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Cena 01/interior/dia
Fechado dentro do seu gabinete, na câmara municipal, o vereador presidente da casa está nervoso. Aflito ele olha pro filho que espera dele uma solução.
Vereador:
- Noi precisamo fazê arguma coisa. Assim não dá mais. Assim não pode.
Filho:
- O que noi vai fazê pai?
Vereador:
- Tá sujeira. Negadinha já tá sabendo que noi robamo os notebook e parte do dinheiro da merenda escolar.
Filho:
- Mas e dai? O que noi vai fazê?
Vereador:
- Vamo fazê uma simpatia.
Filho:
- Como assim, pai?
Vereador:
- É. A coisa tá suja. Noi precisa limpa tudo. Noi precisa de muito sabão e detergente. Vamo fazê o seguinte: hoje à noite noi vai alivià a fábrica de sabão do João Mané. Noi vai carrega o que for possível e depois noi vende esse produto lá em Minas. Quem sabe dá certo.
Filho:
- Será, pai?
Vereador:
- É craro. Convide seu irmão e seu primo pra noi fazê o serviço hoje a noite. Falô?
Filho:
- Falô, pai.
Cena 02/interior/noite
O vereador, seus dois filhos e um sobrinho, colocam caixas de detergente e sabão dentro de um carrinho de mão, que pretendem levar pra caminhonete, estacionada nas sombras do estacionamento interno da fábrica.
Vereador:
- Vamo rápido, molecada. Chega de sujeira.
O filho:
- Num sei não, pai. Acho que vai melar.
Vereador:
- Melar nada. Roubar todo mundo rouba.
O sobrinho:
- Tio, acho que o caldo vai engrossar. Parou um carro ali fora. Deve ser os home.
Vereador:
- Será?
Cena 03/exterior/noite
Dois agentes da Guarda Municipal saem da viatura apontando suas armas.
Guarda Municipal:
- Estejam todo mundo presos.
Filho:
- Eu num falei, pai?
Vereador falando baixo:
- Que nada. Eles aceita um mimo.
Guarda:
- Negativo inoperante. Conosco ninguém podosco. Vai todo mundo em cana.
Chega mais uma viatura da polícia. Os guardas algemam e colocam os presos dentro do camburão.
Cena 04/Exterior/dia
Um grupo de homens reunidos na praça comentam as últimas notícias sobre a prisão do presidente da Câmara Municipal.
Velho de cabelos brancos:
- Mas que vergonha! A gente votamos nesses caras e olha aí no que dá. Tá vendo só?
Velho de cabelos pretos, paletó e um jornal na mão:
- Esse assunto não compete a nós. Isso é coisa de armação política. Eles que se entendam. A gente não tem nada com isso.
Silêncio geral. O grupo se dispersa. No rádio a notícia de que o juiz concedeu o alvará de soltura para os presos, traz de volta a rotina da cidade.
Zoom da câmera no relógio da matriz que faz soar as doze badaladas do meio-dia.
Fim.
05/06/12
O falador compulsivo é o maluco incansável que passa mais de 72 horas falando sem parar. Suas palavras são quase sempre as mesmas e ele busca com isso a homeostase.
A compulsão é a mesma que leva um sujeito à bebida alcoólica, a fumar desesperadamente ou entregar-se aos jogos de azar. É uma força incontrolável que pode trazer desconforto para os parentes mais próximos e vizinhos.
As chamadas estereotipias compõem o vocabulário do paciente, que por ser iletrado, não consegue se livrar da tensão, fruto do meio ambiente, de outra forma que não seja a tal fala automática.
Da mesma forma que alguns acometidos pela tuberculose criam que para sarar, precisavam passar a doença para outras pessoas, não é incomum encontrar a mesma certeza, no doente portador desse transtorno mental.
Na idade média o tratamento para tal tipo de afecção era o exorcismo. Mas nos textos do velho testamento encontram-se alusões à língua e aos males que ela pode proporcionar.
Conhecidos também como “obsessores”, os indivíduos portadores dessa anormalidade, são muitas vezes encarados como “médiuns” que manifestariam espíritos malignos.
O analfabetismo impeditivo do contato intelectual e emocional com outras pessoas serve para a proliferação das crendices e superstições. Observa-se também o uso de estupefacientes no ambiente familiar desorganizado, carente de higiene e totalmente controlado pela personalidade cruel.
As crianças, impedidas de brincar, são imobilizadas pelo falar incessante. O tal controlador, muita vez conhecido como “babá”, busca a credibilidade, com a qual obtém a obediência dos infantes, “prevendo” os fatos que ocorrem no dia a dia do quarteirão.
Não exageraria quem dissesse ser a existência desse tipo de anormalidade do inteiro conhecimento das autoridades competentes do município. Acontece que por razões de ordem política, ao invés de sanarem os tais núcleos infecciosos, elas os incentivariam, por meio dos seus representantes chamados “religiosos”.
Crianças, pessoas idosas ou debilitadas da vizinhança, podem adoecer gravemente por causa desse tipo de agressão – incivilidade - que extravasa quintal afora.
Se nos tempos passados – antiguidade e idade média – usavam o exorcismo ou a imolação nas fogueiras, para acalmar o tecido social febril das cidades, hoje em dia, os neurolépticos são mais eficazes.
