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O Sequestro do Velho Carteiro

por Fernando Zocca, em 25.10.11


 

                                  Parado na esquina, com o cacete na mão, Donizete Pimenta esperava por alguém que viesse atacá-lo.

               Na verdade o moço delirante, por sentir-se ameaçado, mantinha-se em posição de defesa.

             Quem passava pela rua via aquela figura grotesca, primitiva, de short bege, sem camisa, descalço, com o tacape em riste, pronto para o combate imaginário.

             Diziam no quarteirão que o amalucado tinha ascendência chilena e que viera para Tupinambicas das Linhas fugido da polícia. Segundo comentários, no bar do Maçarico, Donizete envolvera-se com o sequestro de um velho carteiro.

             Os vizinhos notaram que o doidinho tinha o hábito de sair de casa sempre acompanhado de uma jovem morena, de cabelos pretos e longos, caminhar rapidamente pelas ruas, e de não falar com ninguém.

             No boteco, Maçarico já demonstrara a sua desconfiança ao conversar com a figura, que entrara numa ocasião, para comprar cigarros.  

             Num domingo de manhã quando Van Grogue, Zé Cílio Demorais e Billy Rubina bebiam tranquilamente, comentaram as impressões causadas pelo novo e misterioso vizinho, que passara naquele momento, ligeiro assim, feito uma sombra, pela porta do bar.

             - Dizem que é muito rico. A mulher deve ter umas oito casas. Com escritura e tudo. – disse Van de Oliveira ao notar a dupla que caminhava.

             - Eles não têm filhos. – emendou Zé Cílio.

             - Eu ouvi dizer que eles têm filhos de outras uniões. Se não me engano são quatro menores.

             - Ninguém nunca viu esses dois com guris, zanzando de lá pra cá. – contribuiu Maçarico.

             - Talvez fiquem escondidos dentro da casa. – arriscou Van Grogue.

             - Será? – questionou Zé Cílio.

             - Eu não acredito que esse bagre cabeçudo tenha capacidade pra fazer isso. – desafiou Maçarico.

             - Olha, não duvide. Tem louco pra tudo. Pelo jeito que esse pé-rachado age, não duvide que ele seja capaz de gerar filhos com a própria filha. – garantiu Billy.

             - Pra mim esse retardado mental quer fazer bonito pra impressionar a mocréia miserável que caiu na rede dele. – concluiu Maçarico.

             Agora ali, parado na esquina, com a borduna na mão, à espera do inimigo imaginário, Donizete assustado, com o coração a galope, viu a polícia que chegava.

             Ao ser detido ele confessou que mantinha uma das crianças presas num cubículo, construído dentro de um dos quartos da casa, feita lá no fundo do quintal; e que a sujeitara, para aprender, a ouvir diuturnamente, centenas de músicas sertanejas.  

             Depois das primeiras providências, tomadas no inquérito policial, o delegado determinou que Donizete Pimenta fosse levado ao sanatório psiquiátrico do doutor Silly Kone, onde recebeu o tratamento especializado.

24/10/11  

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publicado às 01:01

Vergonha

por Fernando Zocca, em 18.10.11

 

 

                               Consta da literatura especializada que a timidez é um dos componentes da doença psiquiátrica denominada esquizofrenia.

                   Na verdade o acanhamento é consequência de contatos pessoais limitados. Ou seja, a ausência do desembaraço, é frequente nas pessoas que se relacionam com pouca gente.

                   Assim, nas localidades interioranas, nos sítios afastados dos grandes centros, o envergonhar-se é muito comum.

                   As personalidades acanhadas podem se sentir ameaçadas por coisas banais para a grande maioria, mas não para elas.

                   O receio da desonra as torna assustadiças e por consequência predispostas a agredirem.

                   Um remédio excelente para isso é a educação, a visitação das grandes capitais, o contato com os ídolos populares, a aproximação das autoridades públicas e a compreensão de que o fundo do quintal não é o único lugar existente no mundo.

                   Para os portadores desse tipo de personalidade restrita, torna-se torturante ou até inimaginável, o simples ato de tomar um ônibus intermunicipal, na sua própria cidade, e desembarcar em outra localidade, que só conhece de ouvir falar ou de ver na TV.

