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Folie à Deux

por Fernando Zocca, em 25.02.19

 

 

SN Sem Noção.jpg

 

Matraqueando mais do que repique de tamborim, Van de Oliveira Grogue entrou no bar do Bafão, naquela noite de domingo, e com o indicador da mão esquerda ereto, apontando pra cima, foi logo pedindo:

- Seu Bafão garanta já a sua noite de insônia e me conceda o mais precioso combustível sem o qual o nosso particular show da folie à deux não prospera.

Bafão que já estava nervoso com a papelada das contas mensais que se acumulavam dentro de uma caixa, num dos cantos do balcão, esfregou nervosamente o guardanapo no tampo da mesa em que o pinguço se sentaria e respondeu:

- Vossa pessoa veio pra beber ou pra conversar?

- Delícia de ambiente, todo bem decorado. O senhor caprichou hein bebê? Esta tudo muito bem. Só o seu sotaque está um tanto quanto que destoante.

- Que mané sotaque, meu? Sempre falei desse jeito e ninguém, até aqui, pôs reparo. Não é a partir de agora que isso será um problema – respondeu Bafão sem se preocupar com o fato de que poderia desagradar o freguês.

Saindo em direção ao freezer onde estocava a cerveja, Bafão percebeu que seu nervosismo, naquele momento, poderia embaraçar o relacionamento comerciante-freguesia prejudicando-o.

Mais pessoas chegavam conversando; paravam defronte ao balcão e assim que percebiam a atenção do proprietário do boteco, faziam os seus pedidos. Alguns se acomodavam às mesas, outros permaneciam em pé dispostos à bebericação.

Grogue murmurou, depois de obter seu litrão, colocado na mesa por um prestativo, mas estressado sofredor de halitose, também conhecido como Bafão:

- Tem certos momentos na vida que a pessoa passa a sofrer de ridiculite aguda. Essa inflamação no senso de ridículo demonstrando aquele estado de “sem noção”.

- Não me enche o saco Grogue.

O zunzunzum no ambiente estava denso; o ruído de copos e garrafas entremeava o som das vozes dos que conversavam. De repente, um cachorro preto, peludo, também conhecido como “o doidinho ululante da vizinhança” invadiu o boteco latindo a torto e a direito.

Correndo atrás do cão Delsinho Espiroqueta esgoelava o nome do bicho:

- Vem Magna, vem! Ai, minha Nossa Senhora!

Apesar do embaraço provocado pelos sapatos, bem maiores do que os pés do aflito perseguidor, ele ainda conseguiu alcançar o impulsivo cachorro, pondo-o no colo.

Zé Laburka que a tudo observava da sua janela estrategicamente semi-aberta numa parede lateral da sua casa de esquina murmurava com voz grave:

- Eu falei pra ele não usar minhas roupas e nem meus sapatos. Olha que coisa feia. Sapatos, calça e camisa bem maiores do que ele. Que vexame.

Sem conseguir dominar o cão latidor Delsinho soltou-o no meio da rua. Pra agonia dos transeuntes “o doidinho da vizinhança” viu-se, mais uma vez livre, bem leve e solto, pra atormentar as pessoas.    

   

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publicado às 15:36

O Bicho de Sete Cabeças

por Fernando Zocca, em 22.11.16

 

 

 

Touro.jpg

 

O enunciado é bíblico: a paz vem da justiça. Certamente a turbulência pela qual passa o Brasil decorre dos grandes desníveis sociais causados, antes de tudo, por situações de corrupção.

Não gera certa indignação, revolta, quando se sabe que, por exemplo, engraxates da câmara de vereadores de São Paulo ganham até 10 mil reais mensais, enquanto que muita gente estudada, formada nas mais supimpas universidades brasileiras, come o pão que o diabo amassou?

A situação está tão feia que até mesmo a criatividade precisa ser muito bem pesada, medida e meditada.

