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Jarbas o caquético testudo, quando prefeito de Tupinambicas das Linhas, afirmava que o vereador BCO (boquinha de chupar ovo), trabalhava mais na defesa dos interesses próprios do que na dos cidadãos que o elegeram.
Realmente, a mais recente estatistica publicada no combativo Diário de Tubinambicas das Linhas, informava que em 99% dos projetos do BCO, a motivação girava em torno da liberação dos anseios populares pelas festividades desbragadas.
Desta forma BCO (boquinha de chupar ovo) dedicava seu tempo mais às manobras que visavam - por exemplo - a derrubada das leis proibitivas dos ruídos depois das 22 horas, do que questionar os aumentos abusivos nas contas de água.
O caquético testudo, depois do expediente, numa reunião informal, no bar A Tijolada, em ato contínuo duma dose dupla de tequila, afirmou em alto e bom som, para todos os presentes ouvissem:
- BCO trabalha num projeto que pune com multa pesadíssima o cidadão que não deixa seu cachorro latir durante as madrugadas.
Billy Rubina que também estava no botequim, naquela noite, respondeu:
- Esse edil contratou um escritório de contabilidade só pra requerer a patente do churrasco de carne moída que ele inventou.
Durante o burburinho causado por essa declaração destacou-se a afirmativa de que "para fazer o que o Boquinha de Chupar Ovo faz, qualquer um faria, sem no entanto onerar os cofres públicos do jeito que ele onera".
BCO gostava de se vestir bem, com muito esmero. Numa reunião ordinária, da tal casa legislativa, ele apareceu trajando um vistoso terno listrado.
Sentado à sua mesa, no plenário, Fuínho Bigodudo, que já exercia o sétimo mandato, cochichou ao colega do lado:
- A lá... Tá vendo o terno novo? Depois da sessão vai direto pra casa da amante. Ele me disse que apesar do namoro parecer uma luta infindável de boxe, aqueles momentos com ela são impagáveis. O Zécílio Demorais sempre comentou que o BCO não é marceneiro, mas que também gosta de pegar no batente. Você acredita?
O Boquinha de Chupar Ovo achava que a função de vereador era a mais fácil forma de ganhar dinheiro, de vencer na vida, sem fazer força nenhuma.
Ele gostava de capoeira mas não sabia nem o que era um berimbau.
O deputado Tendes Trame considerava o BCO um tremendo trambiqueiro mentiroso, mas não podia fazer nada que o impedisse de concorrer às eleições.
Em busca da comiseração popular, da compaixão do povo, durante os momentos da vigência daquela certeza de que suas mentiras não surtiam mais o efeito, na manutenção da sua credibilidade no eleitorado, BCO simulou uma cirurgia cardíaca em que supostamente teria sofrido paradas cardíacas.
Parece que o engodo, divulgado a preço de ouro, nos jornais, rádios e TVs da cidade, causou o efeito desejado: o aporte de gente solicitando informações sobre seu estado de saúde encorajou-o a continuar com as patranhas.
Foi quando então a aquisição do terno novo listrado marcou o início da retomada do seu desejo de lutar por mais uma reeleição.
- Mas... E aquele voo de ontem a noite? Me conta, como foi? - indagava Dina Mitt ao atordoado Silly Kone.
- Eu já disse. Foi rápido, mas foi bom.
- Entre a decolagem e o pouso demorou quanto? Tipo 10 minutos?
- Imagina! Nem isso. Foi assim vupt.
- Mas e o preço da passagem? - indagava a curiosa Dina.
- Olha... Não é barato, não. Foi Caro, muito caro.
- Valeu a pena? Quis saber Dina.
- Você sabe... Quem não tem seus momentos de fraqueza?
- De otário, você quis dizer... - abusou a mulher.
- É... De otário. Fazer o quê?
- O pessoal anda comentando que até o Jarbas fez a viagem - arriscou Dina.
- Segundo o comentário lá no aeroporto, era o próprio prefeito que pagava os salários do pessoal de bordo. Sabe aquelas arrumações antigas quando o pai, um tio ou um outro parente qualquer, amigo do dono da empresa, combinava com ele a oferta de vaga de trabalho pro protegido, pagando todos os encargos?
