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O Terno Novo

por Fernando Zocca, em 27.11.15

 

Jarbas o caquético testudo, quando prefeito de Tupinambicas das Linhas, afirmava que o vereador BCO (boquinha de chupar ovo), trabalhava mais na defesa dos interesses próprios do que na dos cidadãos que o elegeram.
Realmente, a mais recente estatistica publicada no combativo Diário de Tubinambicas das Linhas, informava que em 99% dos projetos do BCO, a motivação girava em torno da liberação dos anseios populares pelas festividades desbragadas.
Desta forma BCO (boquinha de chupar ovo) dedicava seu tempo mais às manobras que visavam - por exemplo - a derrubada das leis proibitivas dos ruídos depois das 22 horas, do que questionar os aumentos abusivos nas contas de água.
O caquético testudo, depois do expediente, numa reunião informal, no bar A Tijolada, em ato contínuo duma dose dupla de tequila, afirmou em alto e bom som, para todos os presentes ouvissem:
- BCO trabalha num projeto que pune com multa pesadíssima o cidadão que não deixa seu cachorro latir durante as madrugadas.
Billy Rubina que também estava no botequim, naquela noite, respondeu:
- Esse edil contratou um escritório de contabilidade só pra requerer a patente do churrasco de carne moída que ele inventou.
Durante o burburinho causado por essa declaração destacou-se a afirmativa de que "para fazer o que o Boquinha de Chupar Ovo faz, qualquer um faria, sem no entanto onerar os cofres públicos do jeito que ele onera".
BCO gostava de se vestir bem, com muito esmero. Numa reunião ordinária, da tal casa legislativa, ele apareceu trajando um vistoso terno listrado.
Sentado à sua mesa, no plenário, Fuínho Bigodudo, que já exercia o sétimo mandato, cochichou ao colega do lado:
- A lá... Tá vendo o terno novo? Depois da sessão vai direto pra casa da amante. Ele me disse que apesar do namoro parecer uma luta infindável de boxe, aqueles momentos com ela são impagáveis. O Zécílio Demorais sempre comentou que o BCO não é marceneiro, mas que também gosta de pegar no batente. Você acredita?
O Boquinha de Chupar Ovo achava que a função de vereador era a mais fácil forma de ganhar dinheiro, de vencer na vida, sem fazer força nenhuma.
Ele gostava de capoeira mas não sabia nem o que era um berimbau.
O deputado Tendes Trame considerava o BCO um tremendo trambiqueiro mentiroso, mas não podia fazer nada que o impedisse de concorrer às eleições.
Em busca da comiseração popular, da compaixão do povo, durante os momentos da vigência daquela certeza de que suas mentiras não surtiam mais o efeito, na manutenção da sua credibilidade no eleitorado, BCO simulou uma cirurgia cardíaca em que supostamente teria sofrido paradas cardíacas.
Parece que o engodo, divulgado a preço de ouro, nos jornais, rádios e TVs da cidade, causou o efeito desejado: o aporte de gente solicitando informações sobre seu estado de saúde encorajou-o a continuar com as patranhas.
Foi quando então a aquisição do terno novo listrado marcou o início da retomada do seu desejo de lutar por mais uma reeleição.

