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Ex-vereador, que foi catador de lixo, morre no interior de São Paulo

por Fernando Zocca, em 05.08.11


 

O catador de materiais recicláveis e ex-vereador Octávio Rocha, 64, conhecido como Arruia morreu na noite de quarta-feira (3), a caminho do hospital em Santa Bárbara d'Oeste, depois de passar mal num bar.

 

Arruia foi o terceiro vereador mais votado na cidade em 2004, com 1.675 votos, pelo PTN. A causa da morte não foi informada, mas a família acredita que tenha sido parada cardíaca.


Natural da cidade vizinha Americana (127 km de São Paulo), Octávio Rocha tornou-se popular enquanto recolhia materiais recicláveis distribuindo a saudação “Arruia” que, segundo ele, significava "salve, amigo" no dialeto árabe falado no Líbano.


Morador de rua desde 1995, Arruia chegou a trabalhar também como frentista e comerciante. Tentou se reeleger em 2008, mas não teve o mesmo sucesso da primeira candidatura.


De acordo com a família, ele havia voltado a atuar como catador em Nova Odessa (122 km de São Paulo), mas não tinha residência fixa. "Ele gostava muito de ficar andando pelas ruas, era o que ele queria mesmo", contou a cunhada Merari Esteves. Segundo ela, por conta do estilo de vida do ex-vereador, nenhum dos seis filhos vivia com ele.


O velório ocorreu na Câmara Municipal e o presidente da Casa, Erb Oliveira Martins, o Uruguaio (PPS), decretou luto oficial de três dias nas repartições legislativas.


"Fazia dois anos que eu não o via, mas era uma pessoa muito querida, carismático. Quando soube que ele foi o terceiro mais votado não me espantei, porque ele sempre foi de construir amizades e correr atrás do que queria", disse Esteves.

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publicado às 14:25

O mundo é pequeno, Piracicaba menor ainda (parte II)

por Fernando Zocca, em 08.07.11

                

                    Mas falando ainda dos tempos em que predominavam a falta de compromisso e a relativa responsabilidade, as horas de alienação eram vividas também no balcão da lanchonete Daytona, que ficava na esquina das ruas Moraes Barros e Boa Morte.

                    O que destacava o ambiente era a decoração feita com uma réplica de carro de corrida tipo Fórmula 1, vermelho, fixado no alto, na parede dos fundos.   

                    Os mais bêbados chegavam logo depois das 8 da noite para beber muita cerveja, stanheguer e, de vez em quando, comer batatas fritas.

                    De lá, muitas vezes, só saiam após a meia noite, completamente nocauteados nos assentos traseiros dos carros, sob as vibrações do rádio em alto volume.  

                    O DJ da moda era o Big Boy, da Rádio Mundial AM 860 KHz (Rio de Janeiro), que iniciava suas apresentações com o clássico “Hello Crazy People!!!”

                    Em Piracicaba, Atinilo José comandava o programa Varandão da Casa Verde, na Rádio Difusora, onde também trabalharam meus primos Roque De Lello e Arthêmio De Lello.

                    Para quem não sabe, Roque e Arthêmio eram filhos de Olanda e João De Lello, irmã e cunhado do meu pai; ambos foram preteridos numa questão de herança.

                    Aos desavisados como eu, era então surpreendente, mas muito surpreendente mesmo, ouvir no rádio, as músicas que se referiam ao que fazíamos em alguns momentos.

                    Assim, por exemplo, quando criança, depois que eu e alguns colegas chegávamos de um passeio pelo matagal, existente no final da Rua Ipiranga, era bem esquisito escutar “O que você foi fazer no mato Maria Chiquinha?”.

                    E no ônibus, a caminho do Ginásio Jerônimo Gallo, era desconfortável sentir que aquelas músicas e notícias, emanantes do rádio portátil do motorista, postado entre o para-brisa e o painel, tinham algo a ver conosco.

                    As questões mal resolvidas de herança começaram logo depois do falecimento do meu avô José Carlos Zocca, em 1943.

                    Mas nem tudo era sofrimento. Uma das gratas recordações que trago da infância é a de quando tomei a minha primeira limonada.