Num desses dias de muita atividade física, no Parque do Piracicamirim, conheci um cidadão, que pretendendo fazer um filme, pensou logo no script que continha, na trama, a história dum gato que tinha sete vidas.

- São sete vidas, sete histórias interligadas – dizia ele entusiasmado, enquanto caminhava ao meu lado, no parque.

- Se são sete vidas, sete gatos, certamente serão sete cabeças – ponderava eu.

- Sim. O tema não é inédito, mas imagine se essa história vira livro de sucesso, peça de teatro, filme... Saio logo da pindaíba, compro apartamento e até carro novo – contava ele, olhando pro chão, tentando desviar dos buracos do calçamento.

- É... Você poderia ficar mais famoso que o Rodrigo Santoro naquele filme “Bicho de Sete Cabeças” dirigido por Laís Bodanzky.

- É isso mesmo, cara! – concluiu o atleta de fim de semana. Já pensou na fama, no tanto de dinheiro, que isso tudo pode dar?

- Ah, sim, com certeza – confirmei. – Imagina depois disso tudo, a ventura, a felicidade, no romance, no amor, como o vivido com a Luana Piovani. Você não ficaria famoso só em Piracicaba. Mas no mundo inteiro também.

- A gente poderia incrementar a história colocando uma arena, touros bravos, capas vermelhas, toureiro barrigudo, muita cena de sangue, suor e cerveja... – continuava a divagar aquele esboço de diretor de cinema.

- Hãhã – concordava eu pensando no quanto os problemas provocados pelo arruinamento das relações familiares influiriam negativamente no imaginário e no comportamento das pessoas.

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publicado às 17:38

Árvore alta

por Fernando Zocca, em 03.04.16

Neste verão passado, chuvas torrenciais, muita água e vento, durante as tempestades, derrubaram milhares de árvores na capital paulista.

Houve muitos prejuízos materiais, feridos e até mortos. A imprevisibilidade e a negligência podem estar no rol das causas dos tantos males sofridos pelos cidadãos.

Quando a gente vê uma árvore muito grande, bem alta, já envelhecida, com o tronco muita vez circundado por parasitas, pode imaginar que suas raízes já não são as mesmas. Então quando surgem as ventanias elas simplesmente não aguentam vindo ao solo causando a destruição.

Aqui em Piracicaba existem centenas de árvores muito altas, cujas copas espalhando-se pela vizinhança do tronco, acumulam muita água das chuvas tornando o peso praticamente insuportável para as raízes já não tão saudáveis.

Muitas e muitas pessoas diante de um problemão desses liga para o 156 da prefeitura comunicando a possibilidade dos estragos que a situação pode causar.

Mas nem sempre os moradores são atendidos. A posse dos protocolos e mais protocolos, da entidade pública, solicitada a resolver os problemas, não vale nada.

O sujeito perde mais tempo indo atrás das pessoas responsáveis pela solução destes imbróglios do que ganha esperança de resolvê-los.

E quando a canseira é bem maior do que o medo de que a queda da árvore possa danar os automóveis, os telhados, os muros e as casas dos moradores, então não resta nada mais do que rezar pedindo a Deus o livramento das chateações tamanhas.

Apesar de existirem normas reguladoras desse assunto donde emanam enunciados de que quem promover o corte ou a poda da árvore, existente na rua, pode ser apenado com multas pesadas, ainda, mesmo assim, tem quem destrua a planta existente defronte a sua casa.

E como geralmente quem faz isso é muito “esperto”, aos possíveis questionamentos das autoridades, sempre poderá responder que “ela estava podre e morreu”.

Uma técnica observada, com muita frequencia, na ação fatal contra as árvores, é a do anelamento que consiste em tirar a casca do tronco, na altura da raiz.

