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Quem conhece, ou já foi ao Rio de Janeiro, tendo a oportunidade para observar, sabe que a região central, aquela do Palácio Imperial, e outros sítios históricos, é formada por ruelas.
Entendo ruela por rua estreita, tanto as calçadas quando o leito por onde trafegavam as carruagens, as carroças, as liteiras, os pedestres, e os cavaleiros, daquele tempo do Império.
Nestas regiões basta você fechar os olhos para que toda aquela vida dos tempos passados, os amores, as intrigas, o comércio, as perseguições, e o dia a dia, fluam com certa naturalidade.
Naquele 9 de julho - quinta-feira - eu tinha chegado ali vindo da Gamboa, onde, por ser gratuíta a passagem do teleférico, ia e vinha na maior folga, sobrevoando e observando o corre-corre que se dava lá embaixo nas ruas.
Ali no centro, eu mancava um pouco por causa das bolhas no meu pé esquerdo que estourando, inflamaram.
A situação piorou depois que as peles que envolviam as lacerações soltaram-se completamente deixando as feridas expostas.
Com o avançar das horas a coisa foi ficando tão complicada que já me doía a perna esquerda toda.
A baixa temperatura, o vento frio, e as dores, entretanto, não me impediram de ler os poemas escritos nos banners imensos dispostos no chão, ao redor do Palácio Imperial, que, você sabe, é vizinho da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.
Bastante debilitado eu achava que estava com febre. Minha cabeça doía e a tosse assenhorava-se do meu peito.
Ao anoitecer um fenômeno esquisito aconteceu comigo: não sei se foi alucinação ou o quê. Sei que uma jovem mulher (ela deveria ter no máximo uns 36 anos, mais ou menos), parou na minha frente, estendeu a mão esquerda e disse:
- Vem.
Fixei meu olhar na figura: era loura, magra, de estatura mediana, olhos azuis e uma voz branda, macia, amável. Ela então continuou:
- Meu marido vai achar estranho, esquisito, mas você ficará no quarto da empregada, até resolver essas questões todas. Vem comigo, vem.
E você, pensa que eu fui?
Fui nada.
No dia seguinte, logo que amanheceu, estava na porta de uma Unidade de Pronto Atendimento - UPA - onde relatava ao doutor de jaleco azul, minha tosse, a dificuldade pra deglutir e os ferimentos no pé.
Só achei esquisita (não era o caso de exame de sangue, taxa de açúcar, diabetes, triglicéridos, colesterol alto ou baixo) a picada no meu dedo anelar esquerdo. Com ela o doutor retirou uma gota de sangue, impregnando um gabarito antes preparado.
Em todo caso, apesar do frio e das dores, o Rio de Janeiro deixa saudades.
Depois de mais ou menos uma semana no Rio de Janeiro, ter assistido missas, ido à Praça da República, à praia e passeado muito de teleférico, resolvemos chegar à Lapa.
Você sabe: é um local de boêmia, bares, rodas de samba e shows dos mais variados artistas. Naquele finalzinho de tarde o Fluminense jogaria e, portanto, ao entrar no boteco, aboletei-me num daqueles banquinhos, solicitando uma Antarctica tipo litrão.
O pessoal que não estava ligado na TV conversava animadamente ao redor. Notei que havia um sujeito boa pinta, bem vestido, que trazia nos dedos, nos pulsos e no pescoço ornamentos de ouro reluzentíssimos.
Ele era acompanhado por três mulheres lindíssimas, charmosas e chiques que o paparicavam sem cessar.
Num dado momento o tal empresário puxou conversa comigo. Então ele foi dizendo:
- Esse pessoal tem muita inveja de mim. Eles me odeiam. Odeiam o meu sucesso. Mas eles não sabem que vim de baixo. Sim, meu amigo, eu vim de muito baixo. Mais pra baixo de onde vim já era o Japão. Mas estou aqui, olha. Consegue ver aquela Maserati cinza ali perto do Quartel da PM? Então... É só minha. O IPVA está quitadíssimo, o tanque cheio. Cada gata dessa que me acompanha tem uma, se não igual, pelo menos parecida. É a vida, né? Fazer o quê?
Eu, boquiaberto, não conseguia mais me concentrar nos lances do Fluminense. Só ouvia. E lá vinha história:
- Então, mano... Eu fui catador de reciclável. Manja reciclável? Quando eu era menino, de calças curtas, minha mãe punha a gente pra catar lixo. Eu puxava carroça. Aliás, puxei muita, mas muita carroça mesmo. Eu só sofria quando tava muito pesado e tinha ladeira pra subir. A gente ajuntava tudo defronte o nosso barraco, na vilinha, e depois vendia. A gente tivemos sorte. Depois que fiquei taludinho, aparecerem uns caras propondo sacanagem em troca do dinheiro. Na dúvida eu contei pra minha mãe. Eu achei que ela ia dar piti, mas que nada. Ela incentivou. Mandou que eu me virasse. Eu me virei tanto que hoje tenho três apartamentos. Um em Copacabana e outros dois na Barra. Com os aluguéis dá pra pagar umas bramas.