                    Isso aconteceu na casa da vizinha da minha avó Amábile Pessotto Zocca. O menino Paulo Zaia era um daqueles que brincavam conosco nas ruas. E um dia, quando chegamos suados à sua casa, a mãe dele, dona Lídia Zaia, tirando da geladeira uma vasilha com água, fez uma inigualável e inesquecível limonada.

                    Dona Lídia deve hoje estar com quase cem anos.  

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publicado às 16:38

Fazendo Pirraça

por Fernando Zocca, em 14.05.11

Foto: bagre bandeira

 

 

                                              O cabeça de bagre ordinário é bem chegado numa pirraça. Basta ele descobrir o que você mais detesta pra logo providenciar o reforço no acinte.


                    Esse tipo de baiacu do brejo é geralmente limitado no vocabulário, e é por isso que a excrecência vale-se das estereotipias.


                    O sentimento de inferioridade que o controla, leva-o a referir-se ao outro de forma depreciativa. É bem comum notar nele o desejo de que aquele “modelo” que lhe provoca a sensação de pequenez fique logo louco.


                    É a compensação para a nulidade que o compõe. “Como vou dizer pra essa minha turma que eu sou um bosta, que não sei nada, que nunca tenho razão”?


                    Só mesmo o enlouquecimento, o cometimento de crimes e a total degradação moral do “exemplo” que o minimiza, podem mantê-lo com o moral elevado e o controle da quadrilha.


                    Essa mentalidade de baiacu não é rara. Veja como anda o ensino público; perceba o que aprendem as crianças nas escolas municipais e estaduais.


                    O fracasso na transmissão do conhecimento é o lodo onde vivem esses bagres, baiacus, aproveitadores e fazedores da desgraça.


                    Pode um analfabeto tirar carteira de habilitação? Tenha o meu amigo e prezado leitor a certeza de que é possível ao analfabeto possuir a carteira de habilitação.


                    E olha que, além disso, não é incomum esse tipo de escamoso dirigir alcoolizado. Pirraça é fogo.


 

Vídeo:

Cuidado com o tubarão.

É um peixe assassino.


 

A.L. R.doT. 310.

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publicado às 17:59

Rosas para Ana

por Fernando Zocca, em 18.01.11

 

                  Quem não se lembra desse livro publicado por mim em 1982? Era um romance e deu um bafafá dos infernos. Teve marido que pensou logo na possível cornitude própria.

 

                            As reações foram tão sérias que o ciumento arregimentou parentes, vizinhos e os colegas de copo, pra confabular sobre as prováveis intenções adúlteras deste autor que vos fala.

 

                            Do boteco de periferia você sabe que nascem planos pra tudo: desde assaltos a banco, invasões de residências, furtos, assassinatos, estelionatos mil e até motins de rua.

 

                            Eu vendia bem o tal livrinho. Caminhava pelas ruas do centro de Piracicaba, com um pacote de vinte ou trinta exemplares e ao encontrar colegas, amigos, conhecidos e pessoas desconhecidas, oferecia o meu trabalho, obtendo assim grande, como direi, “fluxo de caixa”.

 

                            Cheguei a fazer uma poupança substanciosa com os recursos provenientes das vendas.

 

                            Mas você sabe como é: ninguém tirava da cabeça do travesso que a Ana do livro não era a mulher dele. O pior ainda acontecia quando o tal entrava nos botecos e era zoado pela torcida sobre a iminente eclosão dos chavelhos.

 

                            O cara não sossegou enquanto não obteve a satisfação íntima de que o escritor não passava de um zé-ninguém, um ingênuo do qual tiravam o que quisessem.

 

                            Pois foi o que aconteceu. Um advogado e corretor de imóveis, parente desse nosso homem que suspeitava, induziu clientes seus a nos procurar e desenvolver uma história pungente de abandono, separação, doença e morte.

 

                            Os homens se aproximaram de mim quando eu saia da Caixa Econômica do Estado, depois de efetuar mais um depósito na minha já gorducha conta corrente.

