosa, sobre a mesa da copa, sob o olhar da mulher obesa, que vinha da cozinha, enxugando as mãos no avental.

                    A mulher arrebentou o barbante fino que embalava o embrulho e uma fazenda extensa, de flanela xadrez, vermelha e preta, foi desdobrada entre os braços abertos, presa também contra o corpo, pelo queixo.

                    Enquanto a velha tia tagarelava, tocada pela novidade, Edileuza recordava as aulas de álgebra do curso de matemática que concluía na capital.

                    A palavra Al-jabr da qual álgebra foi derivada significa "reunião", "conexão", "complementação" ou ainda a reunião das partes quebradas.

                    Os mouros levaram a palavra Al-jabr (algebrista) para a Espanha com o significado de restaurador, ou alguém que conserta ossos quebrados.

                 Os registros das partidas de xadrez eram feitas também com as chamadas anotações algébricas.

                    - Olha tia, esse é um presente de aniversário que eu trago pro Zezinho, meu primo mais querido. - Justificou Edileuza, completando logo em seguida, com um sorriso irônico:

                    - Não é lindo?   

                    Alguns dias depois a mãe do Zezinho, querendo presenteá-lo pelos onze anos, que completava naquele três de setembro, fez um casaco longo com seis botões, cujo desenho (sugerido pela Edileuza), lembrava os jalecos usados por professores e médicos.

                    Caminhando pelas ruas da cidade provinciana, com aquele traje inusitado, Zezinho atraia muitos olhares, e não eram poucos os comentários depreciativos. O ar frio causava-lhe uma dorzinha chata na omoplata do ombro direito. Eram os resquícios da fratura, que o imobilizara por longo tempo, quando ainda era nenê com poucos meses de idade.

                    Na classe, durante as aulas, ou em casa, quando recebia as notícias de que o primo era caçoado na escola, nos cinemas, ruas e praça em que se apresentava com o tal casaco, Edileuza se lembrava da figura do Satanás, postada atrás da porta do banheiro da mercearia, à qual o seu velho e rancoroso pai, marceneiro na fábrica de botes, acendia velas.

 

 

 

 

 

Leia também O Cristal de Quartzo

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publicado às 20:37

A vingança da Rosinha

por Fernando Zocca, em 18.02.10

 

                                                A vovó Rosinha levantou-se bem cedo na quarta-feira e sentindo o gosto do mau hálito horrível, botou a língua enorme para fora, caminhando assim até o banheiro onde a olhou no espelho.
                        A bocarra da Rosinha estava já sem os dentes e o tamanho avantajado da língua fizeram seus pais imaginarem, logo que ela nasceu, ser aquele neném esquisitinho, um tanto quanto que diferente das outras crianças.
                        Ao se olhar no espelho Rosinha viu os cabelos cinza desgrenhados e escassos que lhe adornavam o rosto inchado. A medicação psiquiátrica receitada pelo doutor Silly Kone fazia-a dormir bem, no entanto a ressaca na manhã seguinte era desagradabilíssima.
                        A mulher percebeu que seu ventre, avolumado, não permitia que ela visse os próprios pés, cujas unhas estavam deterioradas. As micoses corroeram as dos dedões deixando um aspecto horrível.
                        Os braços manchados, com as marcas dos embates dos tijolos, pedras, areia, saibro e cimento, por ela usados nas reformas das casas, de sua propriedade,  exibiam feridas inflamadas, por vezes frequentadas pelas moscas, durante boa parte dos dias.  
                        Quando a velhinha chegou à cozinha encontrou Gererê o marido a quem considerava um traste, mas indispensável.
                        - Já fiz o café, Rosinha. Ocê demorou pra acordar hoje. O que foi? Errou na dose do hipnótico? – indagou ele mordendo um pedaço de pão com mortadela.
                        - Nada disso. Demorei pra pegar no sono. Estava pensando naquele inquilino que não paga o aluguel faz 7 meses.  – o mau humor da mulher era perceptível no seu tom de voz agressivo.
                        - Hoje nós vamos até lá e a gente bota todo mundo pra correr. Ocê vai ver só. – Gererê era um homem decidido, famoso por resolver suas questões com bate-bocas homéricos, que humilhavam os oponentes diante dos vizinhos. 
                        - Não vou hoje, não. Logo cedo tenho que ir na comadre Diva. Foi ela que me vendeu aquele terreno que não vale nada. Quero trocar, negociar outra coisa. – respondeu a vovó sentando-se para o café matinal.
                        Gererê que terminara a refeição sacou do maço um cigarro, tirou dele o filtro e o acendeu. Assoprando a fumaça por cima da cabeça da mulher e coçando o saco, quis saber se ela demoraria na visita à comadre Diva.
                        - Não vou demorar. É só o tempo de rasgar aquele contrato. Dizem que o loteamento não está certo. Que o Jarbas e também o Zé Lagartto estão envolvidos numa fraude com terras – respondeu Rosinha sorvendo o seu café sem açúcar.
                        Gererê levantou-se, puxou a calça que se entranhara no vão dos glúteos e saiu arrastando as havaianas rumo ao banheiro.
                        - Vê se fecha a porta! – gritou a velhota antes de ouvir os ruídos da depuração.
                        Num segundo Rosinha pareceu sair do ar. Seu olhar desconectou-se dos objetos que a rodeavam e, com a xícara parada defronte os lábios, cotovelo fincado na mesa, ela viu-se no dia do casamento.
                        Os preparativos para a festa foram emocionantes, inesquecíveis. A maioria dos parentes mais próximos, os vizinhos e até os filhos – sim os filhos, pois quando Rosinha se casou, já tinha três filhos – todos se uniram para promover a maior e melhor festa de casamento que a Vila Dependência, de Tupinambicas das Linhas jamais vira. Foi a glória! Teve até rojão e bombinha.
                        Como se fosse um autômato Rosinha levou a xícara à boca e sorveu um gole de café. Mas quase engasgou quando se recordou que durante a cerimônia, ao tomar o vinho, oferecido pelo sacerdote, perdeu a ponte caída dentro do cálice.
                        Sem se sentir muito constrangida, a noiva botou a mão dentro do recipiente tirou de lá a prótese e a encaixou entre os caninos.
                        Quando terminava o seu café Rosinha pôde ouvir lá do quarto o grito de Murino, o filho babá, que pedia pra ser atendido.
                        De dentro do banheiro Gererê esgoelou:
                        - Quando vai ser a próxima consulta, dessa coisa, com o Silly Kone?
                        Naquele momento Rosainha não quis nem saber. Vestindo rapidamente uma saia verde, os chinelos havaianas amarelos e uma blusa cor de rosa, ela saiu para caminhar pelas ruas de Tupinambicas das Linhas. Naquela manhã ela não tinha hora pra voltar. De tão ressentida seria capaz  de encher a casa do vizinho com uma tonelada de tinta spray.

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publicado às 14:20


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