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Simpatias

por Fernando Zocca, em 05.08.15

 

Cavalo.JPG

 

Apesar de todo desenvolvimento cultural/tecnológico pelo qual passa a humanidade ainda existem crendices, crenças absurdas, que povoam as mentes dos mais sensíveis.
Veja esta: por ter o vizinho respondido "cavalo" à pergunta "se você tivesse de escolher em ser uma peça do jogo de xadrez, qual gostaria de representar?", a vizinha do lado, bem simplinha achou que ele puxaria, a partir daquele momento, carroças.
Ela colocou então, na garagem da sua própria casa, como provocação, uma vistosa charrete marrom, para que fosse vista pelo chato, todas as vezes que por ali passasse.
Isso é um exemplo de "simpatia", definível também como gesto ou ação que baixaria o nível de tensão da ansiedade.
A mulher, por ter sido uma catadora de lixo quando solteira, depois que se casou mudou de profissão. Ela deixou a carroça, mas a carroça não a deixava tão facilmente.
Para amenizar a ansiedade que lhe provocava o fato de ter sito "burro sem rabo" ela fez a tal "simpatia" relatada.
Outra crendice que não tem nada a ver com a realidade refere-se às cachorras. Alguns proprietários creem que se elas não cruzarem, isto é, não tiverem filhotes, podem sofrer câncer nas mamas.
Não existe nada mais enganoso do que esse conceito. Tem cães que vivem quase uma vintena de anos sem ter crias e nem por isso adoecem.
Quer ver outra crendice que incomoda muita gente? É a que diz que as discussões entre pai e filho sujeitam o pai a sofrer infartos no miocárdio.
O que provoca doença no coração é o tabaco, o sedentarismo, a obesidade.
O fumo usado durante muito tempo, numa situação rara de estresse, potencializa a fatalidade do infarto.
Não existe entretanto simpatia mais eficiente para amenizar o sofrimento, por exemplo, dos caluniadores/difamadores, do que parar com os crimes e, se possível, desculpar-se com as suas vítimas.
Haveria melhor "simpatia", para eliminar o desconforto dos que se apropriam dos bens alheios, do que devolvê-los todos?
Perceba, contudo que, o pintar a quadra do ginásio estadual por aluno, em troca dos favores do diretor da escola, seriviria mais para o embolso das verbas estaduais, destinadas às tais reformas, do que a qualquer outro tipo de simpatia psicológica.

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publicado às 14:28

Anibal, o Cortador de Cana

por Fernando Zocca, em 26.11.09

 

