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As Contas do Condomínio

por Fernando Zocca, em 09.03.10

 

                  Mara K. Utáia deixara vencer mais uma conta do condomínio sem que pudesse pagá-la.  E essa negligência toda repercutia no bolso dos demais moradores do prédio. Os valores não recolhidos pela esquecida seriam acrescentados aos boletos dos vizinhos.
                  Por isso quando a mulher entrava, átrio adentro, desejando descansar os pés calejados e libertar os joanetes das contenções opressivas, daqueles seus sapatos velhos, percebia os olhares tortos do porteiro de plantão.
                   “Esse maluco é da turma do síndico safado. Fazem contas fantasiosas e procuram tomar o dinheiro de quem trabalha honestamente” – pensava K. Utáia ao transitar pelo hall gelado e sem vida, buscando a porta do elevador.
                   “Inventam despesas, inflacionam o consumo de água, de luz, de gás, os cambau. Querem mesmo prejudicar. E depois ainda dizem que não cumprimento ninguém, quando estou no prédio. Ò gente ruim da cabeça”. – ruminava Utáia esperando a chegada do elevador.
                   Um grupo de crianças se aproximou da mulher que, segurando com força a bolsa azul, mantida sob  o sovaco do braço direito, demonstrou desprezo ao vê-las.
                   “Essa molecada sem educação. Não sei onde vai parar tudo isso. No meu tempo de menina, se falasse merda já levava o maior cacete. Agora não. Veja como são mal educados. Ô gentinha”. – Mara transpirava. Seu pulso denunciava problemas circulatórios  que a incomodavam.
                   “E esse dente agora? `Mardito`! Justo agora  que deu pra doer? Assim não tem quem agüente. E aquele morfético que não paga a pensão? O desgraçado atrasa de propósito, só pra chatear. Ô camarada ruim!”
                   As crianças ao se aproximarem da mulher e percebendo-lhe a carranca no semblante, silenciaram. Elas a conheciam e sabiam ser daquelas velhotas que gritavam ofendendo os pequenos.
                   - Se não recebo, como vou pagar? – murmurou K. Utáia, quando o elevador barulhento parou à sua frente.
                   Ao abrir a porta a velhinha notou que ele trazia pessoas que o tomaram no subsolo, na garagem do prédio.
                   - Olha, criança não vai, não. Vocês esperem que não cabe mais ninguém. – afirmou a senhora, dirigindo-se às crianças enquanto entrava.  
                   “Sempre lotado. Se alguém peidar aqui dentro, com certeza, vão olhar feio pra minha cara. Mas veja como são mal encarados. Deus me livre!” – cogitava a mulher quando a porta fechou atrás de si.
                  Os solavancos do elevador serviam para demonstrar o mau estado de conservação.
                   - Misericórdia! – exclamou a baixinha ao notar a turbulência da ascensão.
                   - Está mal conservado. O condomínio não pode pagar por revisões mais freqüentes. Está sem dinheiro. – sentenciou um dos cavalheiros que também subiam.
                   “Eu sabia! Tinham que dar indiretas! Ô gente sem coração” – pensou a mulher apertando com mais força a bolsa debaixo do braço.
                   Ao chegar ao destino Mara K. Utáia percebeu que esquecera as chaves do apartamento no escritório. Ela se lembrava muito bem. Estavam na porta, penduradas do lado de fora.
                     

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