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A fábrica de automóveis tupinambiquence

por Fernando Zocca, em 04.03.10

            Diziam em Tupinambicas das Linhas que Jarbas, o caquético testudo, provando ser seu governo o melhor que a cidade jamais tivera, construiria uma fábrica de automóveis.

 

         Os comentários eram oportunos. As eleições se aproximavam e, da mesma forma que durante esses períodos o pessoal do partido retomava as balelas sobre a ferrovia, sua reativação e expansão, desta vez, falavam também sobre os automóveis tupinambiquences.
         O Diário de Tupinambicas das Linhas vinha todo dia recheado com as notícias sobre o prefeito. Nas colunas sociais, na página de opinião, de negócios e todas as demais, as matérias sobravam com elogios e afagos.
         Jarbas achava que fazia o que podia pela cidade. E segundo seus assessores, “quem faz o que pode, a mais não é obrigado”; no entanto era deficiente o atendimento à população carente, da periferia, nos postos de saúde; o ensino nas escolas públicas nunca estivera tão ruim.
         O Tribunal de Contas do Estado de São Tupinambos reprovara diversas vezes seguidas, a utilização das verbas públicas, enviadas pelos executivos estadual e federal.
         O município preferia a construção de viadutos e asfaltamento das ruas já calçadas, para onde carreava os valores recebidos, do que melhorar os salários dos professores municipais.
         A merenda escolar também foi esquecida;  as crianças não se alimentavam durante o tempo em que permaneciam nas escolas.
         Muitas ruas da periferia não tinham asfalto e a poeira levantada pela passagem dos carros, causava danos respiratórios aos idosos e crianças.
         Mesmo assim Jarbas queria construir a tal fábrica de automóveis. Ele justificava a teimosia afirmando que haveria emprego para milhares de pessoas.
         O prefeito e sua equipe viajaram diversas vezes ao exterior, objetivando convencer os empresários a se instalarem no município. A fábrica ganharia, de presente, áreas enormes de terra bem como a isenção de impostos por cem anos.
         Tanto fizeram Jarbas e sua equipe que realmente o seu sonho se concretizou. Depois de algum tempo os primeiros carros tupinambiquences começaram a rodar nas ruas da cidade.
         Convencido do sucesso Jarbas achava que ganhar as próximas eleições seria fácil.

 

Veja o teste de um dos primeiros carros construídos em Tupinambicas das Linhas. A fábrica, que ganhou áreas enormes de terra e isenção de impostos por cem anos, foi trazida do oriente por Jarbas e sua equipe.

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publicado às 13:58

A guitarra e a bandeira

por Fernando Zocca, em 25.10.09

 

Até que ponto pode a astrologia influir em nosso comportamento? Eu não sei, mas o fato de ser, pisciniana, aquela senhora velha, induzia sempre seu marido, louco de pinga, crente que era pescador, a correr atrás dela, brandindo a peixeira, quando se sentia, assim como direi, ofendido e com fome de vingança.

O fuzuê era corriqueiro. Aos gritos e desesperada, a coitada corria em torno da mesa velha, encardida e cheia de cupim, procurando defender-se. Esbaforido, o pescador tabagista pançudo, via-se safo da sanha, depois que, arfando, punha a língua de badalo pra fora.

Mas, naqueles velhos idos anos dourados (por favor, nobre leitor, não confundir com ânus ictéricos), quando Roberto e Erasmo Carlos eram ainda principiantes imberbes e o Gordini, quatro portas, um dos melhores carros para se levar libertinas a passeio, havia um cidadão, meu vizinho, que teimava em tocar guitarra. Porém quando o "músico" punha-se a tanger o instrumento, os cães uivavam, os gatos que antes dormitavam sonolentos, nas soleiras aquecidas, fugiam com olhares desconfiados, e os pardais esvoaçavam, mudos e assustados, pra bem longe.

Diante de tantas reações desgostosas, o moço resolveu vender o instrumento. Mas nas maracutaias que armava, cria que sempre deveria levar vantagens e, por isso, a caixa da guitarra ficou com ele. Mas o que faria com aquela coisa marrom por fora, com o formato dum violão, e revestida de veludo vermelho por dentro?

Ele não sabia até que, num 7 de setembro, o Exército Brasileiro expôs parte das suas armas na praça da cidadela. No vacilo do recruta sentinela, que fora ao bar ingerir o café predecessor do Minister curto, o ex-músico, rápido feito um felino, furtou o mosquetão 1908, que jazia na carroceria do caminhão camuflado. Acelerado, colocou a arma dentro da caixa da guitarra e, acendendo um cigarrinho, caminhou nervoso, porém sem dar bandeira, de volta pro refúgio.

Existem pessoas malucas que sob influências de fatos significativos, não sabem como reciclar aquelas emoções negativas a não ser por meio de, como direi, efetivação de "simpatias" correlatas. Por isso, quando o músico fajuto, leu no jornal a publicação da ocorrência, ensandeceu e apatetou-se. Mas no fundo do seu coração, achava que só se livraria daquele incômodo todo se caminhasse célere atrás duma pessoa, como se tivesse perseguindo um ladrão, passando-a, porém, na esquina. Pode soar estranho, mas para o maluco, aliviava-o o fato de imaginar, que ao invés de perseguido, ele era o perseguidor.

Com o tempo a ansiedade foi desanuviando e o ladrão vendeu a arma para um colecionador. Porém, sob os resquícios do transtorno causado pelo crime, numa catarse desopilante, o ladro esculpiu, com seu canivete afiado, um tacape monstruoso de madeira branca. Com parte do zinco, apurado na venda do fuzil, comprou a passagem do ônibus que o levou pra bem longe.

Anos depois, já maduro, o matuto maluco, durante as tardes, do início da primavera linda que se avizinhava, gostava mesmo era de sorver seu chá de catibiriba, deitado sobre sua bundinha mole e marmórea, na espreguiçeira instalada na borda da piscina de águas turvas. Beberrão, o careta apreciava a abusada e sorubínica cachorra podlee que se esvaia nos ladridos birrentos e punidores.

Naquele ano haveria eleições. Ele não gostaria que o rei momo se tornasse prefeito. Mesmo que, em o sendo, pudesse distribuir, de graça, milhares de cadeiras-de-rodas pra população.

Aquela sua bandeira até que poderia ser nobre, mas quem, na sã consciência, nos garantiria que, às escondidas, ele não desejava que milhões e milhões de pessoas saudáveis, se tornassem aleijadas, para que depois, durante as eleições, pudesse comprar seus votos eletivos com as bandeirosas cadeiras rodadas?

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publicado às 19:19


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