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O Embarque

por Fernando Zocca, em 18.05.10

 

                           - Gente, eu vi! Ela estava prestes a embarcar pra Londres, mas deu um problema com o passaporte e a coisa enguiçou. A mulher do outro lado do balcão insistia pedindo coisas fúteis. Eu percebi que minha amiga ficava nervosa com aquela burocracia toda; mas ela não dizia palavra alguma que ofendesse a funcionária.

 

                   - E daí? Conta, conta mais! – implorava a ouvinte atenta nas palavras do Bafão.

 

                   - Bom – continuou ele – Você sabe que nossa amiga é um amor de pessoa. Ela é incapaz de pisar numa barata, esmagar qualquer mosca ou estapear um pernilongo. Entretanto eu notei que ela, de repente fixou o olhar assim, num ponto vago do espaço, sua respiração tornou-se ofegante e ela, pacientemente, mais uma vez, buscou na bolsa a papelada que a funcionária do aeroporto pedia.

 

                   - Ela foi barrada? Não a deixaram embarcar? – o tom de voz da freguesa do Bafão era de ansiedade. Ela acabara de comprar o leite e o pão no boteco mais frequentado do bairro.

 

                   Bafão alisava o balcão com um guardanapo e percebendo o interesse da consumidora continuou:

 

                   - Quase! Quase que não a deixam pegar o avião. O tumulto estava muito forte. Tinha gente que ia prá lá, gente que vinha prá cá, um vozerio, era o inferno. E havia um camarada que varria, sem cessar, o chão do lugar, assim, bem perto dos pés dela.

 

                   - Estranho! – concluiu a mulher que segurava os sacos plásticos continentes de um litro de leite e seis filões. – Mas e daí? – prosseguiu a vizinha – ela pegou o avião, conseguiu embarcar?

 

                   - Bem, eu não posso dizer que ela não embarcou.  Sei que já faz um tempo que não a vejo. Mas na verdade não vi o embarque. As pessoas comentam, dizem que sim, que ela embarcou. Mas não sei se foi numa boa.

  

                   - Olha seu Bafão se ninguém comentou nada pode até ser que o embarque dela tenha sido pacífico. – concluiu a freguesa dirigindo-se para a saída. – Ah, olha – continuou ela – bota essas coisas na minha conta. O senhor sabe, meu salário vem só no fim do mês.

 

                   - Ah, tudo bem, não se preocupe com isso. – Bafão sabia que sua complacência, um dia, o poria em alguma dificuldade.

 

 

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publicado às 20:35

Apagando as marcas da sua passagem

por Fernando Zocca, em 26.09.09

 

            Você que é blogueiro e adora o que faz, tendo vivido momentos deliciosos com essa atividade, acumulado páginas e mais páginas da mais legítima expressão própria, já imaginou o que seria se de um dia pro outro visse que todo aquele seu trabalho foi simplesmente deletado?
 
            Pois é amigo! Isso pode acontecer. Se você tem muita gente importante perturbada pelo que é escrito, saiba que esse pessoal possui o maior interesse em detonar suas manifestações.
 
            Os detentores da sua senha conseguida por programas conhecidíssimos, assim de um momento pro outro, podem decidir que você não deve mesmo deixar rastro na internet.
 
            E desejando que sua passagem pela existência virtual seja semelhante às marcas deixadas pelas nuvens no céu, pelos traços feitos pelas quilhas das embarcações nas águas do mar, eles não desistiriam enquanto não o vissem completamente zerado.
 
            Quando eu era menino e morava à Rua Benjamim Constant, 1528 havia numa casa vizinha, que tinha pedriscos verdes incrustados na parede externa, um casal formado por dois irmãos já bem idosos. O homem era calvo, alto, branquelo e chamava-se Salvador. Ele tinha uma irmã com problemas mentais. Seu nome era Angelina e ela era impedida de sair às ruas. Ela babava e não se expressava de forma usual.
 
            Angelina andava descalça pela casa e descabelada, com aqueles vestidos esvoaçantes, emitia grunhidos enquanto se agitava na habitação.
 
            Se não me engano corria o ano de 1959 quando o Salvador, na garagem contígua da sua casa, fez uma loja onde vendia aqueles produtos de armarinho. Ele passou a negociar linhas, agulhas, cortes de tecido, elásticos, e todo aquele aparato que se encontra nos locais assemelhados.
 
            Lembro-me que o Salvador quis que eu trabalhasse pra ele e eu realmente permaneci por algumas horas, de um dia qualquer, atrás do balcão aguardando os possíveis fregueses. Mas eu não gostava mesmo de ficar parado. E por isso, depois da primeira experiência nunca mais voltei.
 
            Sei que as meninas vizinhas Regina, Marlene e Marina passaram pela loja do Salvador onde aprenderam o trato com o público. Esse aprendizado foi-lhes útil quando se empregaram nas lojas maiores da Rua Morais Barros e Governador.
 
            Logo depois que Salvador e Angelina mudaram-se dali, a casa foi ocupada por uma senhora que tinha duas filhas, se não me engano. Elas – mãe e filhas - trabalhavam no mercado municipal, onde obtiveram a concessão de uma banca em que vendiam pastéis.
 
            Ao que me recordo a mãe das moças, vendedoras dos pastéis no mercado municipal, fora abandonada pelo marido. E ela conseguira a concessão, segundo os comentários dos teclados peçonhentos,  por meio da benesse política ofertada por um ocupante da Câmara de Vereadores.
 
            Naquele tempo ainda não existia a figura do divórcio. A separação legal chamava-se desquite sendo que toda a reprovação social recaia na pessoa da mulher desquitada. Porém esse fenômeno não impedia a ocorrência dos distanciamentos. Havia muita gente que se separava.
 
            Lembro-me que no ginásio, algumas colegas tinham pais separados. Não me sai da memória o dia em que, ao chegar à casa de uma delas, pra fazer um trabalho escolar, presenciei a mãe chorando na cozinha. A explicação que me deram foi a de que ela se lembrava do marido que fora morar com outra mulher.
 
            Na verdade, aqueles olhos vermelhos, túmidos, o lenço branco e as assopradas raivosas de nariz, lembravam alguém num velório a chorar por um conhecido morto. É claro que a dor seja maior quando o abandonador, por ocupar um cargo público eletivo, tendo muito prestígio, popularidade, fama e dinheiro, esteja sempre presente nas recordações da prejudicada.
 
            Pois veja que aqueles que pretendem apagar da face da terra os vestígios da sua existência, sejam motivados pelo desejo de não se lembrar mais de você ou das coisas que tenha feito, falado ou escrito.
 
            Pode ser que você lhes provoque o sentimento de culpa com o qual sofrem muito. E enquanto eles não aprenderem algo sobre a remissão dos pecados, talvez você realmente, corra algum perigo.
 
 
 
Fernando Zocca.
 
 
 
                                    
 
 
 
 
                                       

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publicado às 14:18


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