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O Finório

por Fernando Zocca, em 27.06.12

 

 

Todas as manhãs agora eram assim: choradeira infindável e lamentações provocadas, no mancebo arrependido, pela visão daquele rosto mal dormido, da concubina que já tinha sido quenga.


Pois haveria acicates maiores, do que as lembranças dos tempos da gandaia, daquela sua amada, provocadas pelas visões dos seus antigos amores?


Era só saber que um daqueles homens, que um dia andaram, nas noitadas da vida, (com a agora parceira), passaria defronte a sua casa, para emergirem naquela cabecinha miúda, as manifestações do ciúme doentio e desmedido.


O finório, que chiava e chiava, achava que o seu chororô minimizava aquele mal estar, o tal sofrer que já não tinha mais fim.


Na verdade ele estava com certa razão. Mas ninguém poderia apagar da existência dos fatos, a autenticidade que o consumia.  E todas as manhãs era isso: uns blá-blá-blás incansáveis e sem fim.


Tinha coisa mais chata?


A mãe do espertalhão, desacorçoada, nem se importava mais com as recomendações da vizinha que, durante as caminhadas pelo bairro, arriscava garantir ser de bom alvitre levar o inquieto a um psiquiatra.


Nem mesmo as afirmações de que a concubina já não possuía aquelas atitudes, que um dia a fizeram merecedora da hospitalidade da Maria Machadão, nos Bataclãs da vida, sossegavam o javardo.


- Mas será que com um bombom, logo depois que ele acorda o nervoso não passa? - perguntou, numa ocasião, a vizinha barriguda pra mãe do atormentado, quando a viu nervosíssima por causa da agitação da criatura.


- Imagine!!!!! Nem com pinga a goteira passa. - respondeu-lhe a mãe, que durante os passeios matinais, carregava sempre consigo um saco plástico com alguns pedaços de tijolo. Era uma espécie de simpatia que lhe ensinaram, pra afastar os azares que ela julgava perseguirem-na.


- Mas que nada minha dona. Uma temporada num hospital especializado pode resolver esse problema. - garantiu certa vez o especialista pra mamãe preocupada.


- E daí, vizinha? Decidiu o que fazer? - indagou a colega de caminhadas, depois da consulta ao médico.


- Já resolvi. - respondeu a mãe cansada de tanto sofrer. - De hoje em diante levanto a âncora e, remando, vou cumprir a determinação do doutor.


- É a democracia, né comadre?


- É. Democracia é isso.  

 

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publicado às 14:45



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