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Quem não se lembra desse livro publicado por mim em 1982? Era um romance e deu um bafafá dos infernos. Teve marido que pensou logo na possível cornitude própria.
As reações foram tão sérias que o ciumento arregimentou parentes, vizinhos e os colegas de copo, pra confabular sobre as prováveis intenções adúlteras deste autor que vos fala.
Do boteco de periferia você sabe que nascem planos pra tudo: desde assaltos a banco, invasões de residências, furtos, assassinatos, estelionatos mil e até motins de rua.
Eu vendia bem o tal livrinho. Caminhava pelas ruas do centro de Piracicaba, com um pacote de vinte ou trinta exemplares e ao encontrar colegas, amigos, conhecidos e pessoas desconhecidas, oferecia o meu trabalho, obtendo assim grande, como direi, “fluxo de caixa”.
Cheguei a fazer uma poupança substanciosa com os recursos provenientes das vendas.
Mas você sabe como é: ninguém tirava da cabeça do travesso que a Ana do livro não era a mulher dele. O pior ainda acontecia quando o tal entrava nos botecos e era zoado pela torcida sobre a iminente eclosão dos chavelhos.
O cara não sossegou enquanto não obteve a satisfação íntima de que o escritor não passava de um zé-ninguém, um ingênuo do qual tiravam o que quisessem.
Pois foi o que aconteceu. Um advogado e corretor de imóveis, parente desse nosso homem que suspeitava, induziu clientes seus a nos procurar e desenvolver uma história pungente de abandono, separação, doença e morte.
Os homens se aproximaram de mim quando eu saia da Caixa Econômica do Estado, depois de efetuar mais um depósito na minha já gorducha conta corrente.
Conversa vai, conversa vem, os bons cidadãos disseram que me conheciam e que tinham um negócio muito bom pra mim.
Então falaram de uma pobre velhinha que não se dava bem com os vizinhos, que não bebia água, mas só refrigerantes, que estivera muito doente, acometida por diabetes e que viera a falecer deixando um imóvel numa localidade rural da cidade.
Esses generosos homens se propunham a ceder seus direitos hereditários sobre a referida propriedade, desde que recebessem o preço que julgavam justo.
Você não vai acreditar, mas o valor solicitado era o mesmo que havia na minha caderneta. E não é que a besta aqui, sem nem ao menos visitar o tal imóvel – apenas possuído pela compaixão - acabou adquirindo os direitos sobre ele?
Houve até escritura de cessão de direitos hereditários. Bom, isso era o que faltava para o suposto futuro traído acalmar a ebulição da alma que a tal hipotética cornitude provocava.
Logo depois foi a vez desse nosso querido quase atraiçoado nos mandar rosa. Era uma de carne e osso, idosa, tinha ascendência italiana, andava pelas ruas em andrajos e dizia ser proprietária de cinco imóveis em Piracicaba.
Mas isso, meu amigo, é outra história.
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Tomávamos o café da manhã naquele sábado ensolarado. À mesa estava Neide, nossos dois filhos de oito e sete anos e eu que lia também o jornal.
Por estar em férias, já pensava no que faria depois de completar a leitura. Havia algumas alternativas como passear com as crianças, curtindo a vegetação da praça, sair sozinho, para fotografar alguma cena interessante ou ver TV.
Ainda na dúvida e envolvido pela zoeira dos meninos, que já corriam pela sala, ouvi o velho telefone fixo que tilintava insistente.
Neide levantou-se rápida, e ainda mastigando um pedacinho de biscoito de chocolate, atendeu.
- Ah, oi! Como vai? Você não acredita, mas estava pensando em você. Hã, sei. Lá no sítio? Hoje? Não sei, vou falar com o Lucas.
Depois de mais algumas palavras Neide tapou o bocal do aparelho e olhando para mim disse:
- É a Madalena! Ela está perguntando se a gente quer passar o final de semana lá no Alvo. Diz que vai ter festa.
- Essa sua irmã não tem sossego mesmo. Acabou de chegar da Disney e já pensa em festança – respondi fechando o jornal e ingerindo o último gole de café.
- Ela está dizendo que vai ter churrasco e que meio mundo foi convidado.
- Quando ela vai? – quis eu saber já preocupado.
- Madalena! Quando vocês vão? Hoje? Hã, você passa aqui pra nos pegar? Ah tá, nós esperamos – encerrou Neide a conversa, desligando o telefone.
Depois, vindo em minha direção:
- Ela disse que daqui a meia hora vem nos pegar, pra gente passar o final de semana lá no Alvo. É melhor todo mundo ir se aprontando – ordenou Neide batendo palmas no meio da sala, chamando a atenção dos meninos.
Passado o tempo Madalena buzina defronte o sobrado. Além de causar o estardalhaço com o som estridente ela gritava também.
- Neide! Lucas! Vamos embora crianças!