 

                            Conversa vai, conversa vem, os bons cidadãos disseram que me conheciam e que tinham um negócio muito bom pra mim.

 

                            Então falaram de uma pobre velhinha que não se dava bem com os vizinhos, que não bebia água, mas só refrigerantes, que estivera muito doente, acometida por diabetes e que viera a falecer deixando um imóvel numa localidade rural da cidade.

 

                            Esses generosos homens se propunham a ceder seus direitos hereditários sobre a referida propriedade, desde que recebessem o preço que julgavam justo.

 

                            Você não vai acreditar, mas o valor solicitado era o mesmo que havia na minha caderneta. E não é que a besta aqui, sem nem ao menos visitar o tal imóvel – apenas possuído pela compaixão - acabou adquirindo os direitos sobre ele?

 

                            Houve até escritura de cessão de direitos hereditários. Bom, isso era o que faltava para o suposto futuro traído acalmar a ebulição da alma que a tal hipotética cornitude provocava.

 

                            Logo depois foi a vez desse nosso querido quase atraiçoado nos mandar rosa. Era uma de carne e osso, idosa, tinha ascendência italiana, andava pelas ruas em andrajos e dizia ser proprietária de cinco imóveis em Piracicaba.

 

                            Mas isso, meu amigo, é outra história.

 

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publicado às 20:14

O Pé Direito

por Fernando Zocca, em 31.12.10

 

 

                                Tomávamos o café da manhã naquele sábado ensolarado. À mesa estava Neide, nossos dois filhos de oito e sete anos e eu que lia também o jornal.

                Por estar em férias, já pensava no que faria depois de completar a leitura. Havia algumas alternativas como passear com as crianças, curtindo a vegetação da praça, sair sozinho, para fotografar alguma cena interessante ou ver TV.

                Ainda na dúvida e envolvido pela zoeira dos meninos, que já corriam pela sala, ouvi o velho telefone fixo que tilintava insistente.

                Neide levantou-se rápida, e ainda mastigando um pedacinho de biscoito de chocolate, atendeu.

                - Ah, oi! Como vai? Você não acredita, mas estava pensando em você. Hã, sei. Lá no sítio? Hoje? Não sei, vou falar com o Lucas.

                Depois de mais algumas palavras Neide tapou o bocal do aparelho e olhando para mim disse:

                - É a Madalena! Ela está perguntando se a gente quer passar o final de semana lá no Alvo. Diz que vai ter festa.

                - Essa sua irmã não tem sossego mesmo. Acabou de chegar da Disney e já pensa em festança – respondi fechando o jornal e ingerindo o último gole de café.

                - Ela está dizendo que vai ter churrasco e que meio mundo foi convidado.

                - Quando ela vai? – quis eu saber já preocupado.

                - Madalena! Quando vocês vão? Hoje? Hã, você passa aqui pra nos pegar? Ah tá, nós esperamos – encerrou Neide a conversa, desligando o telefone.

                Depois, vindo em minha direção:

                - Ela disse que daqui a meia hora vem nos pegar, pra gente passar o final de semana lá no Alvo. É melhor todo mundo ir se aprontando – ordenou Neide batendo palmas no meio da sala, chamando a atenção dos meninos.

                Passado o tempo Madalena buzina defronte o sobrado. Além de causar o estardalhaço com o som estridente ela gritava também.

                - Neide! Lucas! Vamos embora crianças!

                - É a Madalena. Vamos, todo mundo! Rápido, correndo! – instigava Neide meio louca com a agitação da irmã.

                - Nossa Senhora! Pelo amor de Deus! Vamos devagar se não a coisa complica – gritei eu, tentando segurar a avalanche.

                Madalena já acionava a campainha da porta gritando na sequencia:

                - Vamos gente. Temos que pegar a estrada daqui a pouco.

                Todos, inflados pela doideira da Madalena, corremos pra porta. A agitada nos ajudou a acomodar as mochilas no porta-malas.

                No carro e ao som, no último volume, de Massachusetts do Bee Gees, Madalena esgoelava:

                - Vamos pra Campinas. O Marcelo está nos esperando.

                E lá fomos nós estrada afora. Ainda bem que havia pouco movimento.

