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O Portão

por Fernando Zocca, em 28.12.16

 

 

 

 

Bodão.jpg

 

Henriqueta Fossa e Elisa Buffa conversavam na esquina:
- E aí, amiga? Sarou da ressaca? - perguntou Elisa.
- "Mardita" pinga aquela que me deram... Me fez um "mar" terrível - respondeu Henriqueta.

- Toma um chá de boldo, comadre. Você vai ver tudo melhora - consolou Elisa. E depois concluindo:
- A senhora já passou dos 82 anos. Não seria bom parar com a talzinha?

 - Que nada filha... O que é que a gente vai fazer numa quiçaça dessas? Se não tem o boteco, o que a gente faz?
- Mas dona Henriqueta... E o crochê, minha nega? - provocou Elisa.

- E lá eu sou velhota de crochê? Ora faça-me o favor dona Elisa. E me dê licença que meu feijão está no fogo; parece que a panela tá bufando.

- Vai dona Henriqueta... Vai... Vai tomar... Lá na sua cozinha, conta do seu feijão.

Depois do almoço, lá pelas três horas da tarde, Henriqueta saiu de casa e foi direto ao armazém da esquina onde pretendia comprar o leite e o pão para o café da tarde.

Como não gostava de caminhar pela calçada, a velhota, alta, magra, desengonçada, que falava grosso devido a um problema na garganta, iniciou o percurso pelo meio da rua.

Enquanto caminhava um automóvel vendendo pamonha anunciava pelo alto-falante:

- Olha a pamonha, senhora dona de casa. É o legítimo creme do leite. É a pamonha de Tupinambicas das Linhas. Venha conferir minha senhora...

Henriqueta sentiu-se incomodada. Teria sido aquela funesta Elisa Fossa, a vizinha maledicente a responsável por essa gandaia toda no quarteirão? Quem é que aguentava tanta judiação?

Não teve tempo de concluir o seu raciocínio porque já tinha chegado ao armazém.

Havia um pessoal aglomerado, esperando numa fila, a vez de pagar o que comprara, no caixa.

Sentindo-se insegura Henriqueta imaginou que se estivesse na sua cidade natal, Salvador, na Bahia, estaria bem menos nervosa.

- Seu Messias, eu quero 24 pães. Me põe em dois sacos, faz o favor. E me dê também um litro de leite de caixinha. De saquinho já ando cheia.

Messias conhecia bem a figura. Olhou-a por cima dos aros dos óculos e disse:

- Ô Almeida: atende a dona Henriqueta. Que ela tem pressa.

Almeida, atrapalhado com as suas 1001 ocupações no armazém, deixou o que fazia e atendeu a freguesa dando a ela o que pedira.

Saindo com os embrulhos Henriqueta sentenciou:

- Põe tudo na minha conta, seu Messias, lindinho da vovó, que no final do mês a gente pagamos.

Messias tirou a caneta que estava equilibrada na orelha direita e anotando a despesa numa folha de papel, passou a receber o dinheiro dos demais que estavam na fila.

Na volta, caminhando pelo meio da rua Henriqueta sentiu-se obrigada a usar a calçada porque um caminhão vendendo gás de cozinha passava anunciando, tendo ao fundo a sinfonia Für Elise, do compositor alemão Beethoven,  a mercadoria pelo alto-falante:

- É o gás, meu amigo, minha amiga e senhora dona de casa. Aproveite a promoção. Leve agora o seu gás e ganhe um brinde lindo.

Chateada Henriqueta chegou a sua casa. Quando se preparava para tomar o café alguém tocando, com insistência a campainha foi logo lá de fora gritando:

- Como é sua velha safada!!! Quando vai pagar os 182 reais que me deve?

Era Elisa Buffa que, acarinhando a barbicha branca de um bode velho, parada defronte ao seu portão, incomodava-a mais outra vez.  

 

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publicado às 17:26

Árvore alta

por Fernando Zocca, em 03.04.16

Neste verão passado, chuvas torrenciais, muita água e vento, durante as tempestades, derrubaram milhares de árvores na capital paulista.

Houve muitos prejuízos materiais, feridos e até mortos. A imprevisibilidade e a negligência podem estar no rol das causas dos tantos males sofridos pelos cidadãos.

Quando a gente vê uma árvore muito grande, bem alta, já envelhecida, com o tronco muita vez circundado por parasitas, pode imaginar que suas raízes já não são as mesmas. Então quando surgem as ventanias elas simplesmente não aguentam vindo ao solo causando a destruição.

Aqui em Piracicaba existem centenas de árvores muito altas, cujas copas espalhando-se pela vizinhança do tronco, acumulam muita água das chuvas tornando o peso praticamente insuportável para as raízes já não tão saudáveis.

Muitas e muitas pessoas diante de um problemão desses liga para o 156 da prefeitura comunicando a possibilidade dos estragos que a situação pode causar.

Mas nem sempre os moradores são atendidos. A posse dos protocolos e mais protocolos, da entidade pública, solicitada a resolver os problemas, não vale nada.

O sujeito perde mais tempo indo atrás das pessoas responsáveis pela solução destes imbróglios do que ganha esperança de resolvê-los.

E quando a canseira é bem maior do que o medo de que a queda da árvore possa danar os automóveis, os telhados, os muros e as casas dos moradores, então não resta nada mais do que rezar pedindo a Deus o livramento das chateações tamanhas.