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publicado às 11:08

A Luz do Mundo

por Fernando Zocca, em 02.06.14
kol da Mumunha já bastante embriagado, perguntou ao Donizete Pimenta, que saía do banheiro, do boteco do Bafão, -  naquela tarde de segunda-feira - depois da ingesta da terceira cerveja, conhecida por suas tampinhas enferrujadas:
- É verdade que o seu aviãozinho já não sobe mais?
- Subir, ele sobe, mas precisa de uma declaração de amor. Você me ama? - quis saber Donizete Pimenta. 
- Nem com toda a luz deste mundo - rebateu Kol da Mumunha.
Enquanto isso, Fuinho Bigodudo, o presidente da Câmara Municipal de Tupinambicas das Linhas, inconformado com o nível cultural dos vereadores da cidade, caminhava preocupado, pelos corredores da casa, perguntando quantos dólares - hoje em dia - seriam necessários para a compra da vaga de vereador nas próximas eleições.
- Nestas alturas do campeonato, depois de 6 legislaturas seguidas não sei se continuo ou não. O pessoal se queixa da minha permanência por tanto tempo nesta casa. Mas o que é que vou fazer? O nível está tão baixo que o resultado não pode favorecer a ninguém que não seja a mim mesmo. Por cansaço - e mesmo se não puder concorrer novamente - penso em fazer uma espécie de madureza para os novatos. As dúvidas são muitas -  murmurava o edil preocupado.
No bar do Bafão, Van Grogue era mais um que não se conformava com a reeleição seguida, dos elementos medíocres da cidade, para o exercício dos papéis de vereador.
- Não esquente a cabeça e nem se preocupe com isso. Não é o nível cultural que elege ou deixa de eleger um cidadão. Ele pode ser o mais idiota da comunidade, mas se puder pagar, ou tiver quem pague, a contagem dos votos dele, no dia das apurações, ele estará eleito - respondeu Kol da Mumunha ajeitando a braguilha. Tudo é corrupção: desde a violação de cartas nos correios, e-mails, ou contagem de votos.  Quem tem o dinheiro paga o preço obtendo as vantagens.
- Sim, mas como conseguir tanto grana se nem emprego a gente tem? - questionou Van de Oliveira.
- É questão do capital inicial. Dois ou três assaltos bem sucedidos, a bancos, podem lhe render o necessário para a aquisição daquela vagazinha esperta, nas tetas públicas, que lhe garantirá bons anos de vida mansa.
- Os caras não querem nem saber se o dinheiro vem de assaltos, tráfico de drogas, de armas, fraudes nas licitações ou violação de correspondência. Uma coisa é certa: pagando o preço você terá o número de votos necessários para 4, 8, dezesseis ou mais anos da boa vida das sinecuras - asseverou Dina Mitt reforçando as palavras do Kol da Mumunha ao desalentado Van Grogue.
No gabinete do vereador Fuinho, Jarbas, o caquético testudo, depois de anunciado pela secretária, entrou esbaforido:
- A polícia federal quer saber sobre a licitação da ponte que fizemos e entregaremos agora neste ano de eleições. Tem um inquérito imenso que vai ser mandado ao ministério público.
- Não dá em nada. Todos tem um preço. De metrô, de trem, pontes ou viadutos, violação de correspondência, tudo pode se arranjar - garantiu o Fuinho calejado pelos anos de vida burocrática.
Enquanto os dirigentes da cidade confabulavam mais sobre seus interesses, do que os dos próprios eleitores, a conversa corria solta no bar do Bafão.
- Você acredita que os caras acham ruim quando a gente fala que eles são dispensáveis, ou que recebem muito dinheiro, pra não fazer nada em troca? - questionou Donizete Pimenta a Van Grogue, Dina Mitt, Kol da Mununha e ao Bafão que lavava os copos.      
- Eles me perguntaram um dia, porque eu não me candidatava - contou Kol. 
- Você tem que ser bem lazarento. Com o devido respeito, é claro - emendou Van de Oliveira. 
- Nem tanto. Nem tanto - corrigiu Donizete  - mas tem de ter certa maleabilidade com a corrupção alheia; é preciso vocação - ensinou. 
- Não acho errado o sujeito levar algum por fora quando isso não prejudica o povo - disse Dina Mitt.
- Pode até ser. Geralmente quase ninguém acha falta - reforçou Donizete Pimenta - Mas segundo eu soube o eterno vereador Fuinho Bigodudo voltará pra sua terra natal. Ele está com os bolsos cheios. 
- Vocês querem mesmo saber da verdade? Eu acho que o que falta é vergonha na cara dessa gente. Falta coragem pra enfrentar esses canalhas nas urnas - desafiou Van Grogue.
- Os caras compram, eles pagam preços altíssimos. Não tem como ganhar deles - garantiu Dina Mitt.
- Dizem que quem nasceu pra couve não chega nunca a sibipiruna - filosofou Bafão.
No gabinete Fuinho Bigodudo e Jarbas recebiam o deputado Tendes Trame que vinha falando sobre a tia Ambrozina.
Depois de muita lengalenga e combinados sobre os próximos lances do jogo que lhes mantinha o poder e a fortuna, os membros do grupo de senhores coronéis dominantes resolveram sair. 
A bordo do carro oficial, distinguido com as placas do poder legislativo e, dirigido pelo motorista oficial da casa, eles  rumariam para a capital onde se encontrariam com o governador do Estado. 
Ao passarem defronte ao bar do Bafão, Tendes Trame, que seguia sentado no banco do carona, ao lado do motoista, pediu para que ele parasse. 
- Quero comprar um Holls Mentho Lyptus - afirmou o deputado com a voz suave, quase feminina.
No boteco a conversa prosseguia mas o pessoal estranhou quando aquele carro preto, com placas oficiais, estacionou defronte ao estabelecimento. 
Tendes Trame assutou-se quando ao pisar na soleira do bar todos os que estavam presentes abandonaram rápidos,  os locais em que se encontravam. 
- Estranho... - conluiu  o deputado, enfiando a mão no bolso,  fazendo em seguida o seu pedido. 

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publicado às 18:24

Projetos

por Fernando Zocca, em 04.03.14

 

O vereador Ely Chir, também conhecido como "boquinha de chupar ovo", alçou o dedinho indicador da mão direita acima da cabeça e disse com voz aguda, naquela noite de segunda-feira, no plenário da câmara municipal:

- Pela ordem, senhor presidente!

Fuinho Bigodudo, que presidia a sessão, levantou os olhos da maçaroca de papeis que manuseava e, olhando por cima do aro dos óculos, consentiu:

- Pois não vereador boquinha... Digo, doutor Ely Chir. Vossa excelência tem a palavra.

- Senhor presidente... Nobres pares componentes desta honrada casa de leis: gostaria de consignar os meus protestos contra a rejeição do meu projeto de lei que revogava essa tal da gravidade. Todos sabemos que a nossa cidade carece, há muito, das modernidades. Nós já adentramos ao século XXI e, segundo tenho ouvido, pelos lugares por mim frequentados, que a nossa querida urbe não passa mesmo de uma simples e mera província. Em decorrência deste gravame venho propondo a modificação das leis, pois sei que é uma forma de mudarmos a ordem das coisas e com isso trazer, se possível, o progresso para nossa cidade e nossa gente. 

- Um aparte, nobre vereador! - interrompeu Zé Cíliodemorais o mais antigo proprietário do Diário de Tupinambicas das Linhas, também promovido, pelo voto popular, a vereador.

- Pois não, vereador. Tem o aparte - respondeu Ely Chir ajeitando os microfones da sua tribuna.