                Em Campinas, na mansão da cunhada, Marcelo dormia com a boca aberta, atravessado na cama do casal. Ele vestia camiseta verde, calça jeans justa e calçava mocassim marrom. Ele não se assustou quando Madalena acordou-o.

                Enquanto esperava Marcelo trocar as roupas – ele trabalhara a manhã toda – Madalena, falando pelos cotovelos, preparou um café bem forte.  

               Ouvindo a história de que a empregada fora dispensada na sexta-feira à noite e, informados de que não haveria tempo para a feitura do almoço, tomamos o lanche feito com pão de forma, queijo prato e café com leite.

                Marcelo apareceu na cozinha com os cabelos molhados e penteados para trás. Vestia uma camiseta alvinegra de listras horizontais, calça jeans limpa e os mesmos sapatos. Ele abriu a geladeira e tomando uma lata de cerveja abriu-a, beliscando o queijo também.

                Combinamos que iríamos ao sitio em dois carros. Num deles Marcelo e eu. No outro Neide, as crianças e Madalena.

                Chegamos ao Alvo à tardezinha. Havia muita gente reunida. Eram os parentes dos irmãos do Marcelo, empregados das empresas e o pessoal que morava no sítio.

                Uma churrasqueira enorme fumegava assando muita carne, linguiça e até milho verde. Um tambor – desses usados no transporte de petróleo – cortado ao meio, continha dezenas de garrafas e latas de cerveja envoltas por blocos de gelo e pó de serra.

                Crianças corriam entre os adultos acomodados em torno das mesas fartas. Depois de comer e beber muito saí para caminhar um pouco.

                Passei com calma, por uma porteira e prossegui lentamente, por uns dois minutos, sobre a vegetação densa.

                 Percebi que alguém vinha atrás de mim. Mas não me preocupei em saber quem seria. Mal podendo ver adiante, por causa das folhas altas, ouvi um ruído esquisito.

                Senti medo. Mas, pé ante pé, continuei avançando. De repente uma cabeça levantou-se dentre as folhas do capim crescido. Era um cavalo marrom que mastigava lentamente. Ao seu lado havia um pedaço de corda.

                Imediatamente pensei em laçá-lo e montar. Mas uma voz – daquela pessoa que caminhava atrás de mim – disse com força:

                - Não o faça correr porque pode ter um infarto. Faz muito tempo que está parado e pode morrer – disse Ubaldo o caseiro do sítio.

                Recuperado do susto que levei ao ouvir o vozeirão, enlacei o pescoço do animal, amarrei a corda em torno do focinho e montei.

                O bicho ainda mastigava quando começamos a caminhada lenta. Ele estava gordo e assoprava as narinas fazendo ruído.

                Quando apareci diante das pessoas montado no cavalo pude ouvir alguns comentários sobre a possibilidade do passamento do bicho.

                - Ele está muito gordo – gritou uma mulher com voz de quem havia bebido. Um zunzum levantou-se em favor do protesto.

                Não me importei com a falação e conduzi a cavalgadura para o meio do campo onde homens e crianças, formados em dois times distintos, jogavam futebol.

                Sob o alarido das reclamações eu cavalgava pelo campinho, correndo de uma trave a outra, até que alguém veio me explicar que o animal não suportaria tanta agitação.

                Apeado achei que me daria bem jogando futebol com a molecada. Propus-me a jogar num dos times, mas diante da rejeição peremptória, vi-me forçado a procurar o outro.

                O pessoal do segundo time, receoso, concordou que eu jogasse, mas só se ficasse no espaço entre o meio do campo e a nossa grande área. O ataque era reservado aos mais experientes.

                Todos jogavam de chuteiras e a maioria reagiu com indignação, quando entrei no campo calçando sapatos.

              Eu justificava minha posição alegando não poder jogar descalço enquanto todos usavam chuteiras.

                Estava tudo muito bom, corria tudo muito bem, até o momento em que eu, tentando interceptar o avanço do atacante adversário, atingi o seu joelho, com o peito do meu pé.

                Terminou ali, para mim, o jogo e a festa. Eu acabara de fraturar o pé direito.