                   Não é raro encontrar nessas individualidades, a incapacidade de solidarizar-se com o indigente caído na rua, de compadecer-se dos que, por velhice ou doença, estão impossibilitados de trabalharem, ou dos que passam por recuperação nos hospitais.

                   Faz parte da evolução pessoal, da mudança do comportamento a comunicação verbal. Só progride quem se comunica eficazmente.

 18/09/2011

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publicado às 13:49

Criaturas Divinas

por Fernando Zocca, em 11.10.11

 

 

             A grande maioria das pessoas civilizadas sabe que o residir na região central das cidades é bastante estressante.

             Nessas áreas a concentração de estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços é bem maior do que na periferia. Isso torna o trânsito mais intenso, que por sua vez ressaltará o barulho, a desordem e a confusão.

             Então não se pode negar o grande interesse das pessoas por territórios mais afastados, presumidamente mais sossegados.

             Entretanto é necessário àqueles que se predispõem a mudar-se, uma ampla análise do trecho, especialmente da fauna do lugar.

             Você poderá encontrar burros xucros, capivaras hostis, antas barrigudas de calcanhares rachados e porcos agressivos, além é claro, do veadinho coiceiro.

             A melhor atitude a ser tomada é a de estabelecer contatos amistosos com todos os integrantes primitivos do espaço.

             Assim, mesmo que o burro xucro tente coiceá-lo, você não deve desistir de ofertar-lhe cenouras ou proporcionar-lhe afagos na crina ou no rabo.

             Se uma capivara acompanhada de sua prole pretende mordê-lo, evite, esquive-se. Saiba que a bicha pode ser portadora de carrapatos malignos.

             Agora, com a anta imensa é preciso ter muito cuidado, eis que a visão, a audição e o tato da figura, podem estar comprometidos por afecções comuns da espécie, consequentemente o juízo da animália pode não refletir a realidade.

             A anta por si só já é um fator importante de estricção, agora uma anta sem juízo é pior ainda. Já imaginou aquela anta-sapateira enorme, querendo pegá-lo, assim, sem mais nem menos, no meio da rua?

             Apesar de tudo deve-se ter muita paciência. Afinal todos os bichos são criaturas divinas e sem dúvida nenhuma, merecem o nosso respeito.  

11/10/2011.

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publicado às 20:05

Emanações Pútridas

por Fernando Zocca, em 07.10.11

 

 

            Tupinambicas das Linhas não era uma cidade agradável. Essa conclusão antiga baseava-se no fato de que a maioria das edificações civis foi construída sobre pântanos.

             As emanações gasosas pútridas foram observadas pelos primeiros colonizadores, mas insuficientemente desagradáveis para os convencerem de que o lado do rio, onde ergueram as primeiras construções, não era o mais saudável.

             Os gases fétidos, resultados da podridão fermentada no subsolo, emergiam a todo o momento, tornando insalubres alguns locais específicos da urbe. Esse desconforto era intensificado quando não havia ventos e o calor tornava-se desprazível.

             Jarbas o prefeito caquético e testudo, fora comunicado, há muito, sobre a existência dessa malignidade, entretanto ele afirmava que não podia fazer praticamente nada a não ser instalar dutos que facilitassem a vazão das exalações. O assunto ocupava boa parte dos espaços na mídia e das conversas dos moradores dos locais mais prejudicados.

             Foi nesse clima que, naquela manhã de quarta-feira, Van de Oliveira Grogue adentrou o bar do Maçarico cantarolando:

             - Litrão ê, ô... Litrão ê, ô...

             Maçarico lia o Diário de Tupinambicas, que aberto sobre o balcão, noticiava uma blitz dos agentes da polícia, na prefeitura.

             - Minha pinga! – exclamou Van de Oliveira notando o desprazer que provocava no Maçarico ao interromper sua leitura.

             - Você viu o que descobriram na prefeitura? – perguntou o dono do boteco, enquanto enchia rapidamente o copo do cliente.

             - Sempre tem maracutaia nova. Qual foi dessa vez? - questionou Van, depois de emborcar a “branquinha”.

             - Prenderam um grupo de funcionários que simplesmente apagava dos computadores da Dívida Ativa, os débitos dos devedores de impostos que se propusessem a pagar 30% dos valores. E parece que o Jarbas sabia de tudo. Diziam que ele recebia alguma comissão.

