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A festa de aniversário

por Fernando Zocca, em 20.05.09

 

                                    - Van Grogue, meu lindinho, conta uma historiazinha pra titia? Ah, conta vá!
                            Aquelas palavras ouriçaram os pêlos dos braços do Van, pois foram bafejadas no seu cangote, justamente no momento em que ele se preparava para levar à boca, o primeiro copo, da sexta garrafa de cerveja, daquela tarde, ali no bar do Billy Rubina.
                            - Mas será o Benedito? Ô Ema, vê se te limita um pouco, caramba! Quanta aporrinhação garota! Assim não dá pra beber sossegado, pô!
                            Apesar do protesto do cachaceiro mais amado de Tupinambicas das Linhas, as demais pessoas que formavam o grupo, resolveram arremedar a Ema Thoma e, em tom de falsete pediram em coro:
                            - Ah, conta vá!
                            - Bom, já que todo mundo está mesmo pedindo, eu vou lhes contar uma história sobre a infância do atual presidente da Câmara de Vereadores de Tupinambicas das Linhas. É uma passagem que presenciei, quando a cidade ainda não estava sob o poder da corriola do espevitado, que todo mundo conhece como Jarbas, o enrustidor do cacau alheio. – Grogue pigarreou, tirou um lenço do bolso, limpou os lábios, mandou abaixar o som do rádio, que noticiava uma comemoração no Flamengo do Rio e começou:
                            - Ele era ainda um menino, deveria ter uns seis anos, talvez sete, não sei precisar; mas o que importa é que estávamos no final dos anos cinqüenta; mais ou menos cinqüenta e seis ou sete. Bom, sei que o vi saindo sozinho de casa, num domingo à tarde. O garoto apareceu bem arrumado, tinha acabado de tomar banho; seus cabelos, bem penteados, eram pretos e encaracolados. Ele então começou a caminhar pela calçada, olhando as coisas ao redor, como se familiarizasse com elas.
                            - Quer um cigarro Van? – perguntou Ema ao colocar um prato de azeitonas sobre a mesa.
                             - Não, não quero. Você sabe muito bem que eu parei com isso e outras porcarias faz bastante tempo. – Contrariado Van prosseguiu – Naquela época não havia esse movimento que existe hoje na cidade. Os finais de semana eram tão silenciosos que se podia ouvir o zumbido do voo dos insetos. O guri foi então andando, atravessou uma rua, andou mais e mais e, ao chegar num ponto, onde já sentia medo, por estar só e desconhecer a região, pôde ouvir um burburinho de crianças que brincavam. Bom, eu acho que a curiosidade foi muito mais forte do que o medo, porque ele ao ver aquela molecada toda correndo pra lá e pra cá, parou defronte ao portão da casa. Ora, quando os demais meninos o viram, vieram até ele e lhe perguntaram quem era. Ele respondeu dizendo seu nome e o lugar onde morava. Foi então que um dos garotos, se não me engano o irmão do aniversariante, o convidou para entrar. Acontece que a zoeira toda que a molecada fazia, cessou quando notaram a presença do visitante. Bom, numa casa onde há crianças, há bastante barulho. Ainda mais em dia de festa. E por isso mesmo o silêncio significa algo diferente, estranho. E foi essa estranheza que chamou a atenção da mãe do aniversariante. Ela veio saber o que estava acontecendo quando então, um dos seus filhos apresentou o menino que aparecera. A mamãe tornou a perguntar o nome do ilustre recém chegado, bem como sobre o local de onde viera. Ao ser informada que a avó do guri morava na casa da esquina, do mesmo quarteirão onde estavam, ela se acalmou. A jovem mamãe falou às suas irmãs, que era o neto da viúva do açougueiro. Bom, puseram o penetra sentado numa poltrona verde, plastificada, que ficava adiante e ao lado da TV.
                            Van Grogue parou, tossiu, pigarreou e ingerindo mais um gole de cerveja continuou:
                            - Naquele tempo a TV era em preto e branco. Não havia transmissões durante as 24 horas, que temos hoje em dia. Por isso, a explicação dada para os chiados e chuviscos trêmulos, que surgiram quando ligaram o aparelho, foi de que ainda não estava na hora dos desenhos.
                            - Nossa Van, mas que história mais comprida essa! – Billy Rubina já apresentava sinais de cansaço.
                            - Vocês não pediram? Então, agora escuta, ora! – Grogue bebeu outro gole de cerveja, pegou com um palito a azeitona do prato e, saboreando-a prosseguiu:
                            - Hum que delícia essa verde, hein? Vá vendo... Bom, quando chegou a hora de cantar o parabéns vieram chamar o visitante que brincava com os meninos ali no tapete da sala. Todo mundo foi então pra cozinha. Na mesa havia um bolo branco, muitos pratos de doces, refrigerantes e salgadinhos.
                            Billy Rubina saiu lá de trás do balcão, aproximou-se e espetou uma azeitona. Grogue protestou:
                            - Opa! Dá licença? Será o impossível? – Van então continuou - Muito bem, antes de cantarem o parabéns a você, uma das tias do aniversariante disse pra todo mundo ouvir: “Olha gente, esse menino ai é o fulano, que mora ali em cima. Ele veio participar da festa. Fala alguma coisa menino!” Rapaz, eu nem te conto. O penetrinha ficou tão vermelho que parecia uma melancia. Como ele não dizia nada, uma garota aproximou-se dele e perguntou: “Você não fala?” O pobre infeliz só pensava em sair correndo. E aquela multidão toda olhando para ele... Bom, depois que o puseram sentado, num banquinho perto da mesa, começaram a cantoria. Horas depois, terminada a festa o menino foi embora satisfeito mas, ao chegar em casa levou a maior bronca por ter sumido, sem ter avisado onde fora.
                            - Só isso? – perguntou Ema Thoma. – Mas que história mais chata essa!
                            - Ah, se eu soubesse que era isso, eu não tinha nem pedido pra você contar. – Afirmou Billy Rubina passando um pano sobre o balcão.
                            - É isso ai. Essa é parte da história do garoto que hoje é o presidente da Câmara de Vereadores de Tupinambicas das Linhas. E vocês, bando de pingaiada, cadê as suas histórias?
                            Dizendo isso Van Grogue levantou-se e determinando ser a despesa do dia, por conta da casa, saiu sem pronunciar mais nenhuma palavra.
 
 
Fernando Zocca.
                             
 

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