- Sei. O dono do negócio tinha só que aguentar a figura por um determinado tempo lá no empreendimento - entendeu a Dina.
- Então... Por ter o Jarbas perdido a reeleição, não pode mais financiar o projeto. Então houve a dispensa. Mas o Tendes Trame se incumbiu dele mesmo arcar com todas as despesas trabalhistas desde que houvesse a continuação dos serviços de gueixa.
- Mas me conta mais. E os trabalhos de bordo? - Dina estava curiosíssima.
- Olha tem muita maquiagem, luzes coloridas, música ambiente, incensos indianos e uma certa ingenuidade - contou Silly.
- E bebida, rola?
- Você acredita que não? - disse o aventureiro - Mas uma coisa me chamou muito a atenção. Sabe coturnos? Há certa fixação por esse tipo de bota.
- Será que é fetiche? - Dina estava interessada.
- Sei lá pode até ser pé chato. Sabe bota ortopédica?
A bordo do carro oficial do poder legislativo, Tendes Trame, a caminho de Tupinambicas das Linhas, vindo de S. Tupinambos falava ao telefone.
- E aí, amansaram a fera? Como assim? Ele apareceu? Foi lá falar com a aeromoça? Não? Você sabe né Fuinho que neste caso, teremos mesmo problemas nas reeleições. O Jarbas já caiu fora. Você e o Zé Lagartto podem preparar a aposentadoria. Não existe competência nossa nem em divertir os descontentes. Assim, meu amigo, assim não dá, assim, não pode.
Ao desligar o celular Tendes Trame percebeu que estava no meio de um engarrafamento quilométrico e que perderia muito tempo parado.
No bar do Bafão Dina Mitt e Silly Kone prosseguiam a conversa.
- Eu saí de lá era bem tarde da noite. Não dormi nada. Muita tensão. Na portaria o zelador me chamou de rato pelas costas. Eu nem liguei. Vou fazer o quê? - choramingava Silly Kone.
- Mas você é um banana mesmo. Onde já se viu gastar uma fortuna daquelas em troca de melar a cara com maquiagem. Você é uma besta mesmo - sentenciou a Dina.
- Ih, por falar em besta, lá vem o Van Grogue.
Van de Oliveira entrou no boteco e foi logo pedindo uma cerveja.
- Mas, olha me dá daquelas que não têm a tampinha enferrujada, por favor, viu seu Bafão?
Indo à mesa onde estavam os colegas Van acomodou-se e foi logo dizendo:
- Vocês sabiam que o Jarbas está com AIDS?
- Hã? Como assim? - quis saber a Dina.
- É verdade. O comentário na rádio e no Diário de Tupinambicas das Linhas é que o ex-prefeito andava com uma sirigaita lá em S. Tupinambos, quando era prefeito e ela estava doente.
Dina Mitt olhando com expressão de compaixão para o Silly Kone disse suspirando.
- É meu amigo, parece que além de gastar o dinheiro, num voo ruim, você vai ter muitos outros problemas com que se preocupar, por muitos e muitos anos.
Van Grogue não era calçada portuguesa, aquela obra de arte feita para ser pisada, mas a população de Tupinambicas das Linhas cria que para ser feliz deveria melindrá-lo sempre.
Essa mania, de calcar o bêbado, nascera com a vovó Bim Latem a chefe de gabinete do prefeito Jarbas, o caquético testudo, espalhando-se ao longo do tempo e pela cidade toda.
Eu já lhes contei inúmeras passagens sobre a tal vovô Bim Latem. Ela era fã de Herivelto Martins e Dalva de Oliveira; quando entrou para o funcionalismo público – onde trabalhou durante cinco anos e já está aposentada há cinquenta -, comprou com o primeiro salário que recebeu toda a discografia dos artistas.
Por ter o Van Grogue uma desavença com Luisa Fernanda, Célio Justinho que envolveu também o prefeito Jarbas, o vereador Fuinho Bigodudo e o deputado Tendes Trame, a vovó Bim Latem desejou, com todas as suas forças morais, poderio econômico e tráfico de influência, que o tal pingueiro fosse morar numa barrica a ser instalada em qualquer rua da cidade.