Passadas algumas semanas depois deste ato vandálico, o vegetal começa a secar. Da mesma forma que o cão, envenenado por uma vizinha maluca, morre aos pouquinhos, sem chance de sobreviver, a árvore inicia também, sem poder se nutrir e respirar, um processo mórbido deixando cair as folhas; seus galhos logo secam inapelavelmente.

Então, da mesma forma que o dono do cão neurótico, louco, que ataca as pessoas nas ruas, ao ser questionado, afirma não ser o proprietário dele, o matador das árvores nega veementemente não ter sido ele o autor da tão condenável atitude.

O mal que habita pessoas assim é o mesmo que leva o deputado federal a receber propina depositando a fortuna no exterior.

Ou seja, não haveria um mínimo de consideração para com as coisas, inclusive as públicas. A perversidade é mais intensa do que o medo das possíveis punições que os tais meliantes possam receber.

Perceba que a alegação do desconhecimento da proibição da prática do ato destruidor da árvore pode, muita vez, encorajar a mentalidade insana a diariamente buscar a degeneração do vegetal plantado na calçada, bem na frente da sua própria casa.

Os “cabeças de burro” de um quarteirão valorizam mais os zumbidos bizorrais que podem produzir suas gargantas do que a estética e a limpeza do lugar onde vivem.

É uma pena que, ainda hoje, os ensinamentos escolares sejam insuficientes para formar personalidades capazes de valorizar mais o todo, o ambiente em que vivem, do que seus direitos de serem loucos irresponsáveis, agressores impunes, daqueles a quem antipatizam.

Mas apesar disso tudo, meu amigo, a gente ainda tem esperança de ver o sujeito que mata as árvores, o cão do vizinho, o padrasto maligno que abusa sexualmente dos enteados, a doidona que sendo portadora de afecção pulmonar, usa teimosamente o tabaco, descontando depois o sofrimento obtido, no inusitado bater violento da porta do barraco, o deputado ladrão esperto, a gente ainda tem, repetimos, a esperança de vê-los receberem o retorno, as consequencias, que merecem.

Colhe-se o que se planta.

                                        

 

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publicado às 14:24

Revelando Segredos

por Fernando Zocca, em 20.07.14

 

 

Nas reuniões dos grupos onde não há a sinceridade é muito comum a troca da identidade de um ou outro componente quando então se fala dele, na presença dele mesmo, sem que ele nem perceba.

Por exemplo: o José foi ao Fórum durante a tarde e, à noite, quando participa da reunião da associação dos moradores do bairro, pode ouvir durante longos minutos, a arenga de que o "Joaquim" ficou o dia todo no Fórum "mexendo" com papéis e "aprontando" alguma coisa. 

Se a Maria, mulher do José, por um motivo ou outro deixou de mandar capinar o quintal, o José poderá ouvir que a "Márcia" é uma "braço curto", preguiçosa e que na casa dela nem mesa e cadeira tem.

Quando o filho do José bate de forma estrepitosa na porta do banheiro da sua casa, haverá a possibilidade de o José experienciar os comentários de que o filho do "Joaquim" é agressivo e violento.

Essa simulação toda, perdurante por anos e anos a fio, teria por base a crença de que o tal José seria portador de um segredo, de uma verdade criminosa, sobre a qual, se perguntado diretamente, ele, com certeza, negaria.

Essa troca de conformidade ocorre também nos delírios psicóticos nos quais o doente elabora uma situação na qual ele "faz" o outro experienciar o que ele mesmo está sentindo.

Assim, se a comunidade aplaude o José, por seus feitos, o Laerte, com ciúme, dirá que, na verdade, o José está abandonado, isolado, sendo sua presença completamente dispensável.

O que o Laerte faz, com essa projeção, é compensar - para manter o seu prestígio, e a liderança, no grupo familiar - algumas deficiências que podem ser estruturais, (morfológicas) e culturais como o analfabetismo.

Nesse relacionamento fingido, desleal, entre a associação dos moradores do bairro e o indivíduo, os feedbacks alimentados por mexericos são danosos e, se não obstados a tempo, podem tornar-se boatos causadores de danos morais terríveis. 

