por Fernando Zocca, em 20.09.13
Quando Jesus nasceu um cometa cruzou o céu. Esses dois fenômenos indicavam que as profecias, sobre um novo tempo, feitas séculos antes, se iniciava.
É muito comum, diante das ocorrências significativas da vida das pessoas, surgirem momentos de dúvidas e indecisões quando ao futuro.
Então o nascimento de uma criança, o casamento, a separação, a morte, são mudanças na vida que trazem consigo muita indefinição sobre "como será o amanhã".
Para a solução desses problemas havia, naquele tempo, os oráculos, que eram respostas dadas pelas divindades aos que as consultavam.
Hoje quase todas as dúvidas são resolvidas pela sociologia, psicologia, medicina, psicanálise, jornalismo, direito e todos os demais ramos da ciência e da tecnologia.
Mas os oráculos são ainda importantes e muito usados em todas as partes do mundo. O horóscopo diário, lido nos jornais, a consulta ao tarô, aos búzios são as formas que se utiliza para decifrar o passado, o presente e também o futuro.
Mas há ainda outra maneira, além destas elencadas acima, de obter respostas, de "projetar" o vindouro, ou "planejar" o vir a ser de uma pessoa. Trata-se da capa do jornal, de grande circulação, publicado no dia do nascimento dela.
É um tipo de script, de um "estava escrito" muito usado por políticos, por gente desejosa de manipular, controlar e decidir sobre o futuro das outras. Os inescrupulosos se valem dos acervos, dos arquivos das grandes instituições governamentais que lhes permitem acesso.
O assunto é levado tão a sério que a moça recém-casada pode decidir não ter filhos porque no dia em que ela nasceu a capa de um jornal influente trazia a matéria sobre a mãe generosa que perdeu seu filho querido.
Um professor universitário pode tornar-se político profissional, manipulando a elaboração das leis reguladoras do uso do gás combustível, simplesmente porque na capa do jornal do dia em que ele veio ao mundo, havia notícias sobre o tal assunto.
A vovózinha pode ser afeita aos jogos de azar e até casar-se com pessoa dada a esse hábito, se na capa daquele jornal conceituado, havia um texto enorme sobre a prática do jogo do bicho.
A moça bonita pode sentir impulsos indicativos de que deve mesmo trabalhar na televisão, pois na capa do jornal, daquele dia em que ela veio à luz, havia notícia sobre o nascimento de cinco tigres no circo famoso.
O muleque acreditaria que cometeria suicídio, se no dia em que nasceu, havia na capa do jornal, a reportagem de uma criança morta em decorrência dos ferimentos na cabeça, provocados por autolesões.
Esse assunto capa é bem sério e pode se tornar terrível se houver quem, confundindo (dolosa ou culposamente), o substantivo com o verbo, buscar insistentemente alijar a pobre criança indefesa do seu órgão reprodutor.
Autoria e outros dados (tags, etc)
por Fernando Zocca, em 25.10.09
Até que ponto pode a astrologia influir em nosso comportamento? Eu não sei, mas o fato de ser, pisciniana, aquela senhora velha, induzia sempre seu marido, louco de pinga, crente que era pescador, a correr atrás dela, brandindo a peixeira, quando se sentia, assim como direi, ofendido e com fome de vingança.
O fuzuê era corriqueiro. Aos gritos e desesperada, a coitada corria em torno da mesa velha, encardida e cheia de cupim, procurando defender-se. Esbaforido, o pescador tabagista pançudo, via-se safo da sanha, depois que, arfando, punha a língua de badalo pra fora.
Mas, naqueles velhos idos anos dourados (por favor, nobre leitor, não confundir com ânus ictéricos), quando Roberto e Erasmo Carlos eram ainda principiantes imberbes e o Gordini, quatro portas, um dos melhores carros para se levar libertinas a passeio, havia um cidadão, meu vizinho, que teimava em tocar guitarra. Porém quando o "músico" punha-se a tanger o instrumento, os cães uivavam, os gatos que antes dormitavam sonolentos, nas soleiras aquecidas, fugiam com olhares desconfiados, e os pardais esvoaçavam, mudos e assustados, pra bem longe.
Diante de tantas reações desgostosas, o moço resolveu vender o instrumento. Mas nas maracutaias que armava, cria que sempre deveria levar vantagens e, por isso, a caixa da guitarra ficou com ele. Mas o que faria com aquela coisa marrom por fora, com o formato dum violão, e revestida de veludo vermelho por dentro?
Ele não sabia até que, num 7 de setembro, o Exército Brasileiro expôs parte das suas armas na praça da cidadela. No vacilo do recruta sentinela, que fora ao bar ingerir o café predecessor do Minister curto, o ex-músico, rápido feito um felino, furtou o mosquetão 1908, que jazia na carroceria do caminhão camuflado. Acelerado, colocou a arma dentro da caixa da guitarra e, acendendo um cigarrinho, caminhou nervoso, porém sem dar bandeira, de volta pro refúgio.
Existem pessoas malucas que sob influências de fatos significativos, não sabem como reciclar aquelas emoções negativas a não ser por meio de, como direi, efetivação de "simpatias" correlatas. Por isso, quando o músico fajuto, leu no jornal a publicação da ocorrência, ensandeceu e apatetou-se. Mas no fundo do seu coração, achava que só se livraria daquele incômodo todo se caminhasse célere atrás duma pessoa, como se tivesse perseguindo um ladrão, passando-a, porém, na esquina. Pode soar estranho, mas para o maluco, aliviava-o o fato de imaginar, que ao invés de perseguido, ele era o perseguidor.
Com o tempo a ansiedade foi desanuviando e o ladrão vendeu a arma para um colecionador. Porém, sob os resquícios do transtorno causado pelo crime, numa catarse desopilante, o ladro esculpiu, com seu canivete afiado, um tacape monstruoso de madeira branca. Com parte do zinco, apurado na venda do fuzil, comprou a passagem do ônibus que o levou pra bem longe.
Anos depois, já maduro, o matuto maluco, durante as tardes, do início da primavera linda que se avizinhava, gostava mesmo era de sorver seu chá de catibiriba, deitado sobre sua bundinha mole e marmórea, na espreguiçeira instalada na borda da piscina de águas turvas. Beberrão, o careta apreciava a abusada e sorubínica cachorra podlee que se esvaia nos ladridos birrentos e punidores.
Naquele ano haveria eleições. Ele não gostaria que o rei momo se tornasse prefeito. Mesmo que, em o sendo, pudesse distribuir, de graça, milhares de cadeiras-de-rodas pra população.
Aquela sua bandeira até que poderia ser nobre, mas quem, na sã consciência, nos garantiria que, às escondidas, ele não desejava que milhões e milhões de pessoas saudáveis, se tornassem aleijadas, para que depois, durante as eleições, pudesse comprar seus votos eletivos com as bandeirosas cadeiras rodadas?
Autoria e outros dados (tags, etc)