Numa das reuniões que aconteceram ao redor da piscina de Luisa Fernanda e Célio Justinho, onde também faziam churrasco e ensaiavam as apresentações da Banda Funileiros do Havaí, a vovó teria dito sobre o futuro do Van de Oliveira:
- Vai morar na rua entre os cães; de lá “meterá o pau” em nós e em nossas obras administrativas. Quando ouvir um sino sentirá vontade de perambular pelas vias, becos e vielas. Esse catinguento terá muita sorte se alguém se compadecer dele e o tirar da sarjeta.
Apesar de todo esse sortilégio lançado contra Van de Oliveira, a justiça agiu antes, tendo descoberto falcatruas imensas nas licitações da prefeitura tupinambiquense.
Jarbas, sua mulher, Fuinho Bigodudo e até mesmo Tendes Trame, tiveram de explicar como conseguiram tamanho acúmulo de bens móveis e imóveis, com os salários modestos que recebiam.
Para muitos a carreira política desses senhores havia chegado ao fim.
Leia também
O Ensaio
Tupinambicas das Linhas não era a Líbia, mas também tinha o seu Muammar Kadaffi. Era o vereador Fuinho Bigodudo, conhecido como Muar Fuinho Bigodudo.
Da mesma forma que o ditador líbio insistia em não deixar o poder, mantido com injustiças e violência, o Muar Tupinambiquense também se negava a “largar o osso”, mantido com verbas substanciosas, aos comunicadores dependentes da cidade.
Mas na manhã de domingo, no bar do Maçarico, quando já degustava a cerveja gelada, com a barriga encostada no balcão, Gelino Embrulhano pôde notar a presença espalhafatosa do Omar Dadde que vestindo bombacha, chapéu de abas largas, bota de cano longo, camisa azul pavão e um lenço de cetim amarelo, amarrado no pescoço, entrou em cena declarando:
- Eu vou/Eu vou/Pra casa agora eu vou... – Dadde mal terminou sua mensagem matinal quando foi interrompido por Gelino Embrulhano, que falou ao Maçarico, em alto e bom som:
- Pronto! Acabou o sossego! O chato acaba de chegar.
- Mas, olha... Veja quem está aqui. É o sujeito mais mentiroso, enrolado e falso que a cidade já viu. – respondeu Omar Dadde, olhando irônico para o Maçarico.
E depois ainda, aproveitando o silêncio que se fez, por alguns segundos no botequim, Dadde continuou:
- Que mané chato, mano? Parece que não me conhece.
Gelino Embrulhano respondendo a pergunta defendeu-se:
- Onde eu estou você logo vem atrás. Parece boiolagem, tesão de argola; qual é a tua parceiro?
- O quê? Tesão de argola? Ocê tá louco Embrulhano? Eu sou é muito macho, meu chapa – indignou-se Omar Dadde. A cidade é livre, eu também sou. Por isso vou onde quero.
- A cidade pode ser livre e seus habitantes também – interviu Maçarico interrompendo a conversa entre os dois fregueses. Ele julgou que a rixa poderia descambar para a agressão física e o quebra-quebra.
- Ouvi um comentário que esse tal vereador Fuinho Bigodudo fez uma lei que proíbe o funcionamento de todos os bares e restaurantes da cidade, depois das 10 horas da noite. Ele instituiu o famoso toque de recolher.
- O quê? Ele fez isso? – perguntaram em uníssono os dois contendores.
- Fez sim. E se não me engano, o projeto de lei está no gabinete do prefeito Jarbas, pra ser aprovado – completou Maçarico, vendo que os birrentos esqueceram as hostilidades por alguns instantes.
- Isso quer dizer que ninguém mais poderá tomar seus birinaites nos bares, depois das dez horas da noite? – questionou Embrulhano.
- Mas isso é um absurdo! Vamos iniciar um abaixo assinado pedindo a cassação disse Fuinho. Ô Sujeito maldoso! Votar nele é a mesma coisa que adubar erva daninha – proclamou Omar Dadde brindando com um copo de cerveja que acabara de encher.
- Vamos depor esse Kadaffi tupinambiquense! – decretou Gelino Embrulhano.
