Você já viu alguma união tranquila entre ricos e pobres? Não dá certo, não combina. É o mesmo que colocar, lado a lado, panelas de barro e de ferro. Quem você acha que parte primeiro?
A pessoa rica não teria tantos escrúpulos embaraçadores, formadores da personalidade, da grande maioria da população. O rico serve ao dinheiro, ao bezerro de ouro, e crê piamente que a solução de todos os problemas esteja no metal.
Semelhante ao colecionador que amealha borboletas, livros ou garrafas de pinga, o rico colecionaria dinheiro, moeda. Mas pior do que o rico é o pobre que se considera milionário. Ai a coisa complica. Há gente que não vacilaria em matar a própria mãe para se apoderar das riquezas.
Quase todos os políticos chegam ao restrito rol dos afortunados, burlando as regras impostas pela sociedade. Então você pode observar o que tinha um indivíduo eleito prefeito, antes de assentar-se no cargo, e o que ele tem, depois de algum tempo.
Há pessoas que no passado precisavam sacrificar-se dando aulas particulares para manter as despesas dos estudos na universidade pública. E hoje, depois de eleitas seguidas vezes, aos cargos de prefeito e deputado, não sabem onde e como utilizar tanta grana.
O enriquecimento ilícito não é mérito dos criminosos, mas sim demérito dos defensores responsáveis pela manutenção da ordem, da legalidade e das instituições.
As pessoas que têm muito mais do que o necessário para viver desenvolvem uma espécie de asco, nojo, repugnância mesmo, dos miseráveis.
E você nota isso nas prioridades escolhidas pelos ricos. Os endinheirados são mais apegados aos prazeres que lhes dão os produtos da indústria. Numa cidade ao invés de empregar o dinheiro na educação das crianças da periferia, usam-no na colocação de pontes e no asfaltamento de ruas já calçadas.
A eleição dos coronéis não mudaria o antigo refrão “O rico fica cada vez mais rico, e o pobre cada vez mais pobre”. Pode ter certeza.
- Diva, minha gatinha velha, como você está ressequida! Há muito tempo que não ouço falar da sua pessoa. Outro dia passeava tranquila pelo centro da cidade e a vi, assim, de relance, muito rapidamente. Nêga, sabe o que Aldo, aquele porquinho sujo, disse de você?
Na esquina as duas mulheres já idosas, reunidas pelo acaso puderam, naquela manhã de segunda-feira, relembrar alguns bons momentos que viveram juntas. Diva, defronte à sua casa, varria a calçada enquanto que Alana passava com dois sacos plásticos, cheios de mantimentos, que comprara na venda do Pereirinha.
- Não, eu não sei. O que aquele cafajeste falou de mim? – indagou Diva parando com a varrição.
- Ele teve a cara de pau de ir à minha casa para dizer que você, num dia que estava muito apertada, não tendo tempo de correr para o banheiro, fez cocô na sala. E que limpou o bumbum na cortina. Ai, você acha que pode, falar uma coisa dessas colega? – Alana era muito sincera.
- Hum querida, nem me abalo com isso. Vindo de quem veio, nem me ligo. Sei que aquela besta fazia até cirurgia pra tirar o apêndice, só pra não trabalhar naquele serviço chato dele. Ai, esse Aldo é dose. Todo mundo sabe disso, querida. E o que mais ele disse de mim? – o interesse da Diva inibiu, de certa forma o ânimo comunicativo da amiga. Mas não a impediu de prosseguir.
- Contou que você está fazendo tratamento pra depressão. Que na verdade você não precisa disso. Mas que vai lá só pra ver aquele médico bonitão. Olha que absurdo, colega? – Alana não guardava segredos.
- Mas não é mesmo, querida? – Diva queria saber mais. Muito mais.
- Ele falou também que você sofria com uma tal alergia. E que bastou aquele povo todo, do bairro pobre, onde você mora, saber que você estava com isso, pra eles também começarem a sentir comichão querida. – Alana falava tudo o que sabia.
- Ai, mas que absurdo, colega. Esse Aldo sofre das faculdades mentais, não é possível. Será que ele não tem interesse em se internar num Spa? – Diva gostava de saber o que falavam dela.
- Ele me disse que até o dia em que ficar bem velhinho, chegará perto de um. Nem que seja pra olhar, de longe, a porta da frente. – Alana, por permanecer muito tempo em pé, já mostrava sinais de cansaço. Ela sentia dores nas pernas.
- Ai que horror, querida. É muito pobre isso. Mas você não quer entrar e tomar um café? – indagou Diva, ao perceber a impaciência da amiga, parada na sua frente.
- Não, bem, não quero nada, não. Mas vou andando. Ainda tenho de fazer o almoço. E você não tem ido mais passear no centro?
- Ah, olha, não quero nem saber. Enquanto esse prefeito não parar de maltratar os pobres eu não saio mais do meu bairro. E depois tem outra: aquela região está muito feia e suja. Não vale a pena. – arrematou Diva ao colocar, numa lata de lixo, os resíduos que varrera.
- É isso ai, colega. Eu também não me abalo para sair da minha casa e passar vergonha de ver um lugar tão sujo e maltratado. – confirmou Alana.
As duas velhas amigas se despediram. Uma foi preparar o almoço enquanto que a outra fez anotações do que ouvira. Ela as usaria depois para contar às outras vizinhas, as novidades soubera.