 

 

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publicado às 01:45

Os gastos da câmara são “enxutos”, diz Longatto

por Fernando Zocca, em 17.12.10

O vereador José Aparecido Longatto (PSDB), atual presidente da câmara de vereadores de Piracicaba, deu entrevista coletiva à imprensa, na tarde de ontem (16/12). Ele fez uma avaliação da administração e confirmou a devolução de cerca de R$ 3,5 milhões para a Prefeitura.

 

Dizendo "Nós contribuímos bastante para o crescimento e engrandecimento da nossa cidade", Longatto iniciou a reunião, onde destacou que a câmara publica suas contas na internet antes mesmo da exigência legal para isso e que os gastos da entidade estão "enxutos".

 

João Manoel dos Santos (PTB) que comandará o legislativo pela terceira vez, a partir de janeiro de 2011, falou do papel do vereador da situação. "Pessoas desinformadas e pouco esclarecidas acham que combativo é o vereador de oposição. Mas, sem uma parceria a cidade não caminha. Sinto prazer em ser da situação e fazer parte de um grupo afinado e comprometido para que a cidade caminhe", garantiu ele.  

Confirmando a parceria José Aparecido Longatto (PSDB), fez questão de frisar que durante a sua gestão, o prefeito municipal Barjas Negri (PSDB) teve todos os seus projetos aprovados e vetos acatados. "Não perdeu nenhuma", lembrou.

 

Para o atual 2º Secretário e futuro 1º Secretário Carlos Alberto Cavalcante (PPS) a união dos vereadores da Mesa Diretora merece destaque.

 

Por falar em câmara de vereadores veja o que aconteceu na Câmara de Vereadores de Viamão (RS) na sessão do dia 14 de Outubro.

 

Estava em discussão o projeto de lei 065 que destinava mais de R$ 31 milhões para a Prefeitura de Viamão (RS). Vereadores contra e vereadores a favor partiram para o confronto físico. Instalada a desordem na Casa do Povo, a sessão foi encerrada.

 

 

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publicado às 16:49

O ARMÁRIO PRATA

por Fernando Zocca, em 18.11.10




Pitirim Zorror acordou, naquela manhã de segunda-feira, com uma dor de cabeça horrível. Seu companheiro de quarto, ali no famoso Spa Naka, roncara a noite inteira. Apesar do adiantado da hora, aquele gogó ainda estrondeava.

 

Ambos internaram-se na clínica objetivando perder peso e livrar-se dos incômodos da intoxicação causada pelo uso diário do álcool. Pitirim arrancou o travesseiro debaixo da cabeça pesada e lançou-o contra a fonte insuportável de ruídos.

 

Ernesto Mail assustou-se com o impacto. Atordoado, ele pode ouvir o trinado dos pássaros, àquela hora da manhã. Nervoso ele exclamou:

 

 - Que saco! Não se pode mais, nem ao menos, dormir direito nesse lugar.

 

Um odor de café coado naquele momento evolava no ambiente, aguçando a fome nos demais residentes.

Pitirim percebeu suas mãos trêmulas. Ele sabia que só as teria firmes, depois duma talagada generosa. E. Mail começou a falar:

 

- Eu notava que os vizinhos da minha casa conversavam, sobre mim, com os vizinhos daquele boteco, lá no centro. Eu tenho certeza que eles todos comentavam sobre minha... minha... nobre... pessoa, com os vizinhos da construtora onde eu aparecia todas as manhãs, para trabalhar.

 

Pitirim levantou-se e foi dizendo:

 

- Já está delirando a essa hora! Você não é oceano, mas tá cheio de ondas hein, ô da psicose! Vai se levantando rápido. Aquele enfermeiro maluco vem chegando aí. Você sabe que ele não vai com a tua cara.

 

Pitirim sentiu que fora um tanto quanto seco e rude com o parceiro. No fundo sabia que Ernesto Mail tinha razão e estava certo com as suas percepções. O pessoal da seita maligna do pavão-louco não era flor que se cheirasse. Aquela gente era de morte.