- Particularmente sou testemunha do seu empenho em trazer a modernidade para a nossa terra. Tenho visto a sua luta incansável em prol dos cachorros e cadelas abandonados nas ruas da nossa cidade. Soubemos que Vossa Excelência cuida também dos gatos e isso nos honra muito. Entretanto considero essa questão da revogação da lei tão antiga como um equívoco. Não sei se isso seria possível. Talvez não seja da nossa competência...

- Questão de ordem senhor presidente! - manifestou-se a vereadora Dina Mitt Pacheco - Senhor presidente, temos informações do nosso departamento jurídico que essa matéria só pode ser legislada pela assembleia estadual. Nós enquanto município, não dispomos da legitimidade para ordenar esse tipo de matéria. 

- Perfeitamente... - concordou o presidente Fuinho Bigodudo - Mas queira prosseguir com a sua manifestação o nobre vereador Ely Chir.

- Muito obrigado, senhor presidente.  Mas como dizia eu... Realmente, creio que essas leis antigas e já ultrapassadas deveriam ser revogadas e erigidas outras em substituição. Com isso, é inegável, que a nossa cidade e o nosso querido povo se inseririam no mundo moderno. 

- Um aparte, nobre vereador! - pediu Billy Rubina erguendo o braço direito.

- Pois não, nobre colega.

- Não creio que seja sensato esse projeto de revogar a lei da gravidade. Entretanto, se é para o bem de nossa cidade e para a melhoria do nosso povo, apesar de o nosso jurídico informar que a competência não seja nossa, vossa excelência tem o meu apoio. 

- Muito obrigado, nobre edil. São com essas atitudes que a nossa casa de leis se engrandece. Mas, conforme eu dizia a rejeição, deste meu projeto, com certeza, resultará na manutenção do atraso da nossa querida terra. Mesmo assim gostaria de agradecer a todos os que nos deram o seu apoio. Muito obrigado senhor presidente.

- Pois não. Passemos agora à discussão do projeto de lei número 01081767 de autoria também do vereador doutor Ely Chir que trata da substituição de todas as subidas da cidade, e da manutenção somente das descidas. Projeto em discussão.

- Pela ordem senhor presidente - levantou-se Charles Brochon o funileiro marreta de ouro, mais importante da cidade.

- Pois não vereador. Com a palavra o professor Charles Brochon - sentenciou o Fuinho, pensando já nos momentos de chateação.

- Senhor presidente, nobres vereadores, vereadoras, senhores eleitores aqui presentes e também os que nos acompanham pela rádio e televisão Tupinambiquense: em que pese a relevante importância deste projeto inusitado do nobre colega Ely Chir temos para conosco que seria de grande desfavor para a nossa cidade a supressão de todas as subidas das ruas da nossa terra. Vejam que se mantivermos somente as descidas, como nossos velhinhos e velhinhas praticarão seus exercícios físicos eficientes tendo como opção somente a moleza das decidas? Percebam que a aprovação deste projeto porá em risco, inclusive, os planos terapêuticos dos nossos ilustres cardiologistas e seus consultórios especializados.

- Questão de ordem, senhor presidente - manifestou-se a vereadora Dina Mitt Pacheco - Não vejo porque a supressão das subidas da cidade comprometeria a terapêutica dos nossos cardiologistas, uma vez que há aparelhos que simulam essa condição geográfica. Entretanto seria bastante equivocada a aprovação deste projeto uma vez que sem subida não haveria também as descidas. Ora, como o nosso executivo manteria somente as descidas se suprimidas forem todas as subidas? Elas são inerentes. Sem uma não há a outra. Não sei se fui bem compreendida. 

- Perfeitamente, nobre vereadora - completou o Fuinho Bigodudo - Como ficariam as nossas enxurradas, não é verdade?  Mas prossiga nobre vereador Charles Brochon.

- Sim, meus queridos pares. Há também a questão dos carrinhos de rolimã. Já imaginaram as nossas crianças sem a possibilidade de praticarem as corridas com os carrinhos de rolimã? Encerro por aqui a minha manifestação. Muito obrigado.

- Com a palavra o autor do projeto, o doutor Ely Chir - disse o Fuinho.

- Senhor presidente, senhoras vereadoras e vereadores aqui presentes, povo que nos acompanha pela rádio e TV desta nossa querida cidade: só tenho a dizer que me sinto insuficiente para, por meio das leis, trazer o progresso a nossa urbe. Procuro formas de proporcionar a inserção da nossa gente no mundo civilizado, mas por mais que eu faça vejo que não consigo. Sem a aprovação percebo que meus esforços tornam-se inúteis para a condução do nosso povo a um mundo melhor. Tenho feito isso tudo, mais em resposta a todos aqueles que dizem que nós vereadores recebemos fortunas mensais para não fazer praticamente nada durante todo o tempo da nossa gestão. Vejo que a rejeição destes meus projetos confirma a tese de que nós fomos eleitos para não fazermos nada. Devemos permanecer silentes e imóveis. Nada do que possamos fazer mudará a situação do nosso povo. Por isso peço que em votação rejeitem esse nosso projeto 01081767. 

- Em votação o projeto de autoria do vereador Ely Chir que suprime todas as subidas da cidade. Sentados rejeitam. Em pé aprovam. Rejeitado o projeto.

Encerrada a sessão, no saguão da câmara municipal, com o semblante cansado, mas feliz, Ely Chir comentava os acontecimentos com Van Grogue que aparecera para cumprimentá-lo:

- A gente fazemos o que podemos, não é verdade?