A partir daquele momento Maçarico teve a certeza de que o bar e a sua própria integridade física, estariam assegurados.
- Olha, o que eu sei é que esse Van Grogue é meio louco, não dá pra confiar nele. – disse com firmeza o Pery Kitto jogando no chão um pouco de pinga, daquele seu segundo copo de cana, naquela manhã de sábado no bar do Maçarico.
Ernesto Mail que já bebericava a cerveja geladíssima, aproveitando a onda maledicente que se iniciava emendou:
- O cara corria atrás do pai armado com faca. Você quer o quê? As bocas de Matilde comentavam que quando esse demônio era criança xingava a mãe, porque lá na escola diziam que ele tinha a cabeça grande e era muito feio.
Maçarico ao perceber que a ventania iniciara, tirou do ombro o guardanapo branco e, alisando o balcão, na periferia do local onde os bebedores depositavam os copos, pigarreou ligando em seguida o rádio.
- Mas você não pode acreditar: no dia em que o E.C. 7,5 de Novembro ia jogar a partida do título, nós os mantenedores dessa honrosa instituição tupinambiquense, o famoso bar do Maçarico, combinamos uma caravana de torcedores do bairro que rumaria a pé, num bloco compacto, para o estádio. Pois não é que essa figura energúmena, conhecida como Van Grogue ia na frente, sozinho, enquanto que todo mundo seguia atrás? – martelou Zécílio Demorais o proprietário do Diário de Tupinambicas das Linhas.
- Não, mas ele queria dar uma de gostoso, de importante. Só porque foi jogador de futebol, achava que podia ir mais depressa que os outros. E olha que queria até indicar as ruas, o trajeto. – concluiu Pery Kitto.
- Não sei o que esse cara tem na cabeça. Ao invés de arrumar um emprego, trabalhar como todo mundo faz, fica nessa de induzir o povo contra o Jarbas. Por que não vai assentar tijolo, bater aquela massa esperta, levantar parede? – inquiriu indignado o E. Mail.
- O cara é muito folgado. Vai ocupando espaço que não é dele. Não se toca, não sabe que não é bem aceito. Não sei porque não se manda logo. – questionou Zécílio Demorais.
- Com isso que ele fazia, era como se dissesse que todo mundo aqui na cidade era burro, que ninguém era capaz de nada. Mas ora veja! – afirmou Pery Kitto, já atordoado.
- Eu não sei jogar bola. Mas não aprendi porque precisava trabalhar. Tinha que cortar cana quando era criança. Não é bem assim do jeito que esse cara pensa não. – arrematou Zécílio Demorais ingerindo o último gole de cerveja.
- Maçarico do inferno! Manda outra geladíssima pra gente ai, mano! – solicitou já um tanto quanto que embriagado o Pery Kitto.
Para o espanto geral, o dono do boteco respondeu, depois de vasculhar, com o olhar de gavião, o interior do balcão refrigerado:
- Má notícia moçada! Acabou a alegria. Findou a cerveja. Ontem a noite programei um telefonema, que faria hoje cedo, para o depósito pedindo outra remessa, mas esqueci. Não sei por que motivo não liguei, pedindo mais mercadoria. – justificou Maçarico.
A decepção baixou sobre os bebedores como a chuva gelada, repentina, desaba sobre os transeuntes desavisados.
Eles mal tiveram tempo pra deixar escapar um oh, em uníssono, das bocarras boquiabertas, quando entrou com um notebook, debaixo do braço esquerdo, o odiado Van Grogue.
- Mas o que é que você está esperando Maçarico, liga agora pra distribuidora. A gente esperamos. – pediu com carinho o E. Mail.
Rendendo-se aos clamores, e temendo perder a freguesia, Maçarico tentou ligar para a empresa fornecedora, mas depois de alguns segundos ele estancou.
- E aí? Vai ou não vai? – perguntou com ansiedade o Zécílio Demorais.
- De que jeito? Estamos sem telefone. Está mudo.