            Aníbal depois que chegava em casa, vindo da roça, onde passava a maior parte do dia cortando cana, tomava banho e arreava o burrão, atrelando nele a charrete, usada para comparecer ao bar do Maçarico.
            Isso era o que comummente acontecia. Pois foi naquela tarde de terça-feira que  Aníbal, cansado da lida no eito, chegou à choupana habitada por ele, a mulher, e os dois filhos.
            O homem vinha nervoso, exausto, fedido, mal humorado e ansioso pra beber, junto com os companheiros, o primeiro gole de pinga num dos botecos da cidade.
            - Cadê a canequinha pra tomar o banho? – gritou ele, cheio de ódio, à Murtinha. A mulher temerosa com os espancamentos habituais olhou para a porta do barraco; queria-a desimpedida, para no caso de algum influxo de piti virulento, acometer o marido, pudesse ela safar-se com sucesso.  
            -  Não sei. Deve estar perto do poço. – respondeu ela parada defronte ao fogão à lenha, onde enxugava as mãos no avental amarrado na cintura.
            - O Nelsinho brincava com a caneca lá perto da fossa. Será que não está lá? – completou Murtinha cheia de boa vontade.
            - Na fossa? Mas esse moleque quer mesmo levar uma surra! Será que não aprende? – Aníbal já estava sem camisa, sem as botinas e de calção, queria lavar-se.
            Depois que ele vestiu os chinelos, saiu em direção ao local por eles chamado banheiro. Na verdade o chuveiro não passava de uma lata cheia d´água fria, antes retirada do poço, mantida suspensa num poste e, inclinada ao ser puxada por uma cordinha, deixava cair o líquido  sobre o banhista. Uma bacia posta sob os pés do usuário, reservava a água que depois era reutilizada para o enxágue com a caneca.
            Aníbal lavou-se apressadamente, enxugou-se e de volta pra casa, vestiu-se aproveitando  a privacidade relativa do quarto. A casa não tinha forro e as paredes chegando até certa altura, não vedavam completamente o cômodo. Permanecia um espaço grande do limite superior das paredes até o madeiramento que sustentava as telhas.
            Não eram raros os momentos de amor entre Aníbal e Murtinha, cujos gemidos eram ouvidos pelos filhos, deitados no aposento contíguo.
            Mas naquela terça-feira, com uma vontade incontrolável de beber a sua pinga necessária Aníbal, já vestido mandou laçar o burro que pastava na redondeza. Ele então preparando os arreios e a charrete, atrelou-os no animal que ruminava.
            O lavrador pegou aquele seu rádio enorme e ligando a fiação numa bateria de automóvel mantida no assoalho da viatura, acionou-o podendo ouvir, naquele momento, a história do menino da porteira, cantada  pelos violeiros famosos.
            Ajeitando o chapéu de caubói no alto da cabeça, por sobre os cabelos que embranqueciam, e espancando o burro com um açoite, pôs-se o Aníbal a caminho da sua mais nova e esperada aventura etílica.
            Momentos antes de sair da propriedade, de passar por seus limites, antes mesmo de chegar ao portão, ele parou e voltando-se pra trás gritou:
            - Mulher! Ô mulher: não esquece de dar painço pros periquitos! Você ouviu criatura?
            Murtinha apareceu à porta da cozinha e acenando pro marido, propiciou a ele a despreocupação que precisava, para beber sem atropelos.
            Ao chegar ao bar do Maçarico Aníbal encontrou Van Grogue que sentado numa mesa de canto, lia a seção de esportes do jornal tupinambiquense.
            - Ué, mas não houve coleta de lixo hoje por aqui? – perguntou o cortador de cana pro Maçarico, depois de apontar com o queixo o bêbado leitor.
            Maçarico sabia que os dois não se davam. Primeiro porque Van Grogue era muito mais novo que Aníbal, segundo porque este não era letrado o que dificultava a compreensão dos ditos pelo primeiro.
            Por ser incapaz de entender o que dizia Grogue, Aníbal considerava-o louco. Era o jeito que ele usava para manter a sua autoestima inalterada, geralmente abalada pelos discursos do homem, sabedor de tudo o que publicavam os jornais.
            Maçarico abriu uma cerveja servindo o lavrador. E querendo ajudar disse:
            - Eu também não tive tempo de aprender a leitura. Precisei trabalhar cedo. Meu pai cortava cana. Minha sorte foi que minha tia veio de São Paulo e me levou pra casa dela onde aprendi o bê-á-bá.
            - E se não tivesse aprendido, hoje você seria babá de criança retardada, com certeza. – arrematou Aníbal para o espanto do Van Grogue que se desconectou da leitura.
            - Ora, ora, mas vejam quem está aqui. O famoso Aníbal, o homem que gosta de caçar e prender periquitos. Você ainda está vivo criatura? O que sucede? – Grogue com a voz pastosa de quem já bebera a cota do dia, levantava-se para se achegar ao carroceiro.
            Aníbal evitando qualquer contato com aquela figura detestável, pediu ao Maçarico que lhe vendesse um garrafão de pinga. Depois de pagar a mamãe-sacode e a cerveja, que deixou por terminar, ele saiu dizendo:
            - Antes beber sozinho a baronesa do que a cerveja gelada, em má companhia.
 
 
 
Fernando Zocca.
        
           

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publicado às 18:43


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