Tanto nas idas quanto nas permanências e voltas, os loucos da cidade cercavam suas vítimas. Era uma regra.
Os dementes compunham a seita maligna do pavão-louco e não admitiam a estadia de qualquer pessoa discordante da política corrupta do prefeito Jarbas, o caquético.
Como era do conhecimento geral, o prefeito, seus vereadores, o deputado estadual e federal, aproveitavam-se das licitações, para enriquecerem seus patrimônios particulares. Essa verdade era mansa e pacífica.
Tanto era assim que em Tupinambicas das Linhas uma única empreiteira ganhara mais de 45 concorrências públicas, em pagamento do capital que investira na campanha, que elegeu o prefeito Jarbas.
Praticamente não havia quem não recebesse um “presente” do prefeito ou dos seus correligionários. Essa atitude evitava as queixas, as reclamações e amenizava a derrota das demais empresas que se aventuravam a participar dos certames públicos.
Participar de uma licitação na prefeitura era o mesmo que jogar com as cartas marcadas. Se o partícipe não fosse da “panela” não teria a menor oportunidade.
Era assim que essa espécie de “casta” política governava a cidade por gestões seguidas, sem que a oposição, aliás, bem fraca, tivesse qualquer chance de ocupar o poder.
Na cidade a combinação entre as religiões pagãs e a política, formava a equação usada pela gente que ocupava os cargos eletivos, por mais de trinta anos seguidos.
Dessa maneira nem as denúncias de fraudes, contra o erário público, apesar de comprovadas, conseguiam sacar dos tronos intocáveis, os vendilhões da legalidade.
O chamado “progresso material” da urbe, na verdade, não passava de oportunidade aos responsáveis, tanto políticos, quanto técnicos, para acrescentar aos seus bens particulares, parte da riqueza que pertencia à cidade.
Então, obras voluptuosas tais como pontes desnecessárias, asfaltamento de ruas já calçadas e prédios destinados às repartições municipais, eram feitas assim como nos passes de mágica.
Em Tupinambicas das Linhas não se poderia dizer, com relação às verbas públicas, serem elas pouco milho para muito bico. Na verdade, o montante do dinheiro desviado era tanto, que se podia afirmar, sem medo de cometer engano, ser muito milho pra poucos bicos.
Se não fosse mesmo assim, então como explicar as reeleições seguidas, dos candidatos miseráveis, que durante suas vidas de pobres ingênuos, só conseguiram alcançar o maior destaque, quando se tornaram professores, de cursos preparatórios de vestibulares?
Esses políticos usavam a riqueza, desviada da população, na ativação e manutenção dos mecanismos repressores aos seus críticos. E a seita maligna do pavão louco, era um desses “aparelhos”, cujos membros cercavam tanto na ida, quanto na permanência e volta as suas vítimas.
Era bastante espinhoso suportar as atitudes insanas dos corruptos da cidade.
Quando cheguei a minha casa naquele dia, estava realmente cansado. Não tinha sido nada fácil lá na empresa. Mas tirei o paletó jogando-o no sofá. Desapertei a gravata. Escutei um ruído que vinha do meu quarto. Fazia nove meses que havia me separado e não poderia ser minha mulher que estivesse ali. Tenso caminhei pé ante pé até a porta que ficou entreaberta. Não acreditei no que vi. Ela estava deitada de calcinha, na minha cama. Massageava a púbis e com as pernas fechadas fazia movimentos de quem tinha orgasmos.
Não provoquei nenhum barulho. Esperei com o coração aos pulos que ela terminasse. Ela logo depois virou-se para o seu lado direito e pareceu dormir, ajeitando os cabelos.
Mas quem seria? Estava ficando louco? Estaria eu na minha casa? Busquei reconhecer os objetos a mim familiares. Sim, ali era tudo meu conhecido. Mas quem era aquela mulher seminua na minha cama?
Completamente aturdido pensei em algo para fazer. Ficaria bem quieto e a observaria sem que me notasse. Os minutos passavam agoniadamente. Sentia certa atração por ela, mas o medo também estava presente. Depois que ela acordou levantou-se e vestiu sua minissaia. Penteou os cabelos calçou os sapatinhos delicados. Ajeitou novamente os cabelos e saiu do quarto. Tomou uma chave que tinha em sua bolsa e abrindo a porta da rua com naturalidade, caminhou como se tivesse saindo de sua própria casa.
Meu queixo caído e meus olhos vidrados não se moviam. Babei. Minha respiração ofegante foi se acalmando. Meus batimentos cardíacos voltaram ao normal.
Entrei no quarto e pude sentir o cheiro do seu perfume. Havia um aroma gostoso de xampu caro. Não conseguia ordenar os pensamentos. Fui até a cozinha e tomei um copo d'água gelado. Peguei o telefone e disquei o primeiro número que me apareceu na memória. Era de Suzana, minha gerente geral. Ela não demonstrou surpresa. Perguntou se eu havia bebido. Pediu para que eu descansasse mais. Disse para que não me preocupasse muito com as contas a pagar. Desliguei embasbacado.
Tomei um banho rápido. Quando saía o telefone tocou. Uma voz sensual de mulher sussurrava palavras que me produziram um arrepio na espinha. Perguntei quem era. Não me respondeu. Eu ficava aterrorizado a cada momento. Abri a porta do quintal e lá no fundo minha cachorra jazia morta. Seus dentes estavam expostos na boca entreaberta. Uma descarga motora me arrebatou.
Caí desfalecido. Quando acordei a enfermeira me olhava sorridente. Disse que tivera uma síncope nervosa. Perguntei por minha cachorrinha e ela me acalmou dizendo que estava tudo bem. Falei-lhe do que havia ocorrido e ela disse que estava estressado. Que tudo não passava de ilusão. Seria alucinação provocada pela tensão nervosa dos momentos difíceis nos negócios.
Eu me consolei. Estava sozinho no quarto. Quando olhei para a porta, ela a bonitona da minha cama lançou-me um sorriso ajeitando os cabelos. Deu-me adeusinho e virou-se caminhando com aquela minissaia reveladora.
Chamei a enfermeira. Gritei desesperado. Estava enlouquecendo? A moça surgiu afoita. Quando me viu assim agoniado buscou logo ali na enfermaria uma injeção que me aplicou no braço. Naquele momento um pensamento estranho me passou pela cabeça: gostaria que colocassem o meu nome num prédio de entidade pública enquanto ainda vivesse. Era uma loucura. Mas eu estava mesmo louco.
Meu problema era compreender o que estava se passando. Teria tudo isso a ver com o pessoal da caixa d'água?
Estariam tais fatos relacionados com A Seita Maligna do Dr. Val?
Quem é que sabe? Disfarcei então toda aquela minha ignorância e procurei mostrar-me como que se nada de anormal estivesse acontecendo. Como poderia classificar aquele surto psicótico? Qual seria sua etiologia? Teria algum nexo causal com Gertrudes ou com sua magia negra? Eu comecei a crer que não teria tantas respostas assim. Não naquele dia e enquanto o relógio não deixasse de indicar 16h19min, o momento fatídico em que aquela mulher pedante e de canelinha fina, com seu carrão potente, trafegando pela contramão, se esborrachou toda na Rodovia do Açúcar defronte um caminhão de areia.
Nos escombros o pessoal do resgate encontrou o velocímetro que congelado no momento do impacto indicava: 174 km por hora.
Fatal.
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