Da calúnia pode surgir o assédio moral criminoso (objetos do tráfico de influência nas entidades de classe e governamentais), exercido pelo próprio grupo frequentado pela vítima.

Não há dúvidas de que a personalidade machista-intolerante-excludente, da maioria dos integrantes grupais, é refratária aos ensinamentos cristãos.

Nessa vicissitude, a frase "Deus me livre dos amigos, porque dos inimigos cuido eu", é bem propícia. 

 

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publicado às 13:38

Cãozinho estropiado

por Fernando Zocca, em 18.03.14

 

 

O pau que nasce torto e que, teoricamente morreria torto, se fosse um cãozinho, deveria aprender a conviver com os seus semelhantes, para não destoar assim tão ostensiva e agressivamente dos outros.

Pedagogias existem, tanto para os cãezinhos comuns, quanto para os assimétricos.

Cabe aos papais e às mamães o direcionamento dos seus filhotes a fim de que, adestrados, possam conviver no quarteirão sem ladrarem ou atacarem os vizinhos. 

O problema, entretanto parece não ter solução se, a mamãe cachorrinha também possui disparidade na consolidação do chassis.

Eu quero deixar expresso que não tenho nenhum tipo de preconceito contra os cachorrinhos estropiados. Só não concordo com o fato de serem, as suas deficiências, usadas como desculpa a todos os danos e dissabores que causam aos outros.

As alegações de que cachorrinhos assim não fazem mal a ninguém podem facilmente ser contestadas com a presença dos interessados no local, a fim de comprovarem o desassossego e os danos por eles produzidos. 

A cegueira dos parentes próximos para as crueldades dos cãezinhos tortos pode ser confortável. Afinal a negativa da existência dos problemas não deixa de ser uma espécie de defesa da própria paz.

Ou seja, é mais fácil dizer "eu não tenho nada com isso" do que estar presente, todos os dias, para afagar os bichinhos depois de servi-los com a ração e ossos.

As escolas especiais de adestramento exigem certa disciplina dos cachorrinhos morfologicamente prejudicados. Mas compete às mamães cachorrinhas a insistência do comparecimento e da permanência deles nas instituições veterinárias.

Engana-se, e muito, quem acha que cãezinhos tronchos, que latem, não mordem. 

Na opinião de muita gente eles são os piores: latem e mordem. Os desajeitados têm a característica de acreditar que, por apresentarem esta ou aquela forma, os olhares a eles dirigidos o são para a chacota. 

E quem meu amigo leitor, quem se disporia a dizer que, apesar deles serem feios, pobres e desengonçados, ainda assim possuem algo de venerável?

Eu, por estar escolado no assunto, - já levei mordidas que me doem até hoje - não me atrevo nem a chegar perto.

Você tem dó, compaixão? 

Adote. Leva um deles pra casa. 

 

 

 

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publicado às 19:04

Contra os Cruéis, a Crueldade

por Fernando Zocca, em 23.01.13



Não pode o rico saber o que sente o pobre, pois seus ambientes, hábitos e consumo, são bem diferentes.


Nem mesmo os experts nos exercícios da empatia seriam muito assertivos ao descrever estas realidades tão distintas.


É bem por isso que os mais afortunados não entendem, ou custam muito a compreender, os reclamos das pessoas mais humildes.


Para os saciados, que desde que acordam têm suas necessidades básicas satisfeitas, é complicado imaginar gente que não usa, ou muito raramente, vale-se diariamente, dos produtos destinados à higiene pessoal.


Como é que o sujeito habituado a ir e a voltar do trabalho, usando o carro, pode se solidarizar com o semelhante que precisa acordar muitas horas mais cedo, pra esperar o ônibus e gastar um tempão extra nos seus deslocamentos?


