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A criação artística e o artesanato são atividades quase semelhantes. A primeira, mais elaborada, possui um conjunto de técnicas que possibilitam o conseguimento dos seus objetivos.
Assim, para a composição de uma sinfonia o músico seguirá determinadas diretrizes, da mesma forma que o pintor obedece as regras e os usos, para a elaboração dos seus quadros.
O artesanato, que também não deixa de ter um conjunto básico de procedimentos, não teria tanta abrangência social quanto uma obra literária, um filme ou uma telenovela.
O elemento comum entre essas atividades é a criação. E esta nada mais é do que a expressão do comportamento livre do criador. Veja que um operário não tem, dentro da fábrica, os movimentos libertos que experimenta o autor da obra artística.
Na empresa o trabalhador está realmente sujeito às determinações do empregador e não pode fazer “o que lhe dá na telha” sob pena de incorrer na classificação de inservível.
Veja que a arte reproduz a realidade do seu autor. Nos romances, nos filmes, nas novelas, a percepção do criador se expressa na existência dos seus personagens.
Então quando vemos numa telenovela – Fina Estampa, por exemplo -, uma pessoa como Tereza Cristina Velmont (Cristiane Torloni), você pode ter a certeza de que essa individualidade autoritária, arrogante, prepotente, aristocrática, monárquica, pode ser encontrada em nosso meio, em nossa sociedade.
Note que o não gostar de novelas só porque mostrariam “coisas ruins” seria o mesmo que deixar de assistir aos telejornais por apresentarem as mazelas do mau caratismo político.
E perceba meu querido leitor, que o deixar de ler jornais, ou ver televisão, para esquivar-se dos maus momentos, poderia ser comparado ao fechar os olhos para as nossas próprias culpas, nossos erros, nossas secreções, que insistimos em deixar, às ocultas, debaixo dos lençóis.
Quantas Teodoras Bastos da Silva (Carolina Dieckmann) você já não encontrou durante a sua vida? Eu conheço várias delas. Muitos gostariam de não ter pecado algum para enchê-las de pedradas.
20/09/11
Veja a aristocrática, arrogante, prepotente e monárquica Tereza Cristina, no vídeo abaixo.
Isso era o que comumente acontecia. Pois foi naquela tarde de terça-feira que Aníbal, cansado da lida no eito, chegou à choupana habitada por ele, a mulher, e os dois filhos.
O homem vinha nervoso, exausto, fedido, mal humorado e ansioso pra beber, junto com os companheiros, o primeiro gole de pinga num dos botecos da cidade.
- Cadê a canequinha pra tomar o banho? - gritou ele, cheio de ódio, à Murtinha. A mulher temerosa com os espancamentos habituais olhou para a porta do barraco; queria-a desimpedida, para no caso de algum influxo de piti virulento, acometer o marido, pudesse ela safar-se com sucesso.
- Não sei. Deve estar perto do poço. - respondeu ela parada defronte ao fogão à lenha, onde enxugava as mãos no avental amarrado na cintura.
- O Nelsinho brincava com a caneca lá perto da fossa. Será que não está lá? - completou Murtinha cheia de boa vontade.
- Na fossa? Mas esse moleque quer mesmo levar uma surra! Será que não aprende? - Aníbal já estava sem camisa, sem as botinas e de calção, queria lavar-se.
Depois que ele vestiu os chinelos, saiu em direção ao local por eles chamado banheiro. Na verdade o chuveiro não passava de uma lata cheia d´água fria, antes retirada do poço, mantida suspensa num poste e, inclinada ao ser puxada por uma cordinha, deixava cair o líquido sobre o banhista. Uma bacia posta sob os pés do usuário, reservava a água que depois era reutilizada para o enxágue com a caneca.
Aníbal lavou-se apressadamente, enxugou-se e de volta pra casa, vestiu-se aproveitando a privacidade relativa do quarto. A casa não tinha forro e as paredes chegando até certa altura, não vedavam completamente o cômodo. Permanecia um espaço grande do limite superior das paredes até o madeiramento que sustentava as telhas.
Não eram raros os momentos de amor entre Aníbal e Murtinha, cujos gemidos eram ouvidos pelos filhos, deitados no aposento contíguo.
Mas naquela terça-feira, com uma vontade incontrolável de beber a sua pinga necessária Aníbal, já vestido mandou laçar o burro que pastava na redondeza. Ele então preparando os arreios e a charrete, atrelou-os no animal que ruminava.
O lavrador pegou aquele seu rádio enorme e ligando a fiação numa bateria de automóvel mantida no assoalho da viatura, acionou-o podendo ouvir, naquele momento, a história do menino da porteira, cantada pelos violeiros famosos.
Ajeitando o chapéu de caubói no alto da cabeça, por sobre os cabelos que embranqueciam, e espancando o burro com um açoite, pôs-se o Aníbal a caminho da sua mais nova e esperada aventura etílica.
Momentos antes de sair da propriedade, de passar por seus limites, antes mesmo de chegar ao portão, ele parou e voltando-se pra trás gritou:
- Mulher! Ô mulher: não esquece de dar painço pros periquitos! Você ouviu criatura?
Murtinha apareceu à porta da cozinha e acenando pro marido, propiciou a ele a despreocupação que precisava, para beber sem atropelos.
Ao chegar ao bar do Maçarico Aníbal encontrou Van Grogue que sentado numa mesa de canto, lia a seção de esportes do jornal tupinambiquense.
- Ué, mas não houve coleta de lixo hoje por aqui? - perguntou o cortador de cana pro Maçarico, depois de apontar com o queixo o bêbado leitor.
Maçarico sabia que os dois não se davam. Primeiro porque Van Grogue era muito mais novo que Aníbal, segundo porque este não era letrado o que dificultava a compreensão dos ditos pelo primeiro.
Por ser incapaz de entender o que dizia Grogue, Aníbal considerava-o louco. Era o jeito que ele usava para manter a sua autoestima inalterada, geralmente abalada pelos discursos do homem, sabedor de tudo o que publicavam os jornais.
Maçarico abriu uma cerveja servindo o lavrador. E querendo ajudar disse:
- Eu também não tive tempo de aprender a leitura. Precisei trabalhar cedo. Meu pai cortava cana. Minha sorte foi que minha tia veio de São Paulo e me levou pra casa dela onde aprendi o bê-á-bá.
- E se não tivesse aprendido, hoje você seria babá de criança retardada, com certeza. - arrematou Aníbal para o espanto do Van Grogue que se desconectou da leitura.
- Ora, ora, mas vejam quem está aqui. O famoso Aníbal, o homem que gosta de caçar e prender periquitos. Você ainda está viva criatura? O que sucede? - Grogue com a voz pastosa de quem já bebera a cota do dia, levantava-se para se achegar ao carroceiro.
Aníbal evitando qualquer contato com aquela figura detestável, pediu ao Maçarico que lhe vendesse um garrafão de pinga. Depois de pagar a mamãe-sacode e a cerveja, que deixou por terminar, ele saiu dizendo:
- Antes beber sozinho a baronesa quente do que a cerveja gelada, em má companhia.
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