- É a Madalena. Vamos, todo mundo! Rápido, correndo! – instigava Neide meio louca com a agitação da irmã.
- Nossa Senhora! Pelo amor de Deus! Vamos devagar se não a coisa complica – gritei eu, tentando segurar a avalanche.
Madalena já acionava a campainha da porta gritando na sequencia:
- Vamos gente. Temos que pegar a estrada daqui a pouco.
Todos, inflados pela doideira da Madalena, corremos pra porta. A agitada nos ajudou a acomodar as mochilas no porta-malas.
No carro e ao som, no último volume, de Massachusetts do Bee Gees, Madalena esgoelava:
- Vamos pra Campinas. O Marcelo está nos esperando.
E lá fomos nós estrada afora. Ainda bem que havia pouco movimento.
Em Campinas, na mansão da cunhada, Marcelo dormia com a boca aberta, atravessado na cama do casal. Ele vestia camiseta verde, calça jeans justa e calçava mocassim marrom. Ele não se assustou quando Madalena acordou-o.
Enquanto esperava Marcelo trocar as roupas – ele trabalhara a manhã toda – Madalena, falando pelos cotovelos, preparou um café bem forte.
Ouvindo a história de que a empregada fora dispensada na sexta-feira à noite e, informados de que não haveria tempo para a feitura do almoço, tomamos o lanche feito com pão de forma, queijo prato e café com leite.
Marcelo apareceu na cozinha com os cabelos molhados e penteados para trás. Vestia uma camiseta alvinegra de listras horizontais, calça jeans limpa e os mesmos sapatos. Ele abriu a geladeira e tomando uma lata de cerveja abriu-a, beliscando o queijo também.
Combinamos que iríamos ao sitio em dois carros. Num deles Marcelo e eu. No outro Neide, as crianças e Madalena.
Chegamos ao Alvo à tardezinha. Havia muita gente reunida. Eram os parentes dos irmãos do Marcelo, empregados das empresas e o pessoal que morava no sítio.
Uma churrasqueira enorme fumegava assando muita carne, linguiça e até milho verde. Um tambor – desses usados no transporte de petróleo – cortado ao meio, continha dezenas de garrafas e latas de cerveja envoltas por blocos de gelo e pó de serra.
Crianças corriam entre os adultos acomodados em torno das mesas fartas. Depois de comer e beber muito saí para caminhar um pouco.
Passei com calma, por uma porteira e prossegui lentamente, por uns dois minutos, sobre a vegetação densa.
Percebi que alguém vinha atrás de mim. Mas não me preocupei em saber quem seria. Mal podendo ver adiante, por causa das folhas altas, ouvi um ruído esquisito.
Senti medo. Mas, pé ante pé, continuei avançando. De repente uma cabeça levantou-se dentre as folhas do capim crescido. Era um cavalo marrom que mastigava lentamente. Ao seu lado havia um pedaço de corda.
Imediatamente pensei em laçá-lo e montar. Mas uma voz – daquela pessoa que caminhava atrás de mim – disse com força:
- Não o faça correr porque pode ter um infarto. Faz muito tempo que está parado e pode morrer – disse Ubaldo o caseiro do sítio.
Recuperado do susto que levei ao ouvir o vozeirão, enlacei o pescoço do animal, amarrei a corda em torno do focinho e montei.
O bicho ainda mastigava quando começamos a caminhada lenta. Ele estava gordo e assoprava as narinas fazendo ruído.
Quando apareci diante das pessoas montado no cavalo pude ouvir alguns comentários sobre a possibilidade do passamento do bicho.
- Ele está muito gordo – gritou uma mulher com voz de quem havia bebido. Um zunzum levantou-se em favor do protesto.
Não me importei com a falação e conduzi a cavalgadura para o meio do campo onde homens e crianças, formados em dois times distintos, jogavam futebol.
Sob o alarido das reclamações eu cavalgava pelo campinho, correndo de uma trave a outra, até que alguém veio me explicar que o animal não suportaria tanta agitação.
Apeado achei que me daria bem jogando futebol com a molecada. Propus-me a jogar num dos times, mas diante da rejeição peremptória, vi-me forçado a procurar o outro.
O pessoal do segundo time, receoso, concordou que eu jogasse, mas só se ficasse no espaço entre o meio do campo e a nossa grande área. O ataque era reservado aos mais experientes.
Todos jogavam de chuteiras e a maioria reagiu com indignação, quando entrei no campo calçando sapatos.
Eu justificava minha posição alegando não poder jogar descalço enquanto todos usavam chuteiras.
Estava tudo muito bom, corria tudo muito bem, até o momento em que eu, tentando interceptar o avanço do atacante adversário, atingi o seu joelho, com o peito do meu pé.
Terminou ali, para mim, o jogo e a festa. Eu acabara de fraturar o pé direito.
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