Não tem como o milionário achar que o aumento da tarifa de ônibus possa ser prejudicial ao trabalhador que percebe um salário mínimo mensal.


Uma cidade governada por milionários, com certeza, terá dificuldades em desenvolver programas básicos de saúde, transporte público, segurança e educação para o povo.


Então você pode ver na urbe muito asfalto novo, pontes, viadutos e dezenas de outras obras feitas com cimento, cal, areia, água, brita e ferro, mas com os atendimentos bastante deficientes, naqueles setores desamparados.


Os milionários que governam a cidade deveriam gastar um pouco do seu rico tempinho em visitar a periferia, atestar como anda a recepção nos postos de saúde, o que sente e pensa o usuário do transporte coletivo, o que dizem as crianças que se alfabetizam e o que acham as que deixaram as escolas.


Ser pobre não é demérito nenhum. Mas às vezes esta condição social é usada para justificar as mais cruéis formas de agressão e expressão da malignidade dos portadores das terríveis afecções mentais.

Contra os cruéis a sociedade deve usar a crueldade. Não tem como ser diferente. Não tem como pacificar, educar e sanar, se não for assim.

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publicado às 11:53

O Auto da Comadre Cida

por Fernando Zocca, em 23.07.12

 

Minha amiga Cida, naqueles idos de 1962, ali em Tupinambicas das Linhas, era ainda uma adolescente. Apesar de ter os pais supersticiosos, ela não chegou a se tornar igual a eles. Seu objetivo, logo que se conheceu por gente, foi o de estudar e tornar-se uma grande doutora.


Ela tinha alguns conceitos que se não fossem científicos, seriam bem inusitados. Um deles considerava que: “O barulho é sinal da desorganização, doença. A saúde reflete-se na paz e harmonia existentes entre os órgãos”.


Quando ouvi aquele enunciado, lembrei-me de imediato, duma colega nossa, a não menos conhecida Rosalena, a pingueira dos infernos, que vivia cantando loas sobre sua capacidade indutora dos suicídios de parentes desafortunados. O último deles pendura-se numa das treliças sustentantes daquelas telhas quentes de amianto.


Pude então confirmar que o desequilíbrio emocional produzia barulhos horríveis. Talvez Rosalena, a danada, assim o fizesse colimando espantar, da sua consciência, os fatos criminosos que jamais desapareceriam.


Um cunhado daquela mocréia, verdadeira tribufu, ocupava o cargo de influência relevante no Ajuntamento Comercial da cidade; era seu presidente. E como eles todos se engajaram, naquele ano, na campanha que visava eleger o Rei Momo prefeito de Tupinambicas das Linhas, não havia nada mais lógico do que espalhar, entre os comerciantes da localidade, maus conceitos e enganos sobre seus desafetos e adversos.


O presidente do Ajuntamento Comercial chegava às raias do êxtase quando sabia que o adversário perseguido, adquiria equipamentos obsoletos, no comércio local, pagando preços dos de última geração. Aqueles engodos todos eram combustíveis pra muito escárnio e apoucamento.


Quando estava louca, possessa, ou tomada pelo demônio, Rosalena, que se formara saca-molas, andava pela casa, cuspia, e ameaçava as demais pessoas da família, com a morte. Numa ocasião, demonstrando forças incríveis, atirou o sofá, que era pesadão, na janela do apartamento, quebrando seus vidros.


Meio macho, a mulher só sentia-se bem jogando a charqueada, que nada mais era do aquele jogo, cujo objetivo principal é o de deixar os adversários sem dinheiro.


Por ser Tupinambicas das Linhas notoriamente conhecida como a área em que existiam muito mais loucos, por metro quadrado, do que todas as demais regiões do Estado de S. Paulo juntas, não me impressionei muito com aqueles eventos todos. Consolei-me.


A mãe de Rosalene foi uma velhota pimpona, daquele tempo ainda em que, para transporte, utilizavam-se os animais de tração. Naquela época o uso das carroças e bondes, era bem mais moderno, confortável e chique do que as caminhadas a pé.


