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O Cristal de Quartzo

por Fernando Zocca, em 01.06.11

 

 

                            Todos nós temos um osso do antebraço que se chama rádio. Qualquer embate das mãos ou mesmo dos membros superiores podem causar-lhe a fratura.


                            Pois foi o que aconteceu com Van de Oliveira Grogue quando tinha dez anos. Ele estava no campo de areia do clube recreativo que frequentava e, junto com outro moleque, da mesma idade, brincava de bola.


                            As traves, feitas com material usado em telhados da construção civil - caibros -, eram pintadas de marrom e Van de Oliveira, na posição de goleiro, interceptava as bolas chutadas por seu companheiro.


                            Os moleques brincavam alegres até o momento em que um adulto espadaúdo, trajando só um short branco, entrou em campo. Seu porte atlético contrastava com o corpo franzino dos meninos.


                            O sujeito chegou pedindo a bola. E Van de Oliveira, não querendo ser chato, entregou-a. O primeiro tiro do grandalhão passou zunindo sobre a cabeça do moleque, parando depois de acertar o alambrado.


                            O segundo petardo atingiu a mão direita da criança que a viu pretejar imediatamente. Com o choque violento, o rádio, na altura do punho, rompeu-se e, a ponta do osso, próximo do polegar, sobrepôs-se sobre o segmento.


                            O menino sentindo muita dor, segurando com a mão esquerda, o antebraço direito, logo acima da contusão, caiu na areia.


                            A vítima começou a chorar, seu colega, sem saber o que fazer, falava coisas desconexas. O agressor, por sua vez aproximou-se e, com um ar de deboche, disse que não era nada.


                          Mas o homenzarrão ao notar que o menino não parava com o berreiro, correu até a secretaria do clube, onde comunicou o fato ao administrador.


                            O burocrata aproximou-se esbaforido e notando a gravidade da ocorrência, com muito jeito, puxou a mão do moleque, conectando as partes do osso.


                            Logo em seguida o camarada envolveu o local luxado com um lenço que tirara do bolso. Levando o menino até a secretaria do clube, chamou um táxi onde o colocou, mandando-o para casa.


                            Depois desse incidente, cerca de dois anos aproximadamente, um primo do Grogue chamado Edgar Sá, atendendo as solicitações da sua tia, que era professora, iniciou por correspondência, um curso de radiotécnica.


                            As lições, impressas em castelhano, vinham dos Estados Unidos e por elas a mãe do Edgar Sá pagava muita “plata”.


                             Fazia parte dos ensinamentos uma breve história do rádio. Então Edgar Sá pôde saber que tudo começara praticamente com o chamado Rádio de Galena, que era um receptor simples, feito com o mineral galena e depois com cristal de quartzo ou sílica.


                            Para ironizar Van Grogue, Edgar Sá fizera chegar até ele, por intermédio de uma prima, a bela morena jambo de cabelos pretos e longos, naquela manhã vestida de azul e branco, um pequeno pedaço de cristal de quartzo.


                            Tendo-o guardado com carinho numa lata, onde mantinha outros brinquedos pequenos, só muitos anos mais tarde, Grogue pôde entender o significado do presente inusitado, que recebera justamente quando, defronte a porta da sua casa, chegava do grupo escolar.


01/06/2011.  

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publicado às 15:36

Devolvendo a bola

por Fernando Zocca, em 03.07.10

                            Tudo o que sobe desce, é verdade. O pior ocorre quando há a queda, ai sim a coisa se complica.

 

                            Na descida descontrolada, isto é rápida demais, pode haver fraturas, lesões e danos de toda ordem.

 

                            Mas nada como manter o autocontrole durante a volta à terra firme. O ideal é que na vinda lá de cima, aqui pra baixo, seja feito o percurso de forma não tão ligeira demais, compreende?

 

                            Mesmo assim dependendo do objeto que despenca, nem a lentidão do trajeto descendente, deixa de provocar danos funestos. Os balões, por exemplo, descem bem devagarzinho, mas podem provocar incêndios destruidores.

 

                            Há os que caem por menosprezo aos outros; existem os que deixam de estudar com a desculpa de que precisam trabalhar. Há também os que vestem os elmos, crendo ser invulneráveis em decorrência disso.

 

                            Entretanto, ao chegar aqui em baixo, onde vivem os mais simples, os mais ingênuos, é bom não esquecer que humildade e muito respeito são também fundamentais.