 

E. Mail, tossindo, botou os pés no chão. Seus cabelos estavam desgrenhados; o rosto mal barbeado e vermelho. Em tom de cochicho ele perguntou:

 

- E a mais lindinha? Acabou?

 

Pitirim, percebendo que aquela concorrência, poria em perigo o prazer da embriaguez do dia, asseverou:

 

- Acho melhor você se cuidar. Aquela turma do pavão-louco está todinha atrás de você. Eles estão com ódio e desejam ver-te mais seco do que roçado nordestino.

 

Ambos se preparavam para descer e tomar o café matinal. Vestiam-se vagarosamente. De repente, as palmas estaladas à porta, assustaram os internos. A enfermeira Lucila Mao Mé, magra à semelhança dum frango morto, depenado e dependurado, mostrando muita irritação, esbravejava:

 

- Vamos logo, se não vocês perderão a hora do desjejum. Parece que não sei... Parece que bebem...

 

E. Mail sussurrou:

 

- Ih rapaz! É aquela louca que confunde colega com Corega. Tamos ferrados!

 

 Pitirim emendou:

 

- Essa capivara não tem carrapato com maculosa, mas pode te esquentar a cabeça. Vamos logo, ô praga de usineiro, sai da frente!

 

No refeitório, sentados um defronte ao outro, eles conversavam, entre goles compassados de café com leite. Ernesto Mail disse:

 

- Piti hoje tenho consulta com o endocrinologista. Ele pediu que eu escrevesse alguma coisa relacionada com o meu peso. Bolei essa cartinha. O que você acha?

 

Pitirim pegou o papel e mordendo um pedaço de torrada, passou a ler. O texto dizia assim:

 

"Quando era criança e já bastante gordinho, a molecada do bairro zoava-me muito durante as corridas pelo quarteirão. Eu sempre chegava por último. A gozação era geral: todos subiam na jabuticabeira e eu não podia nem ao menos passar pela segunda forquilha. Confesso a você que até mesmo as escadas conseguia descer. Eu próprio sentia compaixão por minha pessoa. Vá vendo... Mas do rio não é bom falar. Todos chegavam correndo às margens e, aos saltos, entravam n´ água. Saíam nadando, enquanto eu afundava igual a martelo."

 

"Diante desses fatos fui ficando assim meio caseiro, inferiorizado. Aquele senso de dessemelhança que se apossa do fofinho que vive num grupo de magros, obrigou-me a desenvolver a inteligência agressiva e a astúcia exuberante. Eles não contariam com a minha astúcia."

 

"Passei a escrever poesia quando estava supergamado e não tinha coragem para declarar meu amor."

 

"Os dias sucederam-se e eu ficava cada vez mais velho. Comecei a fumar. Pensei que fosse emagrecer com o tal hábito. Mas que nada. A adiposidade em meu corpo aumentou de tal forma que eu já não conseguia mais ver o biribiguá. Mas também pelo tamanho com que ele se apresentava, seria melhor que eu não me lembrasse da sua existência. Era humilhante."

 

"Reuni minhas poesias em alguns livrinhos xerocopiados e passei a oferecer às pessoas. Houve certa aceitação. Pelo menos em tais contatos sociais não haveria tantos rebaixamentos. Eles (os contatos sociais) se davam sob assuntos intelectuais e não por desempenhos físicos. Até aí tudo bem. Não encontrei nenhum concorrente que me pudesse fazer sombra."

 

"Reinei só durante alguns anos em nossa comunidade, sendo conhecido como Ernesto Mail Catão, o poeta pimpão."

 

"Mas você sabe como é: precisamos fazer algo de útil e remunerado durante essa nossa passagem pela terra. Se não, como sobreviveremos, não é verdade?"

 

"Ingressei então, pelo poder e graça dos grandes padrinhos, e por que não dizer, por minha capacidade intrínseca também, no serviço público municipal."

 

"Meu salário era ruim. Era tão minguado que me impedia de ver, e não via mesmo, outra alternativa para reforçar o orçamento, do que a da aceitação de bolas."