Dos inconvenientes consistia o fato de que os animais faziam cocô nas ruas e, depois que aquele esterco todo secava, sob a impulsão dos ventos, liberavam partículas voadoras que assentariam dentro das casas dos habitantes, impregnando-lhes as roupas, alimentos e os pulmões.


Esse fenômeno explicou-me a causa da aversão que a velhota, e algumas coetâneas suas, tinham pelos ventos.


Quando Rosalene estava sob os efeitos do álcool não adiantava desejar explicar-lhe que leitão não era um leite grande. E também não adiantava demove-la de sugestionar as pessoas com base no número dos dentes que elas ainda tinham na boca.


Depois que ouvi Rosalene dizer, pra mais duma centena de pessoas, que o cemitério era o único lugar onde havia melhor qualidade de vida ali em Tupinambicas das Linhas, achei que ela estava exagerando e que passava dos limites.


Pude perceber que a largada já não estava bem da cabeça quando repetia, diante das cobranças que lhe faziam, as frases “nem ligue” e “deixe quieto”.


Tive certeza que ela enlouquecera quando soube ter mandado matar o próprio marido. Ela contratara dois pistoleiros que, numa emboscada, atiraram no sujeito; não o mataram por um triz.


Descontente com o fracasso, a maníaca mandou que atirassem nele uma granada. Deveriam atingi-lo quando fosse buscar o filho do casal ali na escolinha.


As ocorrências não pararam por aí. Os rebus foram estonteantes. Porém isso meu amigo, minha amiga e senhoras dona de casa, já são temas pra outras novas e belas histórias.


 

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publicado às 15:24

Deseducando os educados

por Fernando Zocca, em 21.06.12

 

Para que haja paz numa comunidade é necessário que a orientação espiritual seja no sentido de educar os deseducados e não em deseducar os já educados.


Mas nem sempre isso é possível. Se os líderes não conseguem discernir o que seja sensato, o que é verdade ou mentira, imaginação ou fato real, então o progresso educacional e material das pessoas de um quarteirão, estará fadado a não ser tão relevante.


Para alguns é até mais fácil demolir as personalidades menos dedicadas às atividades mundanas, do que tentar "santificar" os que se dedicam às perversões.


Quando isso ocorre salienta-se o fato de ser incompetente a pedagogia empregada, a orientação política e até mesmo a ausência de certa sintonia com a coerência.


Como é que você, sendo professor, ou aquele que ocupa qualquer cargo público de responsabilidade, pode deixar de censurar o mal educado, que não presta serviços à comunidade, que não participa das cerimônias religiosas e que agride diuturnamente o cidadão prestante que assim age?


Omitindo-se assim, os lideres ou responsáveis, por essa 'engenharia humana" tentariam compensar, a anomalia social, nivelando por baixo, buscando deseducar os educados e não ensinando os bons modos aos mal educados, para que haja a necessária convivência pacífica.


Na verdade o que ocorre é bem isso mesmo: há uma certa incapacidade dos responsáveis, tanto parentes mais próximos, quanto vizinhos, professores e demais autoridades, na transmissão dos valores sensatos, para quem não está assim tão disponsto a assimilá-los.


Numa sociedade em que o fracasso dos alunos não envergonha seus mestres, como é que se pode cobrar comportamentos humanizados?


Não compartilhamos a opinião de que os psicóticos, que não controlam nem a própria língua, sejam refratários à boa educação, aos bons modos.


Mas nessas comunidades negativas até mesmo as ações e omissões positivas, praticadas dentro dos preceitos cristãos são deturpadas fazendo-se com que se voltem contra os que se destacam. Para os que rejeitam, até os suspiros dos rejeitados ofendem.


Acho que tudo depende da boa vontade dos envolvidos, direta ou indiretamente, nos conflitos entre as pessoas de uma mesma comunidade.