             - Eu ouvi essa notícia pelo rádio, no começo da madrugada. Levaram os computadores, e cinco suspeitos. – confirmou Van de Oliveira.

             - Descobriram que o esquema de sumiço dos dados era feito há muito tempo. Desviaram milhões e milhões de reais da prefeitura. O prejuízo é bem grande. – completou Maçarico.

             - Isso explica o carro novo que o Mariel Pentelini Demorais comprou de uma hora pra outra. – concluiu Van de Oliveira.

             Atendendo a um gesto do bebedor, Maçarico abriu uma cerveja postando-a sobre o balcão. 

              – O cara não tinha nada, mas depois que passou a trabalhar na prefeitura, deixou o bigode crescer e comprou até apartamento no centro da cidade. – continuou Grogue.

             - O Mariel Pentelini não é aquele mocorongo entrevado que tinha uma serralheria, falida logo depois da morte do pai dele? – quis saber o Maçarico.

             - É esse mesmo. Eu o conheço desde criança. Na casa em que os pais dele moravam havia um limoeiro, uma pitangueira, um orquidário feito com bambus e, bem defronte a porta da cozinha, um gramado pequeno. Naquela casa, antes dos pais do Mariel mudarem pra lá, funcionou uma lavanderia. Isso explicava a existência de quatro tanques enormes num dos lados da morada. Perto dos tanques tinha um aposento com uma janela pequena e a porta bem rústica. Ali o pai do Mariel depositava pneus usados e até material de campanha política.

             - Não era naquela casa que funcionou um asilo de insensatos? – indagou o dono do boteco.

             - Isso eu não sei. Mas naquele tempo na sala havia cristaleira, mesa e cadeiras no estilo colonial, quadros nas paredes e o ambiente todo era bem agradável.

             - Que eu saiba esse Mariel Pentelini vive de bar em bar curtindo as “canas” que entorna e cofiando o bigode branco. Ele não estava aposentado? – inquiriu Maçarico.

             - Nada. Juntou-se com a “virgem dos lábios de mel” da Vila Dependência e toca o trole até hoje. – garantiu Van de Oliveira.

             - Fazer o que, não é? Temos de ter paciência, muita paciência. – garantiu Maçarico.

             Dando-se por satisfeito e finalizando o encontro, Van de Oliveira perorou:

             - Por falar nisso, Maça, anota pra mim essa continha, que logo no fim do mês eu passo pra acertar. Tudo bem?


06/10/2011 

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publicado às 15:49

Pau que nasce torto, morre torto

por Fernando Zocca, em 05.10.11

 

 

 

          E lá vem o pessoal do PSDB querendo levantar mais um presídio, agora em Piracicaba. Ninguém nega que a bandidagem mereça, mas não aqui.

             Esses marginais, que agridem as pessoas de bem, merecem muito mais do que a supressão da liberdade. No meio deles tem pedófilo que se aproveita, há muito tempo, das crianças indefesas.

             No meio dessa gente má há ladrões, bêbados, drogados, violentos que não relutam em maltratar idosos e senhoras donas de casa.

             Mais do que os rigores da lei, essas aberrações da natureza, careceriam de bons tratamentos especializados; há bons dados estatísticos de recuperação.

             Contrariando boa parte de especialistas que garantem a irrecuperabilidade dos agressores contumazes, há a esperança de que algo possa ser feito, em proveito deles, nos sanatórios psiquiátricos.

             “Pau que nasce torto, morre torto” já garantia o velho ditado. Como você pode reeducar um maluco viciado em sexo com crianças e outro bêbado usuário de crack?

             É muito difícil. Nem a mãe dos encapetados pode com eles. Mas veja que não é um presídio novo que impedirá a violência dessa gente. De forma nenhuma. A limitação da liberdade pode amenizar as consequências dos crimes cometidos por esses marginais. Mas que ela ocorra bem longe daqui.

             O PSDB pede muito e concede tão pouco em troca. Seria por isso que a popularidade do partido desandou tanto a ponto de levá-lo a três derrotas consecutivas nas eleições para a presidência da República? 

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publicado às 14:57


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