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Mas falando ainda dos tempos em que predominavam a falta de compromisso e a relativa responsabilidade, as horas de alienação eram vividas também no balcão da lanchonete Daytona, que ficava na esquina das ruas Moraes Barros e Boa Morte.
O que destacava o ambiente era a decoração feita com uma réplica de carro de corrida tipo Fórmula 1, vermelho, fixado no alto, na parede dos fundos.
Os mais bêbados chegavam logo depois das 8 da noite para beber muita cerveja, stanheguer e, de vez em quando, comer batatas fritas.
De lá, muitas vezes, só saiam após a meia noite, completamente nocauteados nos assentos traseiros dos carros, sob as vibrações do rádio em alto volume.
O DJ da moda era o Big Boy, da Rádio Mundial AM 860 KHz (Rio de Janeiro), que iniciava suas apresentações com o clássico “Hello Crazy People!!!”
Em Piracicaba, Atinilo José comandava o programa Varandão da Casa Verde, na Rádio Difusora, onde também trabalharam meus primos Roque De Lello e Arthêmio De Lello.
Para quem não sabe, Roque e Arthêmio eram filhos de Olanda e João De Lello, irmã e cunhado do meu pai; ambos foram preteridos numa questão de herança.
Aos desavisados como eu, era então surpreendente, mas muito surpreendente mesmo, ouvir no rádio, as músicas que se referiam ao que fazíamos em alguns momentos.
Assim, por exemplo, quando criança, depois que eu e alguns colegas chegávamos de um passeio pelo matagal, existente no final da Rua Ipiranga, era bem esquisito escutar “O que você foi fazer no mato Maria Chiquinha?”.
E no ônibus, a caminho do Ginásio Jerônimo Gallo, era desconfortável sentir que aquelas músicas e notícias, emanantes do rádio portátil do motorista, postado entre o para-brisa e o painel, tinham algo a ver conosco.
As questões mal resolvidas de herança começaram logo depois do falecimento do meu avô José Carlos Zocca, em 1943.
Mas nem tudo era sofrimento. Uma das gratas recordações que trago da infância é a de quando tomei a minha primeira limonada.
Isso aconteceu na casa da vizinha da minha avó Amábile Pessotto Zocca. O menino Paulo Zaia era um daqueles que brincavam conosco nas ruas. E um dia, quando chegamos suados à sua casa, a mãe dele, dona Lídia Zaia, tirando da geladeira uma vasilha com água, fez uma inigualável e inesquecível limonada.
Dona Lídia deve hoje estar com quase cem anos.
Van de Oliveira Grogue caminhava atordoado, pela calçada esburacada, naquela quarta-feira, do final de agosto; ele seguia rumo ao bar do Bafão, como os demais colegas que também chegavam junto. O relógio marcava meio dia.
Usando pantufas verdes, Van pisou com o pé direito no degrau da porta do boteco. E se não fosse pelo tropeção que dera, depois do primeiro passo dentro do estabelecimento, poder-se-ia dizer ser triunfal, aquele seu ingresso.
Com um guardanapo no ombro esquerdo, Bafão sentiu que se não tivesse calma, naquele dia o ambiente tornar-se-ia bastante hostil.
Van de Oliveira, com um gesto de quem pede a pinga usual, fez Bafão deixar de assear o tampo do balcão e o servisse com a bebida.
Antes mesmo de pegar o seu copo Grogue achegou-se a uma das mesas postadas próxima a janela, onde estava Edgar D. Nal, que sorvia com calma, a sua cerveja geladíssima.
Ante a presença do colega que se aproximava, D. Nal bateu ostensivamente com o indicador da mão direita no cigarro, fazendo a cinza cair sobre o cinzeiro fixado no centro da mesa.
Grogue então se sentou dizendo:
- Mas que baita calor. Não suporto!
- Também com essas pantufas verdes. Nunca vi ninguém sair pro boteco usando isso. – respondeu Edgar.
- É que não achei meu tênis. Estava com pressa de vir pra cá. Perdia hora, por isso pus a primeira coisa que me apareceu.
Trazendo uma dose de pinga, a garrafa de cerveja e o copo limpo, Bafão aproximou-se. O guardanapo sobre o ombro direito, quase caiu quando ele se inclinou para servir o freguês.
Numa talagada Van ingeriu a pinga. E depois ao encher o outro copo com a cerveja, foi dizendo:
- Você não sabe o que me aconteceu. – ante a curiosidade do Edgar, estampada no seu próprio rosto, Grogue prosseguiu – Me disseram que a Cleide... Lembra dela?... dava pra todo mundo. Eu não acreditei, mas os dois caras, tanto o Tonhão quanto o Zezinho garantiram que ela dava, assim, numa boa, pra quem pedisse.
Edgar D. Nal engasgou com a fumaça que acabara de aspirar, mas logo ingeriu outro gole de cerveja, preparando-se para as novidades. Grogue então prosseguiu:
- Eu acreditei e resolvi falar com ela. Num dia qualquer, eu que estava dentro de casa, ouvi a voz da Cleide que vinha pela calçada e se aproximava da minha casa. Então corri, peguei uma cadeira e a pus debaixo da janela. Fiquei na espreita. Quando a gostosa passou eu a chamei. Ela parou, virou-se, voltou alguns passos e olhou diretamente para mim. Dai eu disse: Ocê não quer dar pra mim?
Edgar tossiu quase perdendo o fôlego. Bafão, que servia outras pessoas, derrubou um copo vazio sobre o balcão, e o gato preto que morgava na soleira, arrepiou-se todo.
- Bom – continuou Van Grogue – ela então respondeu: “Mas como assim? Dar o quê pra você? Ocê está louco? Cadê a sua mulher, canalha? Chama lá a sua mulher que eu quero falar com ela”. Depois que ela disse isso em voz alta, chamando a atenção da vizinha da direita, da esquerda, da frente e lá da esquina, eu quase morri de vergonha. Abaixei a cabeça, ali mesmo na janela, e entrei vexado.
- Mas você è uma besta mesmo! Onde já se viu acreditar no diz essa gente daqui. – censurou Edgar.
- Você acredita que a mulher ficou um tempão a vociferar diante da minha casa? Nossa! Eu quase faleci acanhado – confessou Van Grogue.
- Foi uma aprontada que armaram pra você. Só pode ter sido.
- É mesmo. Era uma armação de gente magoada. – concluiu Grogue depois de um longo tempo que passara a segurar o copo diante dos lábios.
Texto revisado em 24/09/2010
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