Um vôo rasante do gavião faminto fez com que a pintainha se assustasse, desaparecendo dentre as aberturas das pedras. A fuga ativara nela a produção de tanto calor que ao chegar à gruta escura e fria, sentiu-se sufocada por alguns momentos.
“Ô vida cruel” – pensou ela – “Não se pode, nem ao menos, sair um pouco da toca pra observar a redondeza, que logo surgem esses bicudos plumados querendo unhar a gente. Assim, não dá!”
Enquanto alisava as penas amarrotadas, ela pensava em sua liberdade que estava mesmo tolhida. “Ainda bem que não são urubus” – conformou-se a pintinha.
Depois de certificar-se da lisura das plumas antes arrepiadas, ela notou que adentrara ao recinto o mandante do trecho: era o galináceo Gera que “dando uma dura” na recém chegada se expressara:
- De novo zanzando pelo terreiro? E sozinha, ainda por cima? Pode uma coisa dessas? Você não percebe que os gaviões estão a fim de te levar? E depois como é que ficamos? Nunca mais, babau, tchau, morou? Dá pra se tocar Mary?
Bastante sentida Mary resmungou:
- Estou cansada desse chove-não-molha, dessa indecisão. Quero mudar esse estado de coisas. Não podemos mais ficar assim. Aqui não posso ser eu mesma. Será que você não entende? Como vamos afastar esse perigo constante, vivendo desse jeito? Temos que mudar logo.
- Para com isso Mary! – Com essas coisas não se brinca. Aqui onde estamos está muito bom. Pra não piorar, deixa do jeito que está!
Ao expressar sua opinião, que considerava imutável, Gera afastava-se deixando a avezinha desprotegida. Porém ao sair ele não pôde deixar de ouvir o farfalhar das asas do gavião faminto, que sobrevoava a vizinhança.