- É sim, meu amigo. Quem faz o que pode, a mais não é obrigado. Vamos tomar uma gelada no bar do Bafão? - perguntou serenamente Van de Oliveira Grogue. 

 

 

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publicado às 09:35

O carão intumescido

por Fernando Zocca, em 29.12.12

 

Van de Oliveira Grogue parou seu fusca branco defronte ao Bar do Maçarico e sem dizer qualquer palavra acomodou-se numa das mesas ao fundo.


Dina Mitt chegou logo em seguida, olhou ostensivamente para o fusca velho, parado longe da guia, e entrou no boteco pisando com o pé direito. Ao ver o colega macambuzio com o rosto inchado perguntou-lhe:


- Van, é verdade que você vai ter de retificar o cabeçote?


Para não responder com palavras de baixo calão, Van Grogue olhou pro Maçarico, e com um gesto pediu-lhe cerveja.


Dina Mitt sentou-se numa cadeira ao lado do colega perguntando-lhe em seguida:


- Por que a cidade está cheia de lixo? Já faz mais de trinta dias que não passa o caminhão pra recolher, e veja a situação da cidade. Ela apodrece.


- Isso é culpa do caquético testudo. Ele não foi reeleito e em represália, não renovou o contrato com a empresa terceirizada que recolhe o lixo.


- Estamos cercados por tanta sujeira. – observou Dina.


Maçarico que estava atento à conversa, ligando o rádio e aproveitando a deixa, entrou na roda:


-         Li ontem a notícia, no Diário de Tupinambicas, que o sucessor do caquético vai fazer uma pista nova no aeroclube.


-         Mas aquele sítio só tem aeromodelos. Como é que pode?


-         O quê? Aeromodelo? – Maçarico mostrou-se indignado. – Eu já vi muito Teco-Teco decolar e pousar no aeroporto. Não brinca não. Num domingo teve até bimotor voando por lá.


-         O caquético não estava com câncer? – indagou a Dina, mudando completamente de assunto.


-         Estava, mas sarou. Eu li a notícia no jornaleco da cidade.


-         Como ele sarou? – quis saber a pinguça.


-         Tomando chá de ipê roxo. – concluiu Maçarico.


A tarde transcorria dessa forma na pacata e distante Tupinambicas. O pouco movimento que se percebia nas ruas era creditado aos latifundiários, grandes proprietários de canaviais extensos, alimentadores das usinas de açúcar e álcool da região.


O comércio, bastante fraco, não suportava grandes empreendimentos. A prestação de serviços limitava-se a poucas oficinas mecânicas encarregadas da manutenção do maquinário dos usineiros.

 

Não havia motivos econômicos para que os grandes bancos se instalassem numa economia tão modesta. Tupinambicas das Linhas mirrava. Fenecia.


Mas no jornal e nas rádios o prefeito (comprometido com a ética) pavoneava-se contando loas.


Apesar de tudo muitos criam que Tupinambicas nunca deixaria de ser o eterno fim da linha que sempre foi.

 

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publicado às 20:58

Jogando a Bituca Fora

por Fernando Zocca, em 05.10.12

 

 

Quem já passou algum tempo em cidade pequena sabe que, às vezes, a única diversão que os moradores têm é a praça. E Tupinambicas das Linhas não era diferente.

No sábado, logo depois do Jornal Nacional, Van Grogue caminhando bem devagar, aproximou-se do pessoal reunido sob a marquise do Banco da Colônia.

- O que é que é? Já tá com mal de Parkinson, você também? - desafiou Dina Mitt, aspirando profundamente a fumaça da bituca do cigarro barato.

Van apresentou-lhe o dedo médio da mão esquerda, enquanto sentava-se no banco verde maltratado.

- Percebo que o embarangamento já se avizinha. - resmungou Grogue com voz cansada.

- Ta vendo, sua besta? O tempo escorreu-lhe pelos dedos. - decretou Dina emitindo um sorriso de satisfação.

- Deixa disso Dina. O Van é gente boa. Não precisa pegar desse jeito no pé do pobre. - pediu Pery Kitto com voz de quem sentia compaixão.

- Pobre nada... Essa carniça tem herança pra receber. O avô dele bateu as botas e deixou uma casa enorme pra ele.

- E o que é que você tem com isso? - quis saber Donizete Pimenta, depois de pigarrear.

- O que eu tenho é um crédito com ele. O safado não paga ninguém. Vive andando de um lado pro outro, no quarteirão da casa dele. Trabalhar, mesmo que é bom, nada. Nadica de nada.

- Quem te deve não sou eu. Foi meu pai que fez o furdunço. Eu não tenho nada com isso. - defendeu-se Van Grogue.

- Não ligue pra essa mulher, meu querido Van de Oliveira. Todo mundo sabe que ela está a serviço do Jarbas o energúmeno. - declarou Zé Cílio Demorais, ajeitando a mecha de cabelos que lhe caia pela testa.

- Na verdade essa fulana aí recebe como assessora parlamentar do Fuinho Bigodudo. É por isso que ela vive a te desancar. - corrigiu Billy Rubina, ao rodar o anel de cristal, no dedo mindinho da mão esquerda.

- Nada a ver. Eu sou aposentada do INSS. Já faz quatro anos. - explicou Dina Mitt, jogando a bituca fora.