 

"A corrupção a que me submetia, quero deixar bem claro, não era prejudicial ao empregador a ponto de o fazer instalar uma CPI e me defenestrar do cargo. Tudo era muito leve e sutil. Espirituosamente sutil."

 

"Os anos passaram e agora, curto o diabetes, responsável pela minha disfunção erétil."

 

"Estou careca, gordo e com o bimbo mole. Mas escrevo minhas poesias. Gosto ainda de contar mentiras e, às ocultas, assoprar os defeitos alheios. Apesar dos laranjas e larápios viverem a dizer que não enxergo a trave no olho próprio."

 

"Nada mal para quem era um gordinho com nádegas flácidas e sem futuro. Não é verdade?"

 

Pitirim Zorror terminou a leitura e tossindo levemente disse:

 

- É bastante significativo. Tem conteúdo. O doutor vai entender que você era inferior e que por isso, para compensar, fazia essa poetagem toda. Seu caso assemelha-se aos demais integrantes dessas seitas malignas. Para ser aceito nelas é preciso estar separado do cônjuge, ser tabagista, obeso, alcoólatra, analfabeto, adolescente ou idiota. As maldades que praticam são compensações pela inferioridade material. Ajudam manter a autoestima.

 

Enquanto falava Pitirim não percebeu a aproximação de um novo interno. Era um sujeito alto, pelancudo, usava bigodes brancos e sujos; seus óculos estavam embaçados. Ele caminhava arrastando a perna direita. Calçava pantufas verdes e sua blusa era azul. O adoentado batia palmas e cantarolava: "É na palma da bota/ É na sola da mão..."

 

Ernesto e Pitirim se entreolharam e sem dizer palavra, saíram correndo a caminho do quarto. Lá no canto, no fundo do armário prata, estavam escondidas as garrafas de filha-de-senhor-de-engenho, néctares muletas que os fariam aguentar as chatices daquilo tudo.

 

Texto publicado originalmente em 14/10/2005 no site usinadeletras.

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publicado às 12:49

O falador compulsivo

por Fernando Zocca, em 19.09.10
 

            O falador compulsivo é o maluco incansável que passa mais de 72 horas falando sem parar. Suas palavras são quase sempre as mesmas e ele busca com isso a homeostase.

 

       A compulsão é a mesma que leva um sujeito à bebida alcoólica, a fumar desesperadamente ou entregar-se aos jogos de azar. É uma força incontrolável que pode trazer desconforto para os parentes mais próximos e vizinhos.

 

       As chamadas estereotipias compõem o vocabulário do paciente, que por ser iletrado, não consegue se livrar da tensão, fruto do meio ambiente, de outra forma que não seja a tal fala automática.

 

       Da mesma forma que alguns acometidos pela tuberculose criam que para sarar, precisavam passar a doença para outras pessoas, não é incomum encontrar a mesma certeza, no doente portador desse transtorno mental.

 

       Na idade média o tratamento para tal tipo de afecção era o exorcismo. Mas nos textos do velho testamento encontram-se alusões à língua e aos males que ela pode proporcionar.

 

       Conhecidos também como “obsessores”, os indivíduos portadores dessa anormalidade, são muitas vezes encarados como “médiuns” que manifestariam espíritos malignos.

 

       O analfabetismo impeditivo do contato intelectual e emocional com outras pessoas serve para a proliferação das crendices e superstições. Observa-se também o uso de estupefacientes no ambiente familiar desorganizado, carente de higiene e totalmente controlado pela personalidade cruel.

 

       As crianças, impedidas de brincar, são imobilizadas pelo falar incessante. O tal controlador, muita vez conhecido como “babá”, busca a credibilidade, com a qual obtém a obediência dos infantes, “prevendo” os fatos que ocorrem no dia a dia do quarteirão.

 

       Não exageraria quem dissesse ser a existência desse tipo de anormalidade do inteiro conhecimento das autoridades competentes do município. Acontece que por razões de ordem política, ao invés de sanarem os tais núcleos infecciosos, elas os incentivariam, por meio dos seus representantes chamados “religiosos”.

 

       Crianças, pessoas idosas ou debilitadas da vizinhança, podem adoecer gravemente por causa desse tipo de agressão – incivilidade - que extravasa quintal afora.