Afinal o que é que se pode esperar de um quarteirão, de um bairro, de uma cidade se não houver, entre as pessoas, a tal da boa vontade?

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publicado às 12:48

Batendo Palmas

por Fernando Zocca, em 10.05.12

 

 

Um sujeito foi ao médico por se sentir incomodado com a parte do seu rosto que repuxava. Ele queixou-se ao doutor que de repente, durante muitas vezes ao dia o canto esquerdo inferior da sua boca repuxava.

Depois de examinar o paciente o médico disse a ele que aquele problema só se resolveria com uma cirurgia no cérebro.

E não é que o ingênuo concordou com a aventura? Depois de passado o tempo de recuperação e sob o efeito das drogas poderosíssimas, o paciente engordou de uma forma nunca antes vista por seus familiares.

Internado logo em seguida, num asilo para idosos, o balofo operado, pôde notar que o repuxamento continuava. Queixando-se ao médico responsável, o paciente dizia que a causa do tal transtorno não poderia estar no local atingido pela operação. E que se não tivesse se submetido ao tamanho sofrimento, com certeza, ainda padeceria do mal, mas com menos dor e tantas despesas.

Entretanto o doutor, para não “dar o braço a torcer” garantia, por todos os deuses da medicina, que o tal repuxo era de origem epiléptica e que só se resolveria com a cirurgia no lobo frontal.

- Mas se a gente já operou, por que ainda acontece isso doutor? – indagava o velhinho.

- Olha pelo jeito, nós vamos ter de fazer outra intervenção. Mas não sei não... Com a sua idade e o excesso de peso, eu acredito que teremos poucas chances de sucesso.

- Eu tenho que emagrecer? – perguntou o choroso idoso.

- É claro. Precisa fazer muito exercício, mexer o corpo. – respondeu com categoria o doutor.

- Mas eu tenho uma preguiça danada. Depois que eu tomo aqueles remédios me dá um sono do cão.

- Você está sendo cuidado com neurolépticos. Uma característica dessa medicação é a de provocar uma espécie de indiferença motora. – Explicou o médico.

- Indiferença motora? Isso quer dizer que quando eu tomo isso não posso sentir outra coisa que não seja a preguiça e o sono?

- Exatamente. – Concordou o doutor.

- Mas se eu tenho que emagrecer e o meu sobrepeso é o resultado do efeito do remédio, por que o senhor não retira essa droga? Como é que o senhor quer que eu emagreça se me dá essa bosta que me faz dormir e engordar? – indignou-se o vovô.

- Faz parte da terapêutica. – justificou o médico bastante constrangido.

- Eu não sei não, seu doutor. Das duas uma: ou o senhor não sabe nada dessa merda que está me receitando, ou está querendo curtir com a minha cara de mané. É verdade ou mentira?

- Na verdade... – dizia o médico quando foi interrompido por uma das irmãs do paciente que, chegando ao asilo, entrou abruptamente na sala de consulta.

- Vim buscar o meu irmão. – disse a mulher arregalando os olhos azuis.

- É só a senhora passar na administração e assinar os documentos que lhe serão apresentados.

No carro, de volta pra casa, a irmã do paciente explicava-lhe que o levaria a outro médico que já tinha cuidado de muitas outras pessoas com o mesmo problema.

No dia seguinte depois de saírem do consultório, com as receitas dos medicamentos nas mãos, a irmã do vovozinho afirmava:

- Hipotireoidismo pode muito bem ser tratado sem cirurgia nenhuma. Imagine só o prejuízo material e moral que aquele xarope nos causou.

- Ah, eu quero tchá, eu quero tchu... - cantarolava o vovô batendo palminhas enquanto pensava em emagrecer. 

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publicado às 20:42

Negativismo

por Fernando Zocca, em 03.11.11

 

 

             Ao entardecer da terça-feira, Van de Oliveira Grogue caminhava lentamente pela caçada esburacada, do seu quarteirão, com destino ao bar do Maçarico.