- Veja você como funciona a coisa. A cidadã trabalha dois anos, recolhe as contribuições por 24 meses e já se aposentou há quatro. - criticou Zé Ciliodemorais.

- É com gente assim que o instituto vai a pique. - concluiu Donizete.

- Van, você está na minha lista; não vai ter um minuto de sossego. Vou infernizar a sua vida. - ameaçou Dina Mitt.

Enquanto a mulher maldosa se levantava pra deixar, esbravejando, a reunião, um Camaro amarelo, aproximando-se lentamente, parou defronte ao grupo. O condutor baixou lentamente o vidro da janela do carona, quando então pòde ouviu as últimas palavras da perigosa Mitt.

O pessoal todo ouviu a voz feminina forte que veio lá de dentro:

- Dina Mitt, sua retardada!! Eu perdoei a dívida que você tinha comigo. Por que você maltrata assim o seu devedor? - era a vovó Bim Latem que, saindo abruptamente do veículo, avançava em direção da algoz.

O pessoal reunido encolheu-se todo ante a bravata da mulher. Ouviu-se um cochicho logo abafado pelo medo que predominou:

- Hum... É a vovó Bim Latem. Misericórdia!

Naquele momento, Dina Mitt apertando-se pra não molhar as calças, percebeu que a sua alucinação persecutória poderia cessar.

 

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publicado às 01:12

Acesso de Tosse

por Fernando Zocca, em 24.09.12

 

 

 

 

Dina Mitt trajando uma camiseta amarela, bermuda azul e chinelos verdes, entrou no bar do Maçarico onde Van Grogue, sentado à mesa de canto, bebia a sua segunda cerveja.

- Você não é vassoura, mas também vive encostado, hein colega? - disse a mulher depositando sobre o balcão o maço de cigarros e o isqueiro verde.

Pery Kitto, Edgar D. Nall, Billy Rubina e Donizete Pimenta, que também degustavam as cervejas geladíssimas, gargalharam à solta. 

- É preciso ter alguma altura pra falar comigo. Altura intelectual, espiritual e abastança material. Você é muito baixa. Assim não dá. Assim não pode. - respondeu Grogue ingerindo um gole da bebida.

- Sou baixa, mas tenho meus poderes. Não brinque comigo. Gosto de botar ladrões, principalmente de herança, na cadeia ou no sanatório. Se não pego o pai, pego o filho.

Maçarico, percebendo que poderia nascer ali uma discussão prejudicial aos negócios, tratou logo de esfriar os ânimos.

- Dona Dina a senhora sua mãe melhorou? Ela estava com o diabetes alto, não é isso?

- Melhorou sim Maçarico. Eu fui ontem na agência do INPS e marquei uma consulta. O doutor atendeu e ela já está medicada.

- Vaso ruim não quebra. - Resmungou Van Grogue lá do fundo.

- Você é filha única. Sua mãe, já bem idosa, é dependente. E você não se preocupa com a própria saúde, frequentando os bares da cidade? - Quis saber Maçarico tomado por uma estranha onda de compaixão.

- Que nada, minha mãe é forte pra caramba. Ela manda arrancar os dentes sem anestesia. Me dê uma cerveja.

Dina acendeu um cigarro, pegou a garrafa, o copo e caminhou em direção à mesa vizinha a de Grogue.

- É verdade que você foi professor Van? - perguntou ela ao sentar-se.

Van percebendo que a mulher começaria outra das suas sessões de menosprezo pensou que se falasse algo enobrecedor da sua pessoa, talvez amenizasse a gozação daquela figura chata.

- Hã-hã. Fui professor sim.

- Você dava aula do quê? - quis saber a inquiridora.

Sentindo a angustia de quem se vê acuado Van soltou:

- De português.

- De português? Eu não acredito!! - Disparou Dina Mitt com uma sonora gargalhada.

- É verdade. - garantiu Van Grogue, meio sem jeito.

- Então conjugue pra mim o verbo ver. Se acertar eu pago as cervejas que você bebeu hoje. - Desafiou Dina.

Apesar de estar já embriagado, Van não deixou de sentir um desconforto terrível, com a provocação daquela maldosa.

- Eu olho, tu olhas, ele olha. Nós olhamos, vos olhais, eles olham.

Maçarico, que bebia um café, engasgou e teve um acesso de tosse. O pessoal todo, em silêncio, voltou-se para Grogue olhando-o fixamente. 

- Está vendo com são as coisas? O cara não sabe nada e ainda ganhou do estado pra ensinar tudo errado. - Concluiu Dina.

- Mas eu acertei a resposta. Você me deve as cervejas. Ver e olhar são a mesma coisa. - Argumentou Van.

Maçarico, mais uma vez, percebeu que iniciaria ali uma daquelas polêmicas tremendas, que poderiam terminar em ações extremamente prejudiciais, à integridade dos objetos do botequim.

- Para tudo. Vamos fazer uma enquete aqui e agora. Quem acha que a Dina Mitt deve pagar as contas do Grogue levanta a mão.

Todos os presentes olharam-se espantados com a atitude inusitada do proprietário do estabelecimento. Mas, falando muito mais alto, "o espírito de corpo” fez com que a desafiante Dina Mitt pagasse, mais uma vez e sem discussão, as despesas do desafiado.

24/09/12

 

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publicado às 17:27

A Pizza de Alice

por Fernando Zocca, em 11.09.12

 

 

Van Grogue saiu do bar do Maçarico naquela noite de terça-feira e, caminhando pelas ruas de Tupinambicas das Linhas, ele pensava em achar um local que lhe pudesse servir algo amenizante da fome estranha que sentia.