- Como assim? Você deixou acabar o estoque de cerveja justamente no sábado, véspera do primeiro jogo do E.C. 7,5 de Novembro, na primeira divisão? Mas você enlouqueceu Maçarico? Temos que interná-lo na casa transitória com a máxima urgência. Isso é questão de saúde pública. – sentenciou o iradíssimo Pery Kitto.
- E ainda por cima sem telefone. Mas é o fim do mundo! É mesmo o final dos tempos. Não dá pra acreditar. Gente! Que absurdo! – indignou-se E. Mail.
- Mas que raio de comerciante é você, Maçarico? – quis saber, com os olhos esbugalhados, o Zécilio.
- E agora? Vamos ficar assim perdidos, nesse arrabalde, sem cerveja? Não dá pra acreditar nisso. – rebelou-se E. Mail.
Observando tudo o que se passava Van de Oliveira Grogue, desconsiderando a reação de frieza, que sua presença causara, quando entrara no recinto disse:
- Com licença. Por que vocês não mandam um e-mail para a empresa, solicitando via internet, o pedido?
Maçarico, Zécilio Demorais, Pery Kitto e Ernesto Mail paralisaram-se boquiabertos. Ao se entreolharem eles ouviram o que dizia o Grogue:
- Olha, eu tenho o notebook e sei como funciona; posso enviar a mensagem. Inclusive para o mundo todo. Vocês querem?
Depois de alguns minutos angustiosos, o caminhão do depósito de bebidas encostou defronte o bar, descarregando duas vintenas de caixas de cerveja.
- Esse Van Grogue é gente fina. Eu sempre acreditei nisso. – concluiu Zécilio, agora rodeado pelos companheiros que brindavam os bons momentos, com a saborosa alegria recém-chegada.
Texto revisado.
09/08/11
Claudinho Bambini, o veadinho branquelo que cismou poder espancar o Grogue numa quizila surgida na praia artificial Tupinambiquence disse, naquela tarde, para a turma toda reunida:
- Vê se tem cabimento uma coisa dessas: o sujeito vendeu o carro que tinha e depois se arrependeu, negando-se a entregar a coisa. Esse mau senso ultrapassou os limites negando-se a devolver o dinheiro que havia recebido, por dizer que o gastara.
A rapaziada que, acomodada debaixo dos guarda-sóis, bebericava cerveja e caipirinha, folgando sob o mormaço inclemente, quase não dava atenção ao Bambini, mas mesmo assim ele prosseguia:
- Esse tal Van Grogue pensa que é muita coisa. Pois todo mundo sabe que o ordinário, tem passagens pela polícia, tendo sido detido várias vezes, inclusive por tentativa de incêndio. Pegaram essa “carniça” querendo incendiar um boteco com um coquetel molotov.
Enquanto Claudinho completava sua comunicação, ingerindo uma talagada da engasga-gato, um avião monomotor, arrastando atrás de si uma faixa publicitária com os dizeres VAI QUE DEPOIS EU VOU, passou voando baixo.
Um dos que estavam ao redor do Bambini perguntou:
- É verdade que agora todas as portas do inferno se abrem para o escrofuloso? Vai pras cucuias esse Grogue maligno?
Quase ninguém prestou muita atenção no que dissera o sujeito, primeiro porque todos estavam “pra lá de Bagdá”, impermeáveis a qualquer impressão que lhes pudessem proporcionar os estímulos do ambiente. E segundo porque o Claudinho Bambini ligara o rádio a pilhas, que trouxera, em volume suficientemente alto que dificultava o entendimento das palavras dos confinantes.
- Ouvi dizer que Geraldinho Chuchu, do gabinete do Jarbas, está interessado no projeto daquele circo do prefeito. - afirmou Edgar D. Nal, acendendo um cigarro. - Dizem também que o prefeito vai contratar um engenheiro para construir barcaças que farão passeios turísticos pelo rio Tupinambicas. Será verdade?
Como a praia artificial feita por Jarbas, na margem esquerda do rio, ficava próxima ao prédio que abrigava a prefeitura, puderam os banhistas ver o alcaide quando este chegava naquela tarde, para o trabalho.
Bambini disse:
- Veja lá o homem das licitações. Ele vasculha tudo, remexe a papelada antiga, mas não se importa quando fazem o mesmo com ele. O mundo inteiro sabe que esse prefeito é brejeiro e que acoberta maganões. Ele usa a seita maligna do pavão-louco para conseguir seus objetivos. Mas já não está tão eficiente assim.