Mariel Ardeu Demorais na tarde de quinta-feira entrou já bastante cansado, no bar do Bafão pra comprar o seu costumeiro maço de cigarros. Assim que o recebeu leu a tarja “CIGARRO PROVOCA IMPOTÊNCIA SEXUAL”. No mesmo instante devolveu-o perguntando:
- Você não pode trocar este por aquele que PROVOCA SÓ CÂNCER?
Bafão considerou as altas taxas de pinga contidas naquele corpo, evidenciadas pelo olhar zonzo, rosto afogueado e pés inchados, como as motivadoras dos disparates. Mas mesmo assim respondeu:
- Já está mais do que na hora de você encomendar o espírito. O corpo já foi. É ou não é, Mariel?
- Ah, deixa disso, mano! Trabalho o dia inteiro naquela oficina e quando vou refrescar a goela tenho que ouvir essas loucuras? Ora, faça-me o favor. Ocê sabe que se eu só fumasse corria o risco de ficar doente. Mas não. Ocê não vê que eu gosto de tomar muita cerveja? É isso que me livra a cara.
- Hum... Tá bom. Vai querer pinga antes da cerveja? – no mesmo instante em que falava Bafão asseava o tampo do balcão com uma toalha branca.
- Bota o de costume.
Bafão percebeu que Mariel estava irritado. Talvez o serviço na oficina não estivesse muito agradável. As cobranças eram constantes e o esperado retorno financeiro não se mostrava à altura de produzir a satisfação plena.
- Você não ficou sabendo o que aconteceu com o Van Grogue? – perguntou Bafão, ao servir o freguês com a pinga.
- Faz tempo que não vejo o Grogue. Por onde anda aquela desgraça?
Bafão tirou da geladeira uma garrafa geladíssima de cerveja, abriu-a a vista do consumidor e ao ajeitar um copo limpo ao lado da vasilha, continuou:
- Van Grogue esteve trabalhando como colocador de carpetes. Foi por isso que não apareceu mais por estas bandas. Dizem que está ganhando muito dinheiro.
- Ele esteve lá na oficina, no mês passado. Reclamou do barulho, mas depois foi embora. A turma diz que ele voltou a beber. Será verdade?
Bafão respondeu:
- Olha, que eu saiba, o Grogue nunca parou de beber. Foi o pessoal que deixou de ver ele encharcando a cara. Disseram que um dia ele estava tão louco, mas tão louco de vontade de fumar, que depois de ter colado o carpete na sala do Cidão Boyola, viu uma elevação que se destacava bem perto do meio. Ele achou que era o maço de cigarros que havia esquecido ali. Com preguiça de refazer o serviço, ele simplesmente pegou o martelo e amassou, à pancadas, o calombo. Bom, quando já se preparava pra ir embora, a mulher do Cidão Boyola apareceu trazendo o maço de cigarros dele, - do Grogue - esquecido em cima da mesa da cozinha. Depois que Van o guardou no bolso, a mulher lhe perguntou se não tinha visto o filhote de gato que viera para a sala. Ocê acha que o Grogue teve a coragem de responder que tinha visto o filhote de gato?
- Eu acho esse Van Grogue um tremendo chato. Dizem que ficou amigo do Jarbas. É verdade? – Mariel demonstrava, já com a voz embargada, interesse inusitado em saber algo a mais sobre o famoso pinguço de Tupinambicas das Linhas.
Bafão emendou criticando:
- Imagine que o Grogue fez amizade com o Jarbas! É mais fácil uma vaca voar! Depois que a seita maligna do pavão-louco, a serviço do prefeito caquético testudo, “sujou a água” dele na cidade, o Grogue tem medo até de ir à praça ao entardecer. Ocê sabe muito bem Mariel: gato escaldado tem medo de água fria.
- Pois eu acho que fez muito bem esse prefeito! – enquanto falava Mariel Ardeu segurava o copo de cerveja suspenso diante dos olhos – Tinha mais é que dar uma sova nesse cara sujo.
Aquietadas as emoções, depois da ingesta de mais um gole generoso da cerveja que já não estava tão fria assim, Mariel Ardeu Demorais pôde ver a beldade loura que entrava no recinto. Era Luisa Fernanda, a gerente que tentava “há séculos”, tocar de orelhada o hino do Corinthians naquele seu teclado vetusto.
Rebolando aquela sua bundinha flácida Luisa disse categórica:
- Seu Bafão, me embrulha, por favor, 360 gramas de mortadela da boa. Mas olha: é da boa, hein! Não quero enganação.
- Sim, senhora. É pra já. – Respondeu Bafão solícito.
Notando que o silêncio do ambiente o incomodava Mariel Ardeu estendeu a mão em direção à mulher dizendo:
- Olá, como vai dona Luisa? E a greve já acabou?
Luisa Fernanda afastando-se do homem, como alguém que se afasta de um cão fedorento, murmurou algo parecido com “o que é isso?”, mas disse em voz alta:
- Não ponha a mão em mim!
Sem impedir a vazão dos sentimentos horríveis que lhe bagunçaram a alma naquele momento, Mariel Ardeu de Morais disse às costas de Luisa Fernanda enquanto ela saia carregando o embrulho.
- Vai ficar louca!
Bafão anotando o débito na conta da freguesa, nem deu tanta importância ao fato. Sabia que aquilo era ainda o reflexo da quizumba antiga, havida entre aqueles pobres “cachorros pequenos”.
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