Ao entrar na pizzaria O Pescador ele consultou o bolso disfarçadamente dizendo logo em seguida:

- Uma de alice.

O pizzaiolo, todo enfarinhado que rodava, no dedo, a massa fina circular sobre a cabeça, apontou com o queixo a mesa em que Grogue deveria sentar-se.

Van acomodou-se. Tentando controlar a sensação de mal-estar que lhe causava aquela situação nova, ele buscou olhar para cima, para os lados e para baixo, enquanto tamborilava na mesa.

Ao dirigir o olhar para um dos cantos da pizzaria, ele viu um rato graúdo que, saindo rapidamente do banheiro, esgueirou-se pelo rodapé, enfiando-se debaixo do tablado, sobre o qual trabalhava o pizzaiolo. 

A rapidez com que o bicho passou não impediu que Grogue se lembrasse daquela pelagem suja, do rabo comprido nu e dos guinchos que o tal emitia.

Um conflito terrível instalou-se no pobre Grogue: a fome ou o nojo, a atração ou a repulsão, prevaleceriam no seu espírito, naquele momento decisivo?

Van sentiu uma dor forte no ombro direito. Ao massagear a região ele pensava se valeria a pena ou não degustar, naquele instante, a pizza de alice.

A lembrança da ratazana suja e dos males que ela poderia causar, não só aos clientes, mas a toda pizzaria, provocou-lhe a sensação de medo e asco. Um sofrimento indescritível apoderou-se dele. Grogue padecia, e muito.

Talvez fosse melhor deixar, para outra oportunidade, a apreciação do acepipe.  

 

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publicado às 12:20

As Tranças

por Fernando Zocca, em 28.08.12

 

 

Sentado sozinho a uma mesa isolada do bar, Van Grogue comia pastel com sorvete.

- Ficou maluco? Ô Grogue, que mistura é essa? - Indagou irônico o Adan Molly que chegava bem entusiasmado ao botequim.

Van  levantou a cabeça e, envergonhado respondeu:

- Você também vai ralhar comigo?

Molly voltou-se para o Maçarico que, alisando o tampo do balcão com um guardanapo, e apontando o Grogue com o queixo, girou o indicador da mão direita na altura da fronte. Quando Molly se aproximou o dono do boteco sussurrou-lhe:

- Depois que disseram que o bilau dele parece sorvete, que quando esquenta amolece, ele ficou assim, meio jururu.

- Que mico hein Maça? - gracejou o Adan.

- Uma verdadeira estilingada no bom-senso.

Adan Molly pegou a garrafa de cerveja e o copo que lhe dera o  Maçarico e caminhou em direção à mesa do Grogue perturbado.

- É verdade que te internaram num manicômio Van?

- Hã hã. - respondeu, envergonhadíssimo, o mais famoso pingueiro de Tupinambicas das Linhas. Então ele continuou:

- Tinha um enfermeiro lá dizendo que ia injetar gás na minha cabeça só pra tirar um raio X. É mole? Ele era malvado. Amarrava-me na cama e punha um soro no meu braço que me fazia sofrer muito.

- Mas por que ele faria mal pra você? - Quis saber o Adan Molly.

- Vingança. Eu fiquei devendo alguns meses de aluguel para outro enfermeiro que era primo dele.

- Nossa! Impressionante. Como é que você descobriu isso tudo?

- Sabe aquela borracha que se usa pra amarrar o braço quando se tira a pressão da pessoa? - continuou o Van choroso.

- A tripa de mico?

- É essa mesmo. Então… O cara esticava e soltava a borracha contra os meus braços e as minhas costas; era cada borrachada que eu vou te contar; doía tanto que eu tinha de sair correndo.

- Mas quem era o enfermeiro? - perguntou Adan Molly bebendo com satisfação a cerveja geladíssima.

- O que me agrediu eu não conhecia. Mas aquele de quem aluguei a casa tinha sido condenado por homicídio. O cara ficou preso durante dois anos. Ele fez um aborto numa empregada doméstica que morreu.   

- Mas por que você alugou a casa justamente do assassino? - indagou Adan Mollly.

- Porque eu não sabia.

- E essa história do bilau?

- É brincadeira. Sou macho pra caramba.

- Será?

Depois que tomou o sorvete, comeu o pastel e ouviu do Maçarico a resposta negativa, para a sua indagação sobre a existência de peixe frito pra vender, Van pagou a conta e saiu do bar.

Ele permaneceu parado no ponto de ônibus por pouco tempo. Grogue entrou no coletivo, pagou a passagem e preguntou ao cobrador se aquele carro passaria defronte ao zoológico.

- Pergunte para o motorista. - respondeu com rudeza, o cobrador.

Grogue então, por causa do ruído do motor, falando em voz alta ao motorista, quis saber se ele pararia perto de um ponto, próximo ao zoológico.

Van desceu e andando duas centenas de metros chegou ao jardim zoológico onde viu a águia, o leão, e o burro.

Depois, caminhando de volta ao ponto de ônibus, viu de longe, que já havia um parado ali.

Ao entrar no coletivo ele notou um pedaço de papelão deixado sobre o primeiro degrau. Não muito distante o motorista falava ao celular:

- Gritou sim. Gritou feio com um colega nosso.

