Glauco Nergam, no sábado à noite, na praça central de Tupinambicas das Linhas, sentado num daqueles bancos sujos, desgostoso, dizia ao atento Van Grogue:
- Então eu falei para a solteirona: o que mais poderia você fazer, minha amiga, do que maldizer seus vizinhos?
Van Grogue sabia que quando Nergam começava a falar sem interrupções, o tempo preenchido seria de no mínimo duas horas. Por isso era aconselhável redirecionar sua linha de raciocínio, trocando rápido de assunto. Então Grogue mandou:
- Quem procura acha: Sandra Gogo parente da Amélia benzedeira, cheia de curiosidade, foi xeretar num consultório médico. Presa pelas teias do destino só saiu depois de vinte anos. Acorrentada por antidepressivos, a infeliz contribuiu mensalmente com metade do seu salário, para o enriquecimento desarrazoado do excelentíssimo senhor professor doutor Asclépio. As idéias da seita maligna do pavão-louco serviram para mobilizar muitos ingênuos na fustigação da Sandra Gogo considerada por vizinhos como doente moral.
Glauco percebeu que seu próprio facho arrefeceu. Então ele perguntou:
- Sandra, que Sandra... a do lombo?" Grogue respondeu:
- Sim.. a do lombo... E que lombo!
Enquanto ambos trocavam idéias, luzes, lembranças, as pessoas passavam apressadas diante deles. Alguns traziam nas mãos exemplares do jornal mais lido na região.
A cidade provinciana não produzia novidade que justificasse a presença de muitos veículos de comunicação social. Por isso o Diário de Tupinambicas das Linhas, comandado pelo poeta Zé Cílio de Morais influía soberano em todos os assuntos. Na política, quem tivesse a sorte na obtenção da simpatia do proprietário, teria meio caminho andado no conseguimento dos objetivos. Na moda, a mesma coisa. Uma verdade era certa: sem o Diário de Tupinambicas das Linhas era impossível difundir idéias, conceitos e vender produtos.
- Numa ocasião alguns adversários políticos do Zé Cílio, não encontrando outra forma de fazer frente ao seu domínio, lançaram no caminho dele a Sandra Gogo. Eles se conheceram no dia 17 de julho, um domingo.
Glauco Nergam perguntou cheio de curiosidade:
- Por que escolheram justamente a Sandra Gogo?
Van respondeu rápido:
- Por causa dos pés dela. Zé Cílio era fetichista. Gostava de pé.
Van continuou:
- Depois do envolvimento emocional de ambos, a mulher do Zé o abandonou. Então, só naquele momento, o Diário de Tupinambicas das Linhas balançou. Quase foi a pique. A história foi registrada como o pé que, por pouco, não demoliu um império jornalístico, o pé da Gogo. Rarará.
Grogue e Nergam acendiam seus respectivos cigarros, quando viram Narcíseo M. Artelo encostando o Volks branco placas MFA 1990 ao meio fio. Narcíseo aproximou-se e falou a novidade:
- Internaram o Edbar B.I. Túrico de novo. - Nergam quis saber mais sobre o assunto:
-Mas por que motivo? Narcíseo respondeu categórico:
- Dizem que ele é doente moral. Ele mostrou o bilau pra filha do motorneiro e depois se recusou a casar. - Foi então que o Van Grogue arrematou:
- Pô, mas por causa de um cacetinho tão insignificante daqueles, internaram o cara duas vezes? Deve ter havido estupro. - Narcíseo honesto respondeu:
- Não houve; ele não pôs nem a cabeça do pintinho. Só mostrou pra ela. E pelo jeito ela não se constrangeu. O que ela queria era casar. - Glauco num tom professoral sentenciou:
- A moral do trecho é assim mesmo. Pelo menos poderia ter fincado a vara. - Narcíseo disse:
- O pai da menina é fera. Ele freqüenta as sessões noturnas da seita maligna do pavão-louco. Deu no que deu, tá vendo? Arrumaram fumo pro cachimbo do cara, pensando que ele fez maldade pra ela. Eu soube que a vereadora D.Tinha Pénellas e o prefeito parente do Jarbas influíram facilitando a internação do Edbar.
Muitos consideravam Tupinambicas das Linhas um lugar onde se praticava injustiças graves. Glauco Nergam encerrando o assunto revelou:
- Vejam como é a justiça imperante aqui no trecho: Pitirim Zorror com o desabamento do seu sobrado destruiu tanta gente e não lhe aconteceu nada. Por outro lado um pobre infeliz que por ter mostrado um pintinho de merda sofreu toda essa perseguição descabida. Mas pode uma coisa dessas?