       Durante o trajeto, ele olhava com o máximo de atenção para o calçamento, evitando pisar nos montículos de cocô, torcer os pés nos buracos, ou dar topadas violentas nos obstáculos. Van ansiava pela chegada.

       Entrando no boteco ele percebeu que os frequentadores usuais ainda não estavam presentes. Mas havia um sujeito magro, alto, de cabelos já brancos que, com o braço esquerdo apoiado sobre o balcão, bebia cerveja,

       Grogue viu, quando o tal levou o copo aos lábios, que o matuto tinha a unha do polegar direito bastante crescida. Era lixada de modo a deixá-la semelhante a uma lâmina perfuro-cortante.

       Quando notou a presença do Van, Maçarico postou, sobre o balcão, uma garrafa de cerveja geladíssima, abrindo-a em seguida.

       Os homens trocaram olhares e se cumprimentaram de forma usual, timidamente, com a voz baixa. Depois dos primeiros trinta segundos, Van procurando tornar o ambiente mais descontraído e cordial iniciou a conversação:

       - Mas, veja que o clima está bem gostoso, né? Não está tão quente e nem muito frio.

       - Tá uma porcaria. Esse ar deixa qualquer um doente. Minha mãe já pegou três resfriados só neste mês. – respondeu o forasteiro usando certo ímpeto na voz.

       - Ah, mas resfriado é fácil de tratar. Tem tanto remédio bom agora, tantas vitaminas; isso não é preocupação.

       - Mas também com esses preços. E depois tem mais, viu? Já pensou se você compra remédio falsificado? Você está morto.

       Não querendo entrar em detalhes e nem fazer do local um lugar de contendas, Van buscou trocar de assunto, então mandou:

       - E o esporte clube 7,5 de Novembro? Ganhou outra partida no domingo passado. Você viu Maçarico?

       - Esse time está jogando mal pra caramba. Se não fosse o juiz ele teria perdido de novo. – avançou o forasteiro.

       - Mas o goleiro jogou bem pra caramba! É ou não é pessoal? – lançou Grogue ingerindo um gole da bebida.

       - Goleiro bom era o Ramirinho. Aquele sim não pegava nem frango e nem peru. Você lembra Maçarico? – indagou o desconhecido, sentindo-se bem à vontade, como se fosse da casa, há muito tempo.

       Grogue e Maçarico trocaram olhares de dúvida. Então o dono do estabelecimento tentou:

       - O time está bem entrosado agora. Se der tudo certo pode fazer bonito no ano que vem, durante o campeonato estadual.

       - Ah, mas com essa diretoria? Só tem ladrão! Se não fossem esses ratos o time tinha até sede própria e tudo. – garantiu o magricelo encarquilhado.

       - É meu amigo, mas a zaga bate um bolão. Você não pode discordar. – tentou Grogue.

       - O quê? Aquele número dois? Como é mesmo o nome dele? – zombou o matuto ajeitando os chinelos de borracha nos pés.

       - Mas ele rouba as bolas, muito bem. – garantiu Maçarico percebendo o olhar de aprovação do Van Grogue.

       - Só bolas? O cara é o maior ladrão de varal da cidade. Já foi até condenado pela justiça. Zagueiro bom tinha no meu tempo de moço.

       Tendo bebido toda a cerveja e tirando do bolso uma nota amassada de R$10, o homem jogou-a sobre o balcão, esperando o troco.

       - Pô! Mas já vai? – inquiriu Grogue. - Com esse clima ruim, não dá nem pra tomar uma birra gelada sossegado, não é verdade?  

      - Ruim? Que Ruim? Agora o tempo está ótimo. Mas eu me vou porque ainda tenho de trabalhar. Tchau, um grande abraço pra vocês. 

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publicado às 13:48


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