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Rosas para Ana

por Fernando Zocca, em 18.01.11

 

                  Quem não se lembra desse livro publicado por mim em 1982? Era um romance e deu um bafafá dos infernos. Teve marido que pensou logo na possível cornitude própria.

 

                            As reações foram tão sérias que o ciumento arregimentou parentes, vizinhos e os colegas de copo, pra confabular sobre as prováveis intenções adúlteras deste autor que vos fala.

 

                            Do boteco de periferia você sabe que nascem planos pra tudo: desde assaltos a banco, invasões de residências, furtos, assassinatos, estelionatos mil e até motins de rua.

 

                            Eu vendia bem o tal livrinho. Caminhava pelas ruas do centro de Piracicaba, com um pacote de vinte ou trinta exemplares e ao encontrar colegas, amigos, conhecidos e pessoas desconhecidas, oferecia o meu trabalho, obtendo assim grande, como direi, “fluxo de caixa”.

 

                            Cheguei a fazer uma poupança substanciosa com os recursos provenientes das vendas.

 

                            Mas você sabe como é: ninguém tirava da cabeça do travesso que a Ana do livro não era a mulher dele. O pior ainda acontecia quando o tal entrava nos botecos e era zoado pela torcida sobre a iminente eclosão dos chavelhos.

 

                            O cara não sossegou enquanto não obteve a satisfação íntima de que o escritor não passava de um zé-ninguém, um ingênuo do qual tiravam o que quisessem.

 

                            Pois foi o que aconteceu. Um advogado e corretor de imóveis, parente desse nosso homem que suspeitava, induziu clientes seus a nos procurar e desenvolver uma história pungente de abandono, separação, doença e morte.

 

                            Os homens se aproximaram de mim quando eu saia da Caixa Econômica do Estado, depois de efetuar mais um depósito na minha já gorducha conta corrente.

 

                            Conversa vai, conversa vem, os bons cidadãos disseram que me conheciam e que tinham um negócio muito bom pra mim.

 

                            Então falaram de uma pobre velhinha que não se dava bem com os vizinhos, que não bebia água, mas só refrigerantes, que estivera muito doente, acometida por diabetes e que viera a falecer deixando um imóvel numa localidade rural da cidade.

 

                            Esses generosos homens se propunham a ceder seus direitos hereditários sobre a referida propriedade, desde que recebessem o preço que julgavam justo.

 

                            Você não vai acreditar, mas o valor solicitado era o mesmo que havia na minha caderneta. E não é que a besta aqui, sem nem ao menos visitar o tal imóvel – apenas possuído pela compaixão - acabou adquirindo os direitos sobre ele?

 

                            Houve até escritura de cessão de direitos hereditários. Bom, isso era o que faltava para o suposto futuro traído acalmar a ebulição da alma que a tal hipotética cornitude provocava.

 

                            Logo depois foi a vez desse nosso querido quase atraiçoado nos mandar rosa. Era uma de carne e osso, idosa, tinha ascendência italiana, andava pelas ruas em andrajos e dizia ser proprietária de cinco imóveis em Piracicaba.

 

                            Mas isso, meu amigo, é outra história.

 

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publicado às 20:14

Coisa de bêbado

por Fernando Zocca, em 16.10.09

 

Naquela tarde quente de quinta-feira, dez de janeiro, haveria na casa da Luisa Fernanda, mais uma reunião festiva regada com muitos fluídos alcoólicos. Primeiro a chegar, Van Grogue tinha o rosto afogueado e brilhante, sinais indicativos de que já estava “mamado”.
 
A piscina caseira, no fundo do quintal, continha águas turvas e apesar das queixas constantes dos vizinhos, sobre a possibilidade óbvia da disseminação da dengue, Luisa pouco se importava com os reclamos considerados inoportunos.
 
Van foi recebido pela anfitriã, que agindo com certa exaltação eufórica, puxou-lhe uma cadeira metálica componente de um grupo de quatro em cada mesa. Havia um conjunto de cinco mesas brancas também metálicas, dispostas ao redor da piscina verdolenga.
 
Luisa passou a conversar com Grogue, ofereceu-lhe um copo de cerveja e este acendeu um cigarro. Entretidos na conversa foram logo interrompidos pelos demais convidados que chegavam; estes bem descontraídos e à vontade, acomodavam-se nos locais que escolhiam.
 
O clima estava tranqüilo, no ar pairava um aroma de salgadinhos, perfume e cerveja, quando de repente, o poodle da Luisa, tomado por um acesso incontido de agitação, passou a latir desenfreado.
 
Lá em cima do muro, Isauro o vizinho chato, conhecido nos bares do bairro como boca-de-porco, por causa da halitose repugnante, gritava pedindo silêncio.
 
O burburinho emanante da reunião arrefeceu. Todos olharam para aquele ponto inflamado sobre a parede O cachorro continuava latindo.
 
Isauro diante do silêncio que se formou, e torcendo para que a dentadura não lhe escapasse da boca, disse:
 
- Gente, pelo amor de Deus! Eu preciso dormir. Tenho que levantar cedo para pegar no meu serviço. Assim não tem quem agüente.
 
As pessoas voltaram-se umas para as outras e todas buscando, com o olhar para Luisa Fernanda uma orientação, viram pelo gesto que ela fez, que poderiam continuar divertindo-se sem maiores problemas. Que não se preocupassem.
 
Luisa Fernanda girara o indicador da mão direita em torno da orelha do mesmo lado, dizendo com aquilo que Isauro era maluco, e que desmerecia atenção.
 
Isauro calou-se diante da zoada que recrudescia, arrumou os fios rebeldes da peruca nova, descendo então do muro.
 
Mas logo os comensais tensos puderam ver horrorizados que tijolos eram lançados contra eles. Houve um alvoroço, um corre-corre e alguns caíram empurrados por outros.
 
Ameaçando de morte aquela gente toda, Isauro ofegante, por causa do tabagismo, atirava tijolos enormes contra os festeiros sem, no entanto, acertar nenhum em ninguém.
 
Esquivando-se, protegendo-se e sentindo-se seguros, os convivas puderam observar até que ponto ridículo e absurdo a insanidade provocada pelo alcoolismo, analfabetismo, e tabagismo podem levar alguém, apesar da idade avançada.
 
Isauro vestia uma bermuda verde suja, um par de chinelos rotos e uma camiseta azul sem mangas. Seu rosto congestionado indicava intoxicação; ele só não invadiu a casa da Luisa Fernanda por absoluta falta de preparo físico. A taquicardia e taquipnéia impediram-no de coordenar os pensamentos e, o máximo que ele podia pronunciar para a vizinha era a frase: “vou te matar”.
 
Na verdade Isauro estava louco, impregnado pela pinga ruim, cerveja de garrafa com tampinha enferrujada e cigarros baratos.
 
Apesar dos esforços da Luisa Fernanda, feitos para impedir a debandada, não houve mesmo jeito.
 
A festa acabara e a reunião fora desmanchada num clima lúgubre de revolta que se apoderou das pessoas. Todos foram embora indignados.
 
Arrasada, envergonhada e prometendo revanche, Luisa Fernanda sentou-se ao seu teclado, onde passou a dedilhar velhas melodias.
 
Ela tocava de ouvido e apesar do medo que sentia, diante de uma outra provável investida de Isauro, deixou-se levar pelo encantamento dos sons mágicos.
 
No dia seguinte Luisa, ainda bem ressentida, tratou logo de esquecer as ocorrências partindo, bem cedo, para a academia onde dançaria boa parte do tempo.
 
 
Fernando Zocca.

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publicado às 14:39


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