- Bambini, ô Bambini, vê se tem um pouco de cajibrina pra mim. Imagine só, com esse calor quem é que aguenta ficar sem tomar cerveja. - clamara, de repente, Mariel zonzo de tanta cana.
Mariel Pentelini que até aquele momento não se manifestara, mantendo um silêncio tumular, levantou-se e caminhando até a margem do rio, puxou de lá um cordel que tinha amarrado na ponta, um recipiente de tela metálica, dentro do qual havia dezenas de latas de cerveja.
- Não desperdice bebida assim. Nós vamos ficar até mais tarde. - esbravejou Aquino Pires, o funileiro que vendera a oficina depois que a polícia o flagrou adulterando vários chassis de carros furtados.
Van Grogue sabia que aquela turma vadia e ameaçadora só podia estar na praia àquela hora, por isso passou devagar com seu carro, observando de longe, o grupamento de desocupados.
- Não é à toa que a maioria desses panacas vive à custa das pensões do INSS. Bando de vagabundos. É o dia inteiro assim: passam o tempo bebendo e dizendo insanidades. Como é que pode um país progredir com gente desse tipo? Olha lá, tem até um caubóiola no meio da súcia.
Bambini e sua quadrilha também desejavam que Grogue sumisse da cidade. Quem mais se interessava por isso era Jarbas, o energúmeno, que deixaria de ter seu eleitorado exposto aos fatos contidos nos processos criminais, que apuravam os crimes por ele cometidos, e proclamados aos quatro ventos, pelo imbatível Van de Oliveira Grogue.
Se num casamento, a maior parte do tempo é vivida entre desentendimentos, ofensas, e agressões, não haveria motivos melhores para a continuação da sociedade.
Quando a violência prepondera sobre o respeito, então é chegada hora de cada um buscar o seu rumo próprio.
A não ser que haja um milagre legítimo, um ex-assaltante de banco, mestre em explosivos, jamais deixará de agir com rudeza, com a mulher que o ama.
Isso foi constatado por Humberto quando, numa tarde de sábado, tomado pela curiosidade, entrou pela primeira vez na livraria do shopping.
Tudo ali era novidade; os caminhos desconhecidos, as pessoas estranhas e os odores bastante peculiares.
Era princípio de inverno; a baixa temperatura fizera com que o visitante caprichasse no agasalho que denotava bom gosto.
Humberto foi atendido pela balconista e um clima de simpatia logo os envolveu. Com perguntas sobre os livros que desejava adquirir, o moço se esgueirou entre as estantes, chegando enfim ao local desejado.
Observando as preciosidades ordenadas nos lugares higienizados, Humberto notou que a mulher atendente, o olhava de soslaio, com um jeito bem disfarçado.
Não demorou muito para que o moço, com alguns livros nas mãos, buscasse pela comerciante, que agora, atrás da caixa registradora, somaria os valores da compra.
Humberto saiu do lugar com boas sensações. Elas foram tão marcantes que, nas semanas seguintes ele voltaria mais vezes, sempre no mesmo horário.
Os vizinhos logo perceberam a constância das visitas e as perigosas “bocas de Matilde”, principiaram murmúrios indicativos de que algo singular estaria pronto para acontecer.
Dois o três meses depois, com uma centena ou mais de livros comprados, Humberto e Inês perceberam que nascia entre eles muito mais do que a simples simpatia, respeito e admiração.
Havia algo mais maduro, profundo, intenso, que estava na iminência de extravasar.
Numa tarde de domingo, entre as estantes, quando ele folheava um livro sobre obstetrícia, ela se aproximou lentamente pelas costas e, ofegante, o tocou de leve com o antebraço esquerdo.
Face a face, olhos nos olhos eles agora conversavam, e Humberto pôde saber que o marido dela a espancava cruelmente todos os dias.
Havia no rosto de Inês uma mistura de dor, medo e excitação.
Ela, apesar de tensa, não escondia a lascívia que Humberto lhe provocava.
