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O Balanço das Ondas

por Fernando Zocca, em 23.02.11

 

 

 

                                             Esteve tudo muito bom, a alegria pairou no ar, o som romântico estava ótimo, mas durante a noite, quando imperava o silêncio e o vento trazia os odores do mar, eu senti que algo a mais poderia ser acrescentado.

 

                    Não me preocupei com o efeito da bebida, pois não havia ingerido tanto. Notei que os sapatos novos deram um aspecto bem diferente à silhueta dos pés e que agora, ali na cama, descalça, o conforto se impunha de forma completa.

 

                    O coração batia forte e ritmado. Não seriam algumas lembranças tristes que dominariam o restante da madrugada.

 

                    Notei que passou ao largo, e bem rápida, a frota das emoções negativas, que teimava com aqueles assédios maldosos e frustrados.

 

                    Voos livres rasantes de pessimismo, incompreensão e má vontade, foram percebidos a princípio, mas logo se diluíram sob o clarão do céu noturno.

 

                    Ao fundo, o ruído das máquinas impunha lampejos dos grandes bondes, que faziam trepidar o chão, no entorno dos trilhos, por onde passavam.

 

                    Faltou algo, não sei bem o que era. Talvez fossem melhores contatos, afagos, palavras simples de admiração, respeito ou louvação.

 

                   Ou seria o recrudescimento do atual, porém imperceptível balanço das ondas?

 

                   Vi a nau se aproximar de forma lenta, mas segura, do porto. O celular transmitia a certeza de que tudo estava bem, com o futuro que nos aguardava.

 

                    Foi ótimo o passeio. Gostei.

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publicado às 15:50

Quem não tem cão, caça com gato

por Fernando Zocca, em 07.02.10

 

             Muita gente em Tupinambicas das Linhas queria mesmo acabar com o Van Grogue. Consideravam-no um sujeito chatíssimo, metido a besta, que não entendia nada de nada e que pretendia palpitar indevidamente sobre todos os assuntos da cidade.
            O pobre Van de Oliveira Grogue acreditou nisso e, recolhendo-se à sua atribuída insignificância, não desejou mais sair de casa. Nem ao dentista ele ia.
            Mas sucedeu que seus dentes, a cada dia que passava, cariavam e, as dores, ao surgirem, tiravam-lhe o sossego por ele tão bem querido.
            No meio do conflito Grogue não sabia como proceder. Afinal, como ele mesmo poderia sanar aquele problema? Como arrancaria, com as  próprias mãos, o nefasto foco da infecção impregnante? Seria isso possível? E se fosse, como proceder?
            Ele não tinha experiência disso, mas sabia de pessoas que, de um jeito ou de outro, solucionavam essa questão de alto interesse para o desenvolvimento, inclusive do lugarejo em que vivia.
            Tupinambicas das Linhas, por ser um lugar retrógrado, com gente lesada por todos os lados, mantinha tradições inquestionáveis. E dentre elas havia aquela em que garantia ser o dentista o único sujeito possível, capaz de livrar um pobre coitado das dores inclementes causadas pelas cáries.
            Grogue estava disposto a provar que essa tese não era absoluta. Que haveria exceções. Então ele, naquela manhã de segunda-feira foi ao bar do Bafão, onde encontrou bebericando o velho Gonça. Para quem não sabe o Gonça era um sujeito alto, barrigudo, de fala fina e trejeitos bastante delicados. Segundo as más línguas, sempre ativas na cidade, Gonça era daqueles que gostava de “agasalhar o croquete”.
            - Gonça, gente fina que entende de alface e cenoura melhor do qualquer outra alma desta cidade, me diga: como faço pra arrancar um dente sem ter de recorrer a um dentista? – indagou Grogue, erguendo os braços, assim que pisou no chão do boteco.
            - Grogue, quereeeedo, a quanto tempo não te vejo! Por onde andaste criatura? Mas nossa, que barriga é essa biba encruada? Da última vez que a vi você não estava tão acabado assim! – Gonça não tinha papas na língua. Se tivesse que escolher entre a piada e a manutenção da amizade, ele escolhia a piada.
            - Vida boa, quereeedo. – respondeu Van de Oliveira, sentando-se ao lado de Gonça.
            - Dizem que você é professor de araque, é verdade isso, Gonça, ou é intriga dessa negadinha sem educação? – Quis saber Van de Oliveira, ao acomodar-se e sinalizar ao Bafão que lhe trouxesse um copo vazio e bem limpo.
            - Sempre dei aulas sobre a composição dos solos, química, física e os cambaus meu querido. Estou a caminho da aposentadoria. Não sei e nunca soube muito sobre os assuntos que lecionei. Mas você sabe como é, né, quereeedo? Quem tem padrinho não falece pagão. É verdade ou mentira?
            - Não entendo nada disso. Sei que estou com uma tremenda dor de dentes e não quero ir ao dentista. Como faço?
            - Eu conheço um pessoal que reside na periferia da cidade que tem certa experiência na solução de problemas desse tipo. – respondeu Gonça ingerindo mais um gole de cerveja fria.
            - Me diz, me diz, logo criatura. Não posso perder mais tempo! – o tom de voz do Van de Oliveira era de sofrimento, de queixa.
            Pondo a mão direita sobre o joelho esquerdo do Grogue, Gonça o gorducho, passou-lhe todas as informações necessárias para que ele chegasse à comunidade onde os próprios moradores resolviam seus problemas, inclusive os causados por cáries dentárias.
            Sem esperar pelo Bafão com seu copo limpo, Van de Oliveira levantou-se e tomando um táxi pôs-se a caminho do local onde ele achava estar a solução para os seus problemas.
            - Grogue cuidado que lá o pessoal só trabalha “mamado” quereeedo! – tentou avisar Gonça que ficou na dúvida se o amigo ouvira ou não a mensagem.

Caça mesmo com o gato, aquele que não tem cão?

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publicado às 23:40


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