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Os Males da Vagabundagem

por Fernando Zocca, em 28.04.10

                          Hoje tem jogo do Corinthians e quando isso acontece fico muito nervosa. A angústia me arrebata de tal forma que preciso transferi-la pra alguém. Para me acalmar eu usava a estratégia de jogar  dentro da  garagem, do vizinho cachaceiro,  um ou dois folders que sempre deixava guardados.

                               Hoje não foi diferente, o tormento me assolou. Se você não sabe, digo-lhe que eu já não saia de casa por causa dos meus pés rachados e da minha barriga que engrossa cada vez mais.

              Entretanto o doutor Wemaguete, que trata minha pressão altíssima, tendo-me aconselhado a andar pelo menos  meia hora todos os dias, assegurou que  o problema com os calcanhares rachados eu resolveria facilmente se os pusesse numa bacia com água quente, e depois lixasse a pele grossa. Assim  a feiúra dos pés não seria impedimento para as andanças matinais. Numa consulta ele me disse:

                - Olha dona Marli: se a senhora não se cuidar a coisa fica bem preta pro seu lado. Veja só essa pança. Do jeito que a coisa está indo, daqui a pouco precisará de algo muito mais substancioso do que remédios homeopáticos.

                Então acreditando nisso, fiz ontem à noite o que ele mandou e hoje, logo pela manhã, vesti a camisa branca, a bermuda preta e calcei aquele chinelão velho; chamei meu amigo balofo, vizinho de longa data, que também padece com os males da vagabundagem e, iniciamos a caminhada pelas ruas do bairro.

                Quando passamos defronte ao palacete de uma jovem que tinha sido catadora de papelão, pudemos observar o carro importado exuberante – azul pavão - que ali permanecia inerte até que as necessidades da sua dona o mobilizasse. Que luxo!

                A moçoila tinha cabelos pretos, tez morena, andava sempre de short e camiseta simples pela redondeza. Meu amigo Baleia Júnior, que a cada cinco passos dava com o dedão numa toceira da calçada, contou-me aos sussurros,  que a ex-carroceira vestia-se assim, com tanta simplicidade para não atrair  a cobiça dos malandros do quarteirão.

                Meu camarada garantiu-me que a jovem fizera-se passar por deficiente mental a fim de comover os pais, também catadores de lixo, de que aquele tipo de serviço não era o ideal pra ela. Segundo o Baleia Júnior a menina babava com tanta intensidade e frequência que convenceu mesmo seus pais de poupá-la das agruras da rua.

                A mocinha submeteu-se a tratamentos homeoterápicos a fim de que seus males e aquela perpétua unha encravada retrocedessem e foi isso mesmo o que aconteceu. Logo depois ela conheceu um sujeito metido a desenhista que roubara a herança da mãe e dos irmãos. Eles se juntaram e essa era a explicação da existência do reluzente automóvel caríssimo ali naquela garagem.

                Então quando cheguei em casa, durante a despedida do Baleia Júnior, algum maroto passou  com uma velha perua DKW  e depois de um assovio estridente esgoelou:

                - Que roubada hein dona Marli? Viu só no rolo que a senhora se meteu?

                Eu não poderia explicar o que significava aquilo. Talvez fosse fofoca da vizinhança. Mas o melhor mesmo era deixar isso pra lá. Hoje tem jogo do Corinthians.

                 

Atrasados mentais

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publicado às 20:59


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