E foi ali, entre as estantes, perto de uma janela, que eles trocaram o primeiro beijo.
A beleza que dava o viço dos trinta anos à Inês fascinava Humberto, totalmente abobalhado pela paixão.
Essa loucura os impedia de ver que o marido ex-presidiário, condenado a mais de quinze anos de cadeia, por assalto à mão armada, poderia descobrir tudo e causar uma tragédia.
Arrebatados pela paixão eles se viram pela última vez no apartamento dele, onde dentre os lençóis macios de cetim, fizeram amor.
Mudando de assunto:
Você conhece Silas Simplesmente?
O presidente da câmara municipal de Tupinambicas das Linhas o preclaro doutor Fuinho Bigodudo estava contentíssimo por ter o seu time de coração, o E.C. 7,5 de Novembro, sagrado-se campeão da várzea citadina.
Na verdade a conquista do campeonato servia como refrigério aos tormentos que as investigações de corrupção na prefeitura, causavam nos políticos da cidade.
Jarbas, o caquético testudo, Tendes Trame, tia Ambrosina, Zé Lagartto e o próprio Fuinho, temiam que as fraudes licitatórias, praticadas durante anos seguidos, fossem agora reveladas pela polícia.
- Já imaginou o escândalo? – indagou certa vez um pastor a um grupo de fiéis da congregação, reunidos defronte o templo, depois do culto.
Fuinho Bigodudo, que comemorava sua quarta gestão, tinha ainda algumas dívidas pendentes, feitas ao adquirir um apartamento, na área central da cidade.
Apesar dos seus oito filhos, e agora também alguns netos, estarem todos empregados nas repartições municipais e autárquicas, ele sonhava longe objetivando instalar, com muita segurança, a mulher que ele julgava ser a amante ideal.
Fuinho e seus colegas de partido não acreditavam que as penas da lei pudessem alcançá-los.
- Os alçapões da legalidade não nos atingirão. – disse o presidente Fuinho, numa reunião noturna no porão encarpetado da câmara municipal, em que Tendes Trame, bastante envelhecido pelo estresse que a fortuna ilícita lhe causava, esfregava as mãos como se as tivesse lavando.
- A gente vamos apagar da face da terra a memória desse Van Grogue, carniça do inferno, desolação dos mãos-grandes e alpinistas sociais legalizados, dessa nossa tão querida e amada terra. – sentenciou Bigodudo dando um soco na mesa. A pancada fez saltar um exemplar da Bíblia, que esquecida entre alguns papéis, dormitava ali há algum tempo.
- Sem violência! Sem violência! – interrompeu o deputado Tendes Trame. - Não podemos nos exaltar. Já imaginou se há microfones escondidos aqui na sala?
- Só quero dizer que, passada essa turbulência toda, precisamos reajustar o percentual de 10 para 30% das taxas de comissão, a serem pagas pelas empreiteiras. – disse Jarbas aparentando calma.
- É isso mesmo! Pra ganhar licitação de agora em diante, aqui na cidade, a empresa tem de pagar 30% do valor do contrato a título de gratificação. – confirmou Fuinho.
- Ai gente... Que exagero! Vocês não acham que é muito 30%? – questionou a tia Ambrosina com certa compaixão na voz.
- Nada! Que mané muito, o quê? Está até barato demais. - Reagiu Jarbas, o caquético.
- Bom, se todos nós nos safarmos ilesos dessas loucuras policiais, então, ai sim, poderemos voltar a agir sobre a nova margem de 30%. – garantiu Tendes Trame.
- Veja que esse aumento na percentagem deve garantir também a adesão do Diário de Tupinambicas das Linhas. Hoje em dia, todo mundo sabe que não existe governo que se mantenha sem a imprensa. – informou Jarbas.
- Mas mesmo assim considero o percentual de 30% muito exagerado. – insistiu a tia Ambrosina.
- Bom o que interessa é que tudo está calmo e não há indícios de que nossas contas foram devassadas. – falou Jarbas encerrando a reunião no porão da câmara municipal.
Era desse jeito que os ricos de Tupinambicas das Linhas tornavam-se cada vez mais ricos e os pobres amargavam a miséria que não tinha fim.
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