 

       Se nos tempos passados – antiguidade e idade média – usavam o exorcismo ou a imolação nas fogueiras, para acalmar o tecido social febril das cidades, hoje em dia, os neurolépticos são mais eficazes.  

 

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publicado às 11:40

Educação e saúde

por Fernando Zocca, em 23.08.10

                       É meu amigo, a vida tem dessas coisas.  Você passa quatro, oito anos, pedindo às autoridades do município, que fiscalizem as atividades incivilizadas, hostis, violentas, que tornam a vida na comunidade, bastante desconfortável, e nunca é atendido.

 

                Em resposta eles – os eleitos - minimizam o problema, desmerecem a sua pessoa e o convidam, com muita sutileza, a mudar-se de cidade. O lema que os embasa é: “Os incomodados que se retirem”.

 

                Esses senhores, que hoje ocupam os cargos públicos eletivos, agora batem às portas do eleitor, solicitando mais tempo de permanência, junto aos gordos vencimentos, que lhes garantem a paz, a saúde, o bem estar e – é claro - o distanciamento dos assuntos da periferia.

 

                A incapacidade para resolver os problemas relacionados à saúde, em determinadas áreas da orla, é justificada com a desculpa de que não seriam questões de competência do poder público, e nem sequer dos chamados centros religiosos.

 

                Acontece que toda a população da cidade está atenta às ocorrências. Graças a Deus. E a omissão dessas chamadas autoridades responsáveis, patenteia o descaso, o desprezo aos envolvidos. A função do governante não seria a de “botar mais lenha na fogueira”, ao contrário: governante bom é aquele que procura apaziguar os ânimos, promover a reaproximação entre as partes rixosas.

 

                O progresso de uma região não acontece quando os eleitos priorizam somente o desenvolvimento material das urbes. Há de se atentar para os problemas sociais, geralmente produtos da educação ineficiente, e sem dúvida nenhuma, também da saúde pública, hoje completamente lesada.

 

                A má educação, o grau elevado de incivilidade, a grosseria e a estupidez das pessoas, destacam muito mais intensamente uma região do que algumas pontes e asfalto desnecessário nas ruas.

 

                

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publicado às 19:01

Analfabetos e bêbados

por Fernando Zocca, em 27.07.10

 

                                         Um dos significados da palavra louco é extravagante, que está fora do contexto em que vive. Nesse sentido Jesus Cristo seria um deles.

 

                    Não é preciso explicar que Jesus era Judeu, e que o judaísmo, daquele tempo, além de remir os pecados dos seus adeptos, com o sacrifício de quem não tinha nada a ver com os nós, favorecia a política dos dominadores vindos de fora.

 

                    Jesus, seguindo os preceitos há muito tempo escritos, nos livros do velho testamento, mudou tudo isso, mostrando que seria ele quem carregaria todos os pecados do mundo, sendo dessa forma ressuscitado por Deus.

 

                    Num bairro onde há o predomínio de bêbados e analfabetos, o sujeito que tem um pouco de leitura seria o extravagante; o que destoa.

 

                    Então da mesma forma, esse pobre leitor de jornais pode ser perseguido, difamado, ter a água do seu reservatório envenenada e seu carro sofrer sabotagens que o levariam à ruína.

 

                    Tudo se complicaria para o extravagante se as “autoridades religiosas” que dariam suporte ao poder político na cidade, dirigissem o seu apoio, não ao perseguido, mas aos perseguidores.

 

                    E perceba que isso não é raro. Aliás, é mais comum do que pode imaginar a nossa mísera filosofia provinciana.

 

                    Uma das formas de realçar o tal poder político usuário da força, dominador, perseguidor e crucificador, seria impedir a exposição, nos prédios públicos da cidade, do símbolo evocador do amor demonstrado por Jesus Cristo.

 

                    Outra artimanha muito comum, nesse grande prêmio da vida, é tentar usar os ensinamentos de Jesus – os sentimentos cristãos – como inspiradores dos comportamentos conducentes às derrotas.

 

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publicado às 15:12


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