Nessa altura do jogo eu já estava mais prá lá de Bagdá do que de Beirute: atordoadíssimo.
A noite desceu rápido. A temperatura baixou sensivelmente. Minha mochila, que não tinha quase nada além de algumas peças de roupa, pesava toneladas.
Com muito custo busquei, nos bolsos, a nota de R$ 10 com a qual pagaria o litrão.
- Deixa aí, mano. Você é dos nossos. Essa conta é minha - disse o homem de negócios.
Agradeci a gentileza e desejando que no segundo tempo do jogo, o Fluminense consolidasse a vitória, sai em busca da madrugada.
Eu já disse aqui, em algum lugar deste blog, que durante a vida há períodos em que não temos qualquer controle sobre os acontecimentos.
Um deles ocorre quando ainda somos crianças e estamos dependentes dos adultos, sejam eles nossos pais, parentes ou conhecidos.
Se tivermos alguma sorte sairemos da infância indo para a adolescência sem muitos traumas. Com menos sorte, podemos encontrar uma babá, daquelas malvadas que só se sintam bem depois de espancar a quem deveriam cuidar.
Já imaginou o sofrimento da criança, ainda na fase pré-verbal, que é deixada, por seus pais, sob os cuidados de uma doidivanas espancadora?
Hum... Minha amiga, nem me fale.
Eu caminhava hoje de manhã, depois de um longo período de clausura, pelo Jardim Brasília, Santa Cecília e adjacências, quando me deparei com um velho conhecido que, ao me ver, foi logo dizendo depois dos salamaleques:
- Rapaz, você viu como estão flagrando essas babás que agridem crianças?
- Pois é. – respondi-lhe, impaciente para continuar o passeio. – Depois que inventaram essas câmeras filmadoras compactas, meu amigo...
- Você não imagina do que eu me lembrei outro dia. – continuou o interceptador das caminhadas distrativas das pessoas quase estressadas. – Quando eu era moleque um tiozão, junto com o filho dele, me levou para um rancho de pescarias. Saimos cedo da casa deles e chegamos lá à tardezinha. A casa há muito tempo fechada, tinha um odor horrível. Mas depois que abriram as portas e janelas tudo ficou melhor. Bom, a primeira coisa que o pai do meu amiguinho fez foi um café bem forte, que tomei até enjoar. Como não havia tempo para a pesca, porque já anoitecia, o homenzarrão abriu uma lata de sardinha e nos deu com alguns pedaços de pão. Quando caiu a noite braba, e o breu era assustador, ele nos levou até o terreiro, bem na frente da porta da cozinha, que dava para uma escada, que descia até a margem esquerda do rio. Bom... Naquele lugar havia um bambuzal e o homem grande e gordo, com um facão, desses de cortar cana, dando um golpe certeiro, no pé de uma vara, decepou-a do conjunto. Demonstrando muita habilidade, o pai do meu coleguinha, eliminou os galhinhos que brotavam do caule comprido e fino. Depois, chamando a atenção minha e do seu filho, firmou o bambu no chão, defronte seus pés que estavam separados. Logo em seguida ele agitou a vara com força, fazendo com que o movimento enérgico, em atrito com o ar, emitisse um zunido esquisito. Depois e alguns segundos de agitação houve o choque com alguma coisa que estava lá em cima e que caiu no solo. Quando fomos ver o que era, notamos que um morcego fora atingido pela vara agitada. Eu não sabia o que queria dizer o homem com aquele gesto. Talvez ele desejasse fazer alguma coisa pra nos entreter, passar o tempo. Entende? Bom... Quando chegou a hora de dormir o homem acendeu uma lamparina de carbureto. A chama emitia uma fumaça preta e bem tóxica. Então o homem disse: “Faça nele, filho.” Tendo o menino se negado a fazer qualquer coisa que não fosse deitar e dormir, fomos todos pra cama. No dia seguinte eles acordaram serelepes e faceiros enquanto que eu não havia pregado os olhos.
- Foi o café que você tomou. Com certeza. – disse eu que ouvia atentamente a história, enquanto o sol nos torrava os miolos.
- Pois é. – continuou o interceptador. – E eu já sabia falar. Podia contar tudo pros meus pais. Agora imagine essas crianças que não sabem falar. Não é verdade?
Depois de concordar plenamente com esse meu colega, desejando-nos boa sorte e tudo de bom, nos despedimos, pondo-nos em caminhada novamente.
A certa altura do trajeto e pensando eu em fazer o caminho de volta, lembrei-me do segundo período da vida em que não temos o total controle da situação: ele ocorre durante a velhice. Nessa fase, à semelhança do primeiro, os cuidadores de idosos poderão fazer com os velhinhos, o que as babás fazem hoje com as criancinhas.
28/10/12
Levando a sogra à passeio.
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