Existem certas perturbações mentais que desproveem seus portadores de todo e qualquer tipo de sono.
Esse tempo livre e desconfortável, durante as madrugadas, enseja também, dentre outras, aquelas manifestações conhecidas como as DR ou "Discutir a relação".
As tensões daqueles momentos sofridos fluem nos lamentos, mas também nas brincadeiras que se faz com o ronco da vizinha gorda.
O insone doido possui tanta energia que considera ter poderes para controlar até o pobre cachorro pernas curtas do velho besouro desocupado.
Há os que, depois das arengas das madrugadas, se aquietam, diferentemente dos hiperativos incansáveis, querelantes reinvidicativos, na verdade psicóticos incuráveis.
Sob a análise do especialista, desnuda-se a origem genética do mancebo ignóbil, acrescida à má educação, ao analfabetismo, ao uso dos estupefacientes e da acumulação de toda a crueldade do mundo.
Com exceção dos "loucos de todo gênero", dos menores e incapazes, todos são responsáveis e respondem por seus próprios atos.
Essa positividade legal decorre da presunção do legislador de que a pessoa comum teria o chamado livre arbítrio. Ou seja, o sujeito diante da escolha entre o bem e o mal, é livre pra decidir.
Assim, o bater com violência, frequentemente a porta da tapera, tossindo ruidosamente, sem ter doença nenhuma, com a intenção, única e exclusivamente de mexer com a vizinha roncadora, não teria outra motivação do que a escolha da maldade existente nas próprias entranhas abusadoras.
Da mesma forma o velhote, besouro antigo, que durante as madrugadas insones se dedica a praguejar e a amaldiçoar os proprietários da casa da qual ele - o inseto coleóptero - deve pagar os alugueres, tem como motivador a escolha das próprias malignidades que lhe habitam o íntimo.
Os equívocos ou erros de quem quer que seja não são autorizadores das ações vingativas.
O chamado "exercício arbitrário das próprias razões" é crime e faz parte dos linchamentos vergonhosos decorrentes do descrédito nas autoridades constituídas.
Mesmo que os eleitores desejem jogar no lixo aquele politico sanguessuga, ou espancar o padrasto irresponsável, que violentou o enteado e deflorou a enteada - menores de idade -, não convém que isso seja feito.
Aos trogloditas idiotas, as consequências legais das suas idiotices.
- Van Grogue, carniça do inferno! Carroceiro analfabeto! Cortador de cana e bicha velha enrustida, então você acha que pode fugir das obrigações de sustentar o filho que arrumou durante as farras que fazia? Você acha, retardado mental, que por ser dono de uma empresa de transporte, com centenas de caminhões, o cara pode se livrar de um reconhecimento de paternidade e de pagar pensão alimentícia? – gritou à entrada do bar do Bafão, Anermínica a baranga de canelas finas.
Os presentes cessaram as conversas e durante o silêncio que se instalou a mulher magérrima, que vivia movida por moderadores de apetite, continuou:
- Pisa retardado! Pisa na esperança de reconhecimento da criatura ilegítima que você fez vir ao mundo! Besta inútil, comendador do demônio! – Anermínica parada na porta aguardava a reação violenta do homem instigado, mas o que ela via era a troca de olhares de espanto entre os bebedores.
- Mexa-se derrotado! Chicana não apaga a verdade escrita na sua consciência. Múmia caipira! – enquanto falava a mulher mantinha o punho direito, a exemplo do cabo de uma caneca, dobrado na altura da cintura. Entre os dedos indicador e médio da mão esquerda, ela premia um cigarro do qual aspirava a fumaça de tempos em tempos.
- Mas o que se passa? – indagou ao Bafão o atordoado Van Grogue.
- Eu é que vou saber? Vocês arrumam confusão e ainda não sabem de nada? – respondeu o dono do boteco.
- Vou botar o Aníbal carroceiro na sua cola, sua besta! Você vai ver o que é bom pra tosse! – prosseguiu a mulher. Você não me escapa. Nem ouse pensar em beber água daquela sua caixa d´água! Você não sabe o que te espera, corintiano sujo!
Adam Oly que encostado no balcão, bebericava sua segunda cerveja, não escondia o desagrado que as palavras berradas pela mulher, causavam nos circundantes.
- Mas que chateação. – resumiu ele.
De repente Anermínica sentiu-se mal. Ela jogou o cigarro e levando a mão esquerda à cabeça, procurou com a direita apoiar-se no balcão.
- Um cardiologista! Depressa, um cardiologista! Socorro, misericórdia! – gritava ela com a cabeça baixa. Ante a inércia dos homens assustados ela prosseguiu com voz tremula:
- Bando de lesados! Ninguém me ajuda? – queixava-se Anermínica - Ah, é assim? Vou jogar uma praga em vocês!
Bafão temendo que os fregueses debandassem por causa do escândalo da mulher, por ele considerada bastante descompensada e saliente, ligou o rádio, visando abafar o alarido desconfortável. Mas a lengalenga prosseguia:
- Van Grogue, bicha velha aidética! Vai ficar louco! Vou fazer você andar enlouquecido pelas ruas e estrada da cidade, você não perde por esperar. No-jen-to!
Enquanto pronunciava a imprecação Anermínica notou que Luisa Fernanda entrava no boteco. Ela vinha toda serelepe e faceira. O rosto avermelhado, era sinal de quem, já pela manhã, fizera uso da água-de-cana.
- Mas o que você está fazendo aqui, querida? Nossa, você está bem? – indagou surpresa Luisa Fernanda, depois de pousar uma garrafa de cerveja sobre o balcão.
- Então você não sabe, neném? – respondeu com outra pergunta a magricela de canelas finas.
- Não lindinha, não sei de nada, não.
- É esse tal de Van Grogue. O cara pensa que não vai pagar pensão alimentícia pra filha que teve. – Anermínica estava bastante indignada.
- Ah, ele até parece o Célio Justinho, que achava que ia se livrar do peso na consciência por causa da morte da primeira mulher dele.
As comadres davam a impressão de que a conversa se prolongaria por tempo ilimitado e por isso Bafão aumentando o volume do rádio fez com que todos ouvissem a festa de uma torcida organizada que se manifestava:
- Ão, ão, ão, o Flamengo é campeão!
Van Grogue e Bafão se olharam quando o primeiro perguntou:
- Será?
Fernando Zocca.