Van desconfiou que aquilo não deixava de ser mais uma trança que se formava à sua passagem.

28/08/2012

 

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publicado às 13:03

O Auto da Comadre Cida

por Fernando Zocca, em 23.07.12

 

Minha amiga Cida, naqueles idos de 1962, ali em Tupinambicas das Linhas, era ainda uma adolescente. Apesar de ter os pais supersticiosos, ela não chegou a se tornar igual a eles. Seu objetivo, logo que se conheceu por gente, foi o de estudar e tornar-se uma grande doutora.


Ela tinha alguns conceitos que se não fossem científicos, seriam bem inusitados. Um deles considerava que: “O barulho é sinal da desorganização, doença. A saúde reflete-se na paz e harmonia existentes entre os órgãos”.


Quando ouvi aquele enunciado, lembrei-me de imediato, duma colega nossa, a não menos conhecida Rosalena, a pingueira dos infernos, que vivia cantando loas sobre sua capacidade indutora dos suicídios de parentes desafortunados. O último deles pendura-se numa das treliças sustentantes daquelas telhas quentes de amianto.


Pude então confirmar que o desequilíbrio emocional produzia barulhos horríveis. Talvez Rosalena, a danada, assim o fizesse colimando espantar, da sua consciência, os fatos criminosos que jamais desapareceriam.


Um cunhado daquela mocréia, verdadeira tribufu, ocupava o cargo de influência relevante no Ajuntamento Comercial da cidade; era seu presidente. E como eles todos se engajaram, naquele ano, na campanha que visava eleger o Rei Momo prefeito de Tupinambicas das Linhas, não havia nada mais lógico do que espalhar, entre os comerciantes da localidade, maus conceitos e enganos sobre seus desafetos e adversos.


O presidente do Ajuntamento Comercial chegava às raias do êxtase quando sabia que o adversário perseguido, adquiria equipamentos obsoletos, no comércio local, pagando preços dos de última geração. Aqueles engodos todos eram combustíveis pra muito escárnio e apoucamento.


Quando estava louca, possessa, ou tomada pelo demônio, Rosalena, que se formara saca-molas, andava pela casa, cuspia, e ameaçava as demais pessoas da família, com a morte. Numa ocasião, demonstrando forças incríveis, atirou o sofá, que era pesadão, na janela do apartamento, quebrando seus vidros.


Meio macho, a mulher só sentia-se bem jogando a charqueada, que nada mais era do aquele jogo, cujo objetivo principal é o de deixar os adversários sem dinheiro.


Por ser Tupinambicas das Linhas notoriamente conhecida como a área em que existiam muito mais loucos, por metro quadrado, do que todas as demais regiões do Estado de S. Paulo juntas, não me impressionei muito com aqueles eventos todos. Consolei-me.


A mãe de Rosalene foi uma velhota pimpona, daquele tempo ainda em que, para transporte, utilizavam-se os animais de tração. Naquela época o uso das carroças e bondes, era bem mais moderno, confortável e chique do que as caminhadas a pé.


Dos inconvenientes consistia o fato de que os animais faziam cocô nas ruas e, depois que aquele esterco todo secava, sob a impulsão dos ventos, liberavam partículas voadoras que assentariam dentro das casas dos habitantes, impregnando-lhes as roupas, alimentos e os pulmões.


Esse fenômeno explicou-me a causa da aversão que a velhota, e algumas coetâneas suas, tinham pelos ventos.


Quando Rosalene estava sob os efeitos do álcool não adiantava desejar explicar-lhe que leitão não era um leite grande. E também não adiantava demove-la de sugestionar as pessoas com base no número dos dentes que elas ainda tinham na boca.


Depois que ouvi Rosalene dizer, pra mais duma centena de pessoas, que o cemitério era o único lugar onde havia melhor qualidade de vida ali em Tupinambicas das Linhas, achei que ela estava exagerando e que passava dos limites.


Pude perceber que a largada já não estava bem da cabeça quando repetia, diante das cobranças que lhe faziam, as frases “nem ligue” e “deixe quieto”.


Tive certeza que ela enlouquecera quando soube ter mandado matar o próprio marido. Ela contratara dois pistoleiros que, numa emboscada, atiraram no sujeito; não o mataram por um triz.


Descontente com o fracasso, a maníaca mandou que atirassem nele uma granada. Deveriam atingi-lo quando fosse buscar o filho do casal ali na escolinha.


As ocorrências não pararam por aí. Os rebus foram estonteantes. Porém isso meu amigo, minha amiga e senhoras dona de casa, já são temas pra outras novas e belas histórias.


 

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publicado às 15:24

As Sementes de Tomate

por Fernando Zocca, em 04.07.12

 

 

Van de Oliveira Grogue, Zé Cílio Demorais e Ary Ranha estavam, na tarde de quarta-feira no bar A Tijolada, legitima propriedade do Maçarico, degustando a primeira cerveja, quando Van, olhando de repente, pra porta de entrada disse quase gritando:

- Ih, fica quieto. Para tudo!

- Nossa! O que foi Grogue. Está louco? Você assusta a gente, desse jeito pombas! - queixou-se o Zé Cílio, proprietário do Diário Tupinambiquense.

- Ah... Para com esses chiliques. Ô Grogue, manera aí caramba!!!!! - ralhou Ary Ranha.

- É o bi. - disse em voz baixa o Grogue, depois de levar a mão direita em concha a boca.