Apesar de existirem normas reguladoras desse assunto donde emanam enunciados de que quem promover o corte ou a poda da árvore, existente na rua, pode ser apenado com multas pesadas, ainda, mesmo assim, tem quem destrua a planta existente defronte a sua casa.

E como geralmente quem faz isso é muito “esperto”, aos possíveis questionamentos das autoridades, sempre poderá responder que “ela estava podre e morreu”.

Uma técnica observada, com muita frequencia, na ação fatal contra as árvores, é a do anelamento que consiste em tirar a casca do tronco, na altura da raiz.

Passadas algumas semanas depois deste ato vandálico, o vegetal começa a secar. Da mesma forma que o cão, envenenado por uma vizinha maluca, morre aos pouquinhos, sem chance de sobreviver, a árvore inicia também, sem poder se nutrir e respirar, um processo mórbido deixando cair as folhas; seus galhos logo secam inapelavelmente.

Então, da mesma forma que o dono do cão neurótico, louco, que ataca as pessoas nas ruas, ao ser questionado, afirma não ser o proprietário dele, o matador das árvores nega veementemente não ter sido ele o autor da tão condenável atitude.

O mal que habita pessoas assim é o mesmo que leva o deputado federal a receber propina depositando a fortuna no exterior.

Ou seja, não haveria um mínimo de consideração para com as coisas, inclusive as públicas. A perversidade é mais intensa do que o medo das possíveis punições que os tais meliantes possam receber.

Perceba que a alegação do desconhecimento da proibição da prática do ato destruidor da árvore pode, muita vez, encorajar a mentalidade insana a diariamente buscar a degeneração do vegetal plantado na calçada, bem na frente da sua própria casa.

Os “cabeças de burro” de um quarteirão valorizam mais os zumbidos bizorrais que podem produzir suas gargantas do que a estética e a limpeza do lugar onde vivem.

É uma pena que, ainda hoje, os ensinamentos escolares sejam insuficientes para formar personalidades capazes de valorizar mais o todo, o ambiente em que vivem, do que seus direitos de serem loucos irresponsáveis, agressores impunes, daqueles a quem antipatizam.

Mas apesar disso tudo, meu amigo, a gente ainda tem esperança de ver o sujeito que mata as árvores, o cão do vizinho, o padrasto maligno que abusa sexualmente dos enteados, a doidona que sendo portadora de afecção pulmonar, usa teimosamente o tabaco, descontando depois o sofrimento obtido, no inusitado bater violento da porta do barraco, o deputado ladrão esperto, a gente ainda tem, repetimos, a esperança de vê-los receberem o retorno, as consequencias, que merecem.

Colhe-se o que se planta.

                                        

 

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publicado às 14:24

O burrinho do freio

por Fernando Zocca, em 02.04.15

 

Quem tem computador, e usa a Internet, sabe muito bem o que representa o perigo das ameaças dos vírus.
O receio de sofrer danos pode se concretizar quando o navegante incauto, ao clicar em determinadas exibições, recebe a invasão das manifestações capazes de provocar perturbações no comportamento do computador.
Os vírus têm a pretensão de tirar esta ou aquela virtude do hardware/software das máquinas.
As pessoas que atuam, disseminando a peçonha, agem dolosa ou culposamente, mas sempre produzindo o dano.
Os legisladores já elaboram as regras que nortearão as ações de repressão, e reparação dos danos deste crime cibernético.
Usando a analogia podemos inferir que os ataques dos vírus assemelham-se às agressões das bactérias aos organismos vivos.
Dependendo da intensidade do digamos "constrangimento", não haveria salvação para as vítimas, tanto PCs, quanto humanas.
Ainda usando a analogia, podemos equiparar os efeitos danosos, aos computadores, com os produzidos na pele dos mecânicos, quando lavam as peças com gasolina.
Quando eu era criança trabalhei algum tempo numa oficina mecânica.
O proprietário era um senhor alto, gordo, careca; um verdadeiro titã no ofício; ele ostentava um bigodinho fino que lhe margeava o lábio superior; apesar de estar sempre com as maçarocas de estopa nas mãos, com as quais buscava livrar-se dos efeitos da gasolina, notava-se as consequências malignas da dita cuja na pele.
Um outro colega que, por muito tempo foi dono de oficina mecânica, também sofreu com a abrasão do combustível.
Este mecânico excelente teve de se aposentar mais por causa da debilidade na saúde, do que pela chateação incessante por chamarem-no de pintor de rodapés ou jóquei de pônei, devido a sua baixa estatura.
Os laudos médicos periciais apontavam senilidade precoce incapacitante.
Mas alguns garantiam que o baixinho calvo, especialista em "burrinhos de freio" - por suas atitudes estranhas, como o permanecer defronte a sua casa, na esquina do quarteirão, sentado numa cadeira de rodas, e portando muleta, sem a necessidade real disso, - demonstrava indubitável demência senil.
Alguns mais chatos e ousados comparariam os tais vírus aos "fura-olho", ou os sujeitos que namoram mulheres casadas.
Mas isso, meu amigo, já é outra história, ficção, que pode até gerar livro ou livros, tantos, que encheriam estantes e estantes dos sebos e bibliotecas.

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publicado às 16:24


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