 

                            Se você já não é mais prefeito, vereador, deputado estadual, federal, candidato à governador e voltou a viver no rés do chão, não se preocupe; não se deixe levar pelo desespero. Saiba que manter o autocontrole, nesses momentos, pode significar mais saúde, longevidade e bem estar.

 

                            Imagine que bobagem você faria se, depois da fratura de uma clavícula, você se deixa abater pelo medo, recusando-se a entrar em campo novamente.

 

                            Calcule a ausência das tentativas de superação, se depois de ter o rádio do braço direito fraturado, por uma bolada maldosa, deixa de retornar aos gramados.

 

                            Imagine só que bobinho você seria se, depois de um ataque dum enxame de abelhas loucas, você se deixa paralisar pelo medo.

 

                            Pare com isso, pegue logo aquela bola e volte pra  peleja.

 

 

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publicado às 13:21

A Herança

por Fernando Zocca, em 16.04.10

                                Minha tia Olanda Zocca nasceu no dia 19 de fevereiro de 1913, aqui em Piracicaba, tendo falecido aos 19 de setembro de 1996. Era irmã do meu pai Fúlvio e, do seu casamento com o açougueiro João De Lello teve dois filhos, Roque e Arthêmio De Lello.

                               Arthêmio quando moço trabalhou na rádio Difusora de Piracicaba fazendo reportagens de campo durante os jogos do XV de Novembro. Aliás, o Roque também passou uma temporada naquela rádio onde era discotecário.
                               Roque  inspirado nos arquivos da emissora formou imensa coleção de discos, daquelas orquestras do estilo de Glenn Miller, das décadas de quarenta e cinquenta.
                               Antes de ingressar na Difusora Arthêmio formou-se contabilista na escola técnica de contabilidade Cristóvão Colombo, ou Zanin, como era popularmente conhecida. Esse meu primo é um torcedor fanático do XV professando também sua paixão pelo Corinthians.
                               Meus primos, tia Olanda, a avó Amábile e o tio Bruno Zocca, residiram por muito tempo à Rua Ipiranga, esquina da Rua Governador Pedro de Toledo. Naquela casa havia um anexo cuja fachada ficava na Governador. Ali meu avô José Carlos Zocca, nascido aos18 de setembro de 1892, tinha um açougue.
                               José Carlos faleceu em Piracicaba, segundo informam, de um infarto no dia 26 de janeiro de 1943, quando na Europa acontecia a II Guerra Mundial. Por ter origem italiana igual a seu pai, João Ulisses Zocca, meu bisavô, deve ter passado por maus momentos durante os anos que antecederam a sua morte.
                               Quando Getúlio Vargas visivelmente favorável aos Nazistas, mostrava-se convicto dos seus propósitos e apoiava os alemães, a colônia italiana em Piracicaba não sofria qualquer tipo de assédio moral. É bom dizer que a Itália, naquele tempo, governada por Benito Mussolini, era aliada dos alemães.
                               Segundo me contou minha prima Maria Cleusa Adâmoli, José Carlos possuía um busto do Benito na sala, e colecionava cédulas italianas do período.
                               Mas quando Getúlio Vargas, depois de ganhar a usina de Volta Redonda dos norte-americanos aliando-se a eles, os simpatizantes do “Dulce” em Piracicaba passaram a ser vistos com mais reserva. Compulsando os jornais daqueles dias pode-se perceber claramente as alusões veladas feitas aos italianos e japoneses.
                               Imagine como era o dia-a-dia de um comerciante no centro da cidade, cujo pais de origem  representava o papel de vilão, num episódio conturbado na história da humanidade.
                               Pode até ser que a pressão social tivesse influído na morte de José Carlos. Ele faleceu deixando uma herança geradora de muitas encrencas durante muito tempo.
                               Não tenho certeza, mas presumo que na véspera do Natal de 1953, talvez na noite do dia 24, tenha havido uma discussão forte entre meu pai Fúlvio e seu irmão Bruno que era alcoólatra e vivia bêbado. Essa quizila teria motivado a mudança de Fúlvio, minha mãe Daisy e eu, com três anos de idade,  em meados de 1954, para  uma casa do espólio, situada à Rua Benjamim Constant.  A ocupação do imóvel tinha a anuência da viúva Amábile, mas não a dos demais herdeiros.
 
Leia O Castelo dos Espíritos

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publicado às 12:47


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