- Que bi? - inquiriu Ary Ranha. - Bimotor?

- Bivolt, bissexual? - quis saber o Zé Cílio.

- Não, seus burros. É o Bily Rubina, chefe do gabinete do Jarbas. Ocupa o lugar da vovó Bim Latem. Dizem que ele está namorando a irmã do Donizete Pimenta, o boca de porco, e que está meio pancadão.

- Imagina! - disse Maçarico entrando na conversa. - O cara está legal, só exagera um pouquinho demais da conta nas biritas, nada mais que isso.

- Mas, me diga... Quem é mesmo essa vovó Bim Latem? - quis saber o Ary Ranha.

- É só você que não sabe, ô Ranha do inferno. - gritou Maçarico lá do fundo, onde tinha ido buscar mais garrafas de cerveja.

- A vovó Bim Latem foi a criadora do primeiro homem bomba tupinambiquense. - informou o Zé Cílio Demorais. - Nosso jornal fez várias matérias sobre o assunto. Está tudo documentado.

- É sim, seu zé arruela, saiba que o jornalismo é o rascunho da história. - afirmou Van Grogue, olhando o Ary bem nos olhos.

Enquanto confabulavam, Bily Rubina, caminhando lentamente, aproximava-se do grupo.

- Eu quero saber quem é o lazarento que tá espalhando pra cidade inteira que a polícia apreendeu os computadores do gabinete! - intimou o Bily, que chegava bufando feito uma maria-fumaça.

- Aqui ninguém mexe com política. - defendeu-se Van de Oliveira.

- Eu nem sabia que tinha polícia na cidade. - reforçou Ary Ranha. - Meu pai alugava uma casa pros "home", que faziam escuta telefônica e invasão de computador, de uns vizinhos, uma certa ocasião. Mas isso faz muito tempo. Naquela época meu pai bebia muito. Eu nem sei. Mas e daí, Bafão a polícia está investigando o Jarbas?

- Está nada. Esses bocudos inventam cada uma que eu vou te falar. Não é fácil, viu?

- O que é que vai ser seu Bily? - quis saber o Maçarico segurando uma garrafa de 51.

- Me dê um Campari.

Zé Cílio, Ary Ranha e Van Grogue entreolharam-se surpresos. Maçarico procurou na prateleira uma garrafa da tal bebida. Ele sabia que tinha, mas não lembrava onde a guardara. Por demorar mais tempo na localização, recebeu a solidariedade dos fregueses, que o ajudavam, olhando também as garrafas enfileiradas mais no alto.

- Serve Menta? - arriscou Maçarico sem muito ânimo para as procuras demoradas.

- Lá em cima. Estou vendo. Aquela ali com o rótulo amarelado. - Gritou Ary Ranha apontando o objeto.

Enquanto todos permaneciam atentos na busca do pedido do Bily, entrou no recinto a Luísa Fernanda ostentando todo o seu charme contido naquele 1,64m de altura.

- Seu Maçarico! Tenho pressa. Quero um litro de leite, um maço de cigarros, cinco filões e 500 gramas de mortadela. Por gentileza, quero ser atendida o mais rápidamente possível. Meu marido o Célio Justinho está nervosíssimo. Ele deu até um pontapé violentíssimo na Magna, a nossa cadela de estimação.

Os homens pararam e olharam a figura estranha, que desejava ser atendida, antes mesmo do que todos os que chegaram primeiro.

- Mas, como eu estava dizendo... A polícia não encontrará nada de errado na prefeitura. - disse o Bily Rubina procurando reatar a conversa.

- Ah, mas o Jarbas é um poço de honestidade. - garantiu o Zé Cílio Demorais. - E olha, não digo isso só porque a prefeitura publica frequentemente, editais imensos no Diário. O cara é caxias mesmo.

- O quê? Jarbas não tem culpa no cartório? - reagiu indignada a Luísa Fernanda. Pois saibam que eu e meu marido Célio Justinho fizemos a maior queixa contra esse homem. Ele será cassado. Quem viver verá. Ninguém pinta como eu pinto. Alguém aqui pinta do jeito que eu pinto? E a minha mortadela? Sai ou não sai... Caramba!

- Mesmo que mal lhe pergunte, minha nobre senhora: o seu Célio ainda tem aquele teclado velho? - perguntou à meia voz, o Van Grogue.

- Deve estar naqueles dias. - cochichou Ary Ranha pros amigos.

- O senhor prefeito não tem nada a temer. Saiba a senhora e seu marido também. O seu Célio Justinho é um gerente bancário que vive tentando tirar, de ouvido, o hino do Corinthians, que eu bem sei. - afirmou, com voz empolada, o Bily Rubina.

Num ataque de fúria incontida, Luísa Fernanda não esperou para pegar as coisas que havia pedido. Soltando vários palavrões, ela saiu do bar pisando firme e sem olhar pra trás.

Quando passou a pé, defronte a casa do Maçarico, ela tirou, de uma pequena bolsa, um pacotinho de sementes de tomate; rasgando-o com muita violência, jogou todo o conteúdo - numa espécie de simpatia - no jardim da casa do comerciante, dono do boteco A Tijolada.

- E o doutor Silly Kone, o nosso querido psiquiatra, por onde anda? - quis saber o Zé Cílio.

- Ele vai ter muito trabalho. - garantiu Van Grogue.

- Com certeza. - confirmou o dono do botequim.






Mudando de assunto:

Você já viu o filme O Galo Corintiano?

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