Saltar para: Post [1], Comentar [2], Pesquisa e Arquivos [3]



O Clube da Bruta

por Fernando Zocca, em 21.07.12

 

Quando Luísa Fernanda completou 47 anos achou que deveria promover uma tremenda festa de arromba. Na verdade o evento serviria apenas de pretexto para uma reunião da diretoria onde se discutiriam os estratagemas de "fecha-beiço", a serem empregados contra os desafetos linguarudos e ordinários. Por isso, pelo Telefone, convidou a vovó Bim Latem, Kol da Mumunha, Val da Seita Maligna, Allan Brado o veadinho, Allan Bik a esponja e Klic Douglas.


Na sua mente, completamente encharcada, com os fluídos cervejosos, traçava os planos detalhadamente; deveria expô-los ao grupo de forma clara e firme para que não suscitassem qualquer dúvida ou vacilação.


Determinou que aquela sua empregada, gorda e galhofeira, parasse por algumas horas, com os encontros defronte ao portão, onde fofocava sobre a vida dos vizinhos, e que limpasse imediatamente o quintal onde receberiam os convivas.


À noite, logo depois do Jornal Nacional, encostou ao meio-fio, a vovó Bim Latem. Vinha num carro novo cinza reluzente, mas já não era o importado que sempre usara. Ao descer, mostrou que tinha uma certa assimetria nos olhos. O direito, não se sabe se por força da gravidade, ou problemas neurológicos, estava mais fechado que o esquerdo. Por teimosia negava-se a usar os óculos recomentados, e por isso, forçava o olhar quando botou os pés no chão. A luminosidade escassa, porém, impediu que ela desviasse os pezinhos dos montículos de cocô, antes deixados ali pela poodle branca. O encontro, então foi inevitável.


Bim Latem, irada com o grude que lhe travava os passos, amaldiçoou Luísa Fernanda; convenceu-se de que ela não passava dum formidável traveco zombeirão descendente dos Luíses da França. E que essa frutinha supimpa, originara-se mesmo do Luís XXIV, o dragão mocréico.


A vovó premeu a campainha; esperando ouviu os ladridos perfuro contundentes da bicha branca e peluda que se assanhava lá dentro. Luísa surgiu num short preto com o busto semi-desnudo. Tinha nos pés um par de chinelos azuis e largos que não impediam o vazamento dos artelhos pelas bordas frontais. Na mão direita trazia o molho das chaves e um cigarrinho entre os dedos indicador e médio. Com os dedos longos da mão esquerda, tentava manter alinhados alguns fios dos cabelo curtos e negros que teimavam em cobrir-lhe a orelha.


Ao vê-la vovó bateu três vezes os pés no chão. Antes de entrar foi logo dizendo: "É melhor cancelar essa reunião, que não vai dar certo".


Luísa, a fodida, pensou em interpelá-la, mas já conhecendo a personalidade despótica da velhota baixota e balofa, inibiu-se. E vovó continuou: "E atenção! Você tem só até amanhã para dar um destino pra essa cadela safada. Só até amanhã! Vá ao magazine Druida e converse com o Jacó, o rei da farofada".


Luísa abriu o portão; estava envolvida num banzé terrível formado por aquele coletivo de pulgas. Vovó permanecia empertigada e ciente de que tinha muito mais valor do que podia crer aquela filosofia vã, perdida naqueles miolos moles, de projeto frustro de mulher. A velha entrou com seu pé-de-anjo direito na casa engradada.


Com voz imperativa, de quem estava acostumada ao mando, determinou que fossem feitos os telefonemas para todos os que antes haviam sido convocados.


Depois que Luísa, a escalafobética, cumpriu as ordens, vovó mandou que ela sentasse naquele sofá marrom, já velho e esgarçado. Com suas pernas alvas e tremulas a esquisita, de origem "francesa", acomodou a bundinha flácida nas almofadas pútridas.


Bim Latem então falou: "Você, com essa idade que tem, já deveria saber que para as mesmas causas ocorrem os mesmos efeitos. E que mais vale um péssimo acordo do que uma ótima demanda. Por isso para calar a boca dos catinguentos, dê a eles um dinheirinho. Eu creio que uns 30 mil reais sejam suficientes. Com certeza fecharão aqueles bicos feios de tucanos sem terra."


Luísa Fernanda, cabisbaixa, pensativa, e esfregando as mãos mantinha-se calada. A cachorra, estrupício degenerativo, punha sempre em polvorosa sua colônia de pulgas, quando com as patinhas traseiras, alternadas, coçava o cangote.


O conflito realmente findaria. E não era isso mesmo muito bom?

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 14:51


Comentar:

Mais

Se preenchido, o e-mail é usado apenas para notificação de respostas.

Este blog tem comentários moderados.

Este blog optou por gravar os IPs de quem comenta os seus posts.



Mais sobre mim

foto do autor


Pesquisar

  Pesquisar no Blog

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.


Arquivo

  1. 2020
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2019
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2018
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2017
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2016
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2015
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2014
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2013
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2012
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2011
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2010
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D
  144. 2009
  145. J
  146. F
  147. M
  148. A
  149. M
  150. J
  151. J
  152. A
  153. S
  154. O
  155. N
  156. D