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"Do mesmo jeito que os escravos, no tempo do Império, morriam nos canaviais dos senhores de engenho, morrem hoje os cortadores de cana, nos canaviais das usinas de álcool." (Frase atribuída a E. Mail, antes de cair desacordado, no boteco da tia Cris, vitimado pelo coma diabético)
Van Grogue, já atordoado pela ingesta da água-de-briga, entrou naquela tarde de segunda-feira no bar da tia Cris. O ambiente estava às moscas. Não havia freguês e o balcão desguarnecido.
Do rádio velho, postado numa prateleira acima da pia, onde a dona lavava os copos, vibrava uma canção. Era do tempo em que Roberto Carlos andava de calças curtas na periferia de Cachoeiro de Itapemirim.
Grogue foi avançando, avançando e, sentindo necessidade de fazer xixi, resolveu ir ao banheiro. Ao fechar a porta, ouviu uma espécie de zum-zum. Eram vozes de moças que se divertiam com alguma coisa. Depois de fechar o zíper da calça, lavou as mãos e não contendo a curiosidade resolveu investigar o que era aquele auê.
Aproximou-se devagar, pé ante pé e viu quatro jovens sentadas em torno duma mesa circular. Elas falavam ao mesmo tempo e tinham seus dedos indicadores acima do fundo dum copo emborcado. Um círculo formado pelas letras do alfabeto limitava os movimentos da vasilha. Pelo que ele pode perceber, o copo movimentava-se respondendo as perguntas das meninas, parando defronte as letras, formando as palavras das respostas.
Grogue viu que não foi notado. Aproximou-se das moças. Elas faziam perguntas e o copo mexia-se dentro do círculo. Uma delas perguntou se um parente subiria na vida. Enquanto viam os movimentos do copo, Grogue achou que poderia muito bem passar por trás delas e, subindo aquela escada de madeira, entrar na casa da tia Cris, sem que elas percebessem. Resolveu arriscar. Degrau por degrau foi ascendendo. Logo depois, quando estava quase lá em cima, olhou para baixo e elas animadas viram que o copo dizia que, aquele parente de uma delas, não ficaria muito tempo nas alturas do sucesso.
Van Grogue achou que aquilo tudo era uma brincadeira sem graça e vendo que poderia enganar as moças começou a descer as escadas.
Quando passou novamente atrás delas, foi chamado para participar da brincadeira. Ele disse que não achava graça nenhuma naquilo e se afastou.
Uma das jovens disse então pra tia Cris que aquela brincadeira servia para medir a sugestionabilidade dos sujeitos.
Van Grogue entrou no salão do boteco e aguardando a proprietária, para ser servido, parou na porta do estabelecimento. Na rua um velho subiu à sua carroça e tomando as rédeas nas mãos, incitou o animal ao movimento. Ante a indiferença do burro em mexer-se, o velhote não perdeu a pose e disse: "Esse não é movido a álcool, mas também é difícil na partida".
Grogue, em resposta gritou: "Ô Edgar G. Anta... você não é o Noel, mas também não deixa de ser um bom velhinho."
Tia Cris entrou no salão e ouviu o pedido do Grogue. Ele queria pinga. A moça considerou aquele freguês um chato. Passava horas e horas sentado à mesa com um mísero copo de pinga. Não gastava, não consumia, e ainda enchia o saco de todo mundo. Ela então resolveu aplicar uma variante da brincadeira do copo: simularia uma conversa ao telefone. E foi assim, falando, falando que ela fez aquele tonto ir embora.
Ele varreu o chão, lavou os copos, enxaguou o banheiro, lustrou o tampo do balcão e, tomando os envelopes, que vieram na tarde do dia anterior, trazidos pelo carteiro, passou a abri-los um por um.Bafão abriu o boteco logo depois das oito horas, naquela manhã de sexta-feira. Ele pensara em chegar mais cedo para preparar o ambiente que receberia o pessoal do carteado logo mais a noite.
Eram cobranças de bancos, da empresa de telefonia, da companhia de luz, do serviço municipal de água, e panfletos publicitários das mais variadas formas.
Enquanto Bafão lidava com os papéis um dos cachorrinhos pretos da vizinha entrou no bar e, farejando pelos cantos, estancou perto do lugar onde permanecia o proprietário, levantou então a perna traseira direita, soltando em seguida, o esguicho determinador do local por onde passara.
Bafão já pensara em queixar-se com a proprietária sobre aquele bichinho que vadiava o dia todo pelas ruas do quarteirão. Mas como conhecia bem o temperamento melindroso da moradora, para não agitá-la, resolveu escrever-lhe uma carta.
Pegando um lápis pôs-se a rascunhar um desabafo contra a falta de cuidados e atenção daquela velha senhora tristemente barriguda, de calcanhares rachados, dona de um cachorro enxerido.
Depois Bafão, naquele armário antigo, de portas envidraçadas, onde expunha os sabonetes, as pastas dentifrícias, as linhas, as agulhas, os cadernos, os lápis e canetas, capturou um envelope.
Com uma lambida, na cola seca, da borda da aba da sobrecarta, ele fechou lá dentro a missiva.
Da gaveta do balcão ele tirou um selo, dando-lhe a lambidela umidificadora que possibilitou a fixação da estampa fina no envoltório tosco.
Irrompendo bar adentro uma garotinha, de cabelos curtos, castanhos e lisos, pediu um sorvete de chocolate, que imediatamente depois de ter a sua embalagem rasgada, foi levado à boca com avidez.
- Minha mãe mandou marcar na conta dela. – disse a menina ante o olhar atônito do Bafão.
- Ô mocinha, faça-me um favor. Quando passar por aquela caixa dos correios, ali perto daquele poste, coloque lá essa cartinha. - pediu Bafão para a freguesa que saia.
- É para o papai Noel? – quis saber a pequena lambendo ostensivamente a guloseima.
- Não é não. É para uma amiga dele. – respondeu o comerciante.
A jovenzinha saiu deixando o homem a sós, com a papelada dos credores.
Bafão olhou-se no espelho pequeno, de moldura laranja, e achou que já estava no tempo de cortar os cabelos.
Pensando em despreocupar-se ele então abriu uma garrafa de licor de jabuticaba, servindo-se com prazer num pequeno copo.
- Ah, os licores!!! Mas que delícia...
Quando o homem se preparava para ligar ao fornecedor das bebidas, a fim de reforçar o estoque de cervejas geladas, que serviria ao pessoal do carteado, ele notou que uma jovem magricela, de estatura pequena, com os cabelos pretos, presos em um rabo de cavalo, vestindo um short marrom e camiseta regata verde, parou defronte a porta do boteco.
Com a cabeça baixa, e de frente para o comerciante, a mulher fez com a mão direita, alguns gestos que lembravam as lambidas de uma girolanda imensa.
Bafão que pensava já ter visto tudo o que de mais bizarro podiam apresentar algumas almas atormentadas daquela rua, não esperava por mais aquela demonstração de menosprezo.
Ele recordou-se que quando chegava ao bar pela manhã e saia à tardezinha, sempre havia alguém da vizinhança fazendo-se notar.
- Fazer o quê? – inquiriu ele, meneando a cabeça. – Temos de ter paciência. Muita paciência.
Mudando de assunto:
Relembre Ângela